*Rosal
“Tschznnnzah!tsss…” eu ouvi e fiquei buscando de onde saía o ruído. Debaixo da mesa? Mas poderia ser? Havia o meu mocassim recém colocado nos pés e em sua beirada uma faísca cor de gelo a se extinguir. Fedor de queimado principiava no ar. Era um fio com remendo de fita, do ventilador, e eu pisei certinho nele.
Mesmo antes de identificar o ocorrido insurgia-se em mim um sentimento bizarro como o do roedor alheio à serpente que passa e após, por instinto, a percebe sumir, já sem risco ou violência, mas os seus nervos inflamados palpitam feito uma reverberação da morte. Depois (o que é curioso) pensei mais no mocassim do que na morte – parece-me que essa senhora é sempre abrupta, até para deixar-se ir. Um instante se passa e noto que esqueci o carregador do celular no trabalho.
Um aiai, 3%, 1%, 0%, mas não faz mal, não, ainda que houvesse uma tarde restante, uma noite e as possibilidades do imprevisto, que normalmente prevemos. No entanto, nada disso me pareceu mais existir, pois o banal fora de nosso alcance vai perecendo. Estava apenas o som do mundo que é o quarto, sem mais distorções, e tão significativo quanto qualquer coisa desde que tenhamos atenção sobre ela. Diante do silêncio nós percebemos.
21.02.20.
*Gustavo Muniz Barros Rosal Benvindo, estudante de Direito no campus da UESPI em Parnaíba, cronista, contista e poeta.