CIARLINI EM PROSA E VERSO

O labirinto de nossas escolhas

CLAUCIO CIARLINI(*)

Várias são as prisões que nos submetemos no decorrer de nossas vidas.

O livre arbítrio, famosa “dádiva divina” até para os que se dizem religiosos convictos, acaba por se tornar uma verdadeira “faca de dois gumes”, pois se podemos a tudo fazer, se nos é dado o direito de pensar, decidir e seguir infinitos caminhos, sejam eles quais forem, por que será que então, sofremos tanto?

Sendo castigados por nossas mentes, torturados pelas consequências de nossos atos, perseguidos por nossas ações… Uma palavra dita costuma sugerir, muitas vezes, mil interpretações que na maioria dos casos, vagam longe do real significado que dela foi incumbido. Um ato de livre escolha pode acarretar um conjunto de problemas, que o individuo, em sua fraqueza humana, dificilmente irá suportar, deixando-se ceder, cair ao chão, com o peso de sua culpa e remorso.

A sociedade se faz assim, num complexo e confuso emaranhado de versões de nós mesmos e dos intermináveis destinos que tomamos, como que presos nos labirintos que nossas próprias consciências criam, no intuito de que nunca, ou seja, jamais venhamos a conhecer a verdade.

Seguimos, então, ofuscados pelo brilho da luz que nos atinge, tentando nos esconder na noite, mas certos de que, nosso dia chegará… A “dama da foice”, como diriam alguns, não possui clemência: sorrateira, espreita na sombra com a paciência de um felino, pronta para dar o “bote”, e antes mesmo que pensemos sobre o que nos espera do encontro com célebre figura, somos envoltos por seus braços anestesiantes, e dormentes seguimos… Pra onde? É uma pergunta da qual, dificilmente obteremos resposta.

Fragmento extraído de  sua obra: Inevitável (2009).

Quem dera eu pudesse transcrever para esta folha

Todo sentimento compartilhado

Cada momento vivenciado

Seja no meio virtual ou na vida

(se é que existe essa distinção)

Quem dera eu pudesse demonstrar o tamanho da emoção

Que tem sido para mim a cada poema compartilhado

Amizade construída

Tanto na hora mais sofrida

Como no momento mais celebrado

Quem dera eu pudesse fazer deste momento de celebração

Uma constante

No intuito escapar dos altos e baixos

Que a cada instante

Nos pega de surpresa e nos leva ao chão

Embora com isso, nos faça ainda mais fortes

Quem dera eu pudesse ter

O dom de Alciomar

De conseguir com maestria verbalizar

Em forma de protesto (forte e social) aquilo que o indigna

Como também eu queria ter a energia criativa de Alexandre

Alimentada pelo Sol, tal qual a Superman

Em meio a risadas escrachadas e coração dos mais gigantes

Quem dera eu pudesse ter a cultura de Francisco Carlos

Podendo sair por aí, a incentivar e promover tantos

Sem nunca se perder na vaidade

Quem dera eu pudesse ter a capacidade

Deste incrível e gigante ser humano chamado Francisco-Ana

Que faz com que eu enxergue o mundo das Letras com esperança

E o que dizer de alguém como Daltro Paiva?

Que transforma dor em amor

Que consegue converter em poesia

Tudo que por ele, um dia, é tocado

Quem dera eu pudesse também ter

A incrível sensibilidade de Emanuel Carvalho

Um cara que eleva o termo amizade ao mais alto nível

Pois realmente pode-se contar com ele. E com sua poesia.

E Francisco Fernandez?

