O SONHO DE ZÉ CACHAÇA

Nos Versos de Paulo Moura(*)

José Francisco de Oliveira, cabra-macho da região do Cariri. Destemido, trabalhador, casado com dona Itelvina, mulher de fibra, honesta, fiel ao marido, que  por um trisquin de nada, por causa de uma “branquinha marvada” quase desmantela seu casamento.

É como diz o poeta cordelista Paulo Moura:

“A cachaça é um produto

Que muita gente aprecia

Tem quem goste tanto dela

Que consome todo dia

Mas se não tiver cuidado

E não beber controlado

O cabra entra em ruína

Se dela não se afastar

Vai viver de bar em bar

Parando em cada esquina”

Pois foi isso que aconteceu com o José Francisco. De tanto beber recebeu o apelido de Zé Cachaça.  Exagerava  até perder  o caminho da sua casa.

Numa dessas vezes de exagero etílico, e com medo de levar uma sova de dona Itelvina, Zé cachaça chega em casa de fininho,  e corre  direto, sem fazer qualquer barulho, para sua alcova. Como descreve Paulo Moura:

“Uma vez passou da conta

Pois bebera em demasia

Chegou em casa à noitinha

Foi logo pra a camarinha

Pra a mulher não reclamar

E porque tava cansado

Se deitou, virou pro lado

E pegou logo a sonhar”

E quando nosso personagem acordou, e não viu a mulher deitada na cama, ao seu lado, como era o costume, ficou “brabo”!  Em vez de encontrar com dona Itelvina, adivinhem quem o Zé Cachaça encontra  dentro da sua casa?

“Levantou-se assustado

Esbarrou num véi barbado

E foi logo perguntando:

Não vi o senhor entrar?

O que é que faz no meu lar?

Vá logo se explicando!”

Então o velho barbado explica ao Zé que ele havia morrido.

“O homem, de terno branco

E um cajado de cêdro

Falou para Zé Cachaça:

Não temas, que eu sou São Pedro!

E este lar não é o seu

Pois você hoje morreu

E como não tem maldade

E foi um bom tabaréu

Vai morar aqui no céu

Por toda eternidade…”

Zé Cachaça então deu pra trás!  Não queria acreditar que tivesse morrido. Pediu então a São Pedro que falasse lá com o Nosso Senhor para lhe devolver a vida e prometia redimir-se do tal vício da embriaguez.

“Me ajude por favor

Peça pra Nosso Senhor

A vida me devolver

Se o bom Deus fizer isso

Eu juro por Padre Ciço

Que eu nunca mais vou beber!”

Então são Pedro disse-lhe que ele poderia voltar à terra, porém não mais na figura humana,  mas sim sendo uma galinha ou uma cadela.

Zé Cachaça matutou… matutou… e finalmente disse a São Pedro que preferia voltar na figura de uma galinha, pois tinha que ser galinha de granja. Segundo suas conclusões, numa cadela não daria certo, porque quando estivesse no cio teria que aceitar a cachorrada toda, e na forma de galinha de granja, a única coisa que iria fazer era se alimentar bem e botar ovo. Nem de galo precisaria, pois nas granjas, não existem galos para cruzar com as galinhas.  Assim ficaria livre de aceitar um macho por cima de si.

Só que São Pedro fez uma sacanagenzinha com ele e em vez de mandá-lo para uma granja,  o mandou sim, mas foi para o galinheiro de uma fazenda.

“Quando Zé abriu os olhos

Estava num galinheiro

Viu logo um galo tarado

Lhe olhando do poleiro

Que lhe falou sem tremer:

Você vai ter que escolher,

Não tenho nada de novo.

Aqui neste meu recinto

A galinha, ou choca pinto

Ou fica botando ovo!”

Se ele, ou melhor, ela a galinha, optasse por botar ovo, talvez se livrasse do galo, pois como é sabido e notório, galinha não precisa cruzar com o galo para botar ovo.

E foi assim  que o nosso personagem entrou em sua nova vida conforme finaliza o poeta  já citado:

“Zé fazendo grande esforço

Sentiu um ovo saindo

E ficou até feliz

Pois estava conseguindo

Tentando mais uma vez

Botou mais dois e mais três…

De repente, alguém lhe chama

E ele assuntando: quem é?

Sua esposa que disse: Zé?

Tu tás cagando na cama??”

(*) Paulo Moura é poeta, cordelista, escritor e  professor de História. Editor do blog desenvolve o projeto   “Educar com Cordel” que visa levar literatura de cordel para as sala de aulas, ensinando como surgiu a literatura de cordel, suas origens, sseus estilos, suas heranças. O Projeo Educar com Cordel é detentor do Prêmio Patativa do Assaré de Literatura de Cordel do Ministério da Cultura.

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