Com seus versos que impactam e que nos arremessam

A outros patamares…

Enquanto que Raphael, com sua forte poesia,

Inspirada por vezes dos Anjos

Nos ajuda a perceber que não devemos aceitar

Tudo que venha do sistema

E Filipe, que nos ensina por onde poderíamos chegar,

Por meio do amor à métrica e a rima,

É… quem dera eu pudesse capturar um pouco de cada…

Dessa forma eu poderia ter

Um pouco do talento incrível Jailson

Para música, para o poema, para crônica,

E para enfrentar dilemas,

Sempre com a cabeça fria, ou aparentemente,

Utilizando sempre da razão, mesmo em meio à emoção

E ainda tendo sensibilidade,

Tal qual a de Jaque Silva

Com seus versos de emoção

Demonstrando ao mesmo tempo

Como podemos ser frágeis e indestrutíveis

Que nem o grande músico e poeta Jefferson Portugal,

Que constrói suas rimas pautado no conscientizar

Quem dera eu pudesse ter um pouco do seu dom, de protestar

E ainda possuir a ternura, mesmo na batalha, desta sábia

Professora e poetisa, além de tudo grande amiga: Joyce

Quem dera pudesse ter o axé de Gualberto Junior

Único no ser. Filho. Do qual devoto o mais alto dos respeitos!

Assim como Leonardo, irmão de batalha já um bom tempo

Quem dera eu pudesse ter um pouco de sua fé

Que não se quebra mesmo em meio às piores tormentas

Quem dera pudesse ter a imaginação de Dona Lua, Luana

Como também sua capacidade, de ter sempre esse sorriso

Mesmo nos dias desagradáveis

Semelhante a Marcello

O eterno pescador, homo cactos

E tantos outros gigantes livros que ainda lançará

Sempre com muita criatividade

Pois quem dera eu,

Ao menos ter a sua grande humildade

Mesmo em meio aos maiores elogios

No que chega a vez de Morgana Sales

De mente inquieta por natureza

Num mundo repleto de incertezas

Escrevendo poesia

Como uma forma de vencer toda e qualquer dor

Sendo exemplo do que é mais que inspirador

Mas falando de inspiração, chega a hora de um cara,

Que tem por demais essa qualidade

E quem dera eu pudesse ter, apenas um décimo de seu talento

De observar e registrar a tudo e a todos

E produzir subjetividade, este seria Gustavo Rosal

Que inaugura a reta final

Pois temos Souza Sousa Filho

No que me permito recitar o seu acróstico

Sábio é como o descrevo, com um poético tom de boêmia

Orquestra suas poesias geralmente socias, com muita maestria

Um grande coração, disposto a sempre colaborar com o que puder

Superou muita coisa nesta vida, e ainda assim, preservou o bom humor

Aquele professor que a gente respeita, ser humano acima de qualquer suspeita.

E assim também é quem carrega

O temperamento dos mais doces

Além de um grande talento para o desenho e para a escrita

Assim é Tiago Fontenele

No que chego ao último, e não menos importante,

Um tal de Junior Silva, cordelista dos bons

Que vive todo instante,

A inventar histórias das mais divertidas

Só Deus sabe de onde ele tira

Espalhando alegria pela internet todas as manhãs

(E nem é a Xuxa!)

Na forma de piadas e poesia, quando não as duas…

Pois é Versania, meus irmãos…

Talvez eu consiga ser um pouco de vocês…

Pois é justamente onde reside a graça da vida, não é?

O compartilhar de conhecimentos

Livre de muros e imposições…

Construímos um lar em Versania,

Que não é perfeito, que não é feito apenas de alegria

Mas é feito de irmandade, mesmo nas diferenças

Que foi construído da forma mais poética de todas

Através de um sonho, e em meio ao suor e sangue

Que nunca, eu repito, nunca, sairá de nós.

Aonde formos,

Passe o tempo que passar

Esse livro sempre estará

Na nossa mais linda lembrança.

Muito obrigado!

Parte do discurso de Cláucio Ciarlini pronunciado em 05 de setembro de 2018 durante o lançamento da coletânea Versania que reúne poemas de jovens parnaibanos e  também de outras cidades vizinhas. Neste discurso Claucio Homenageia cada um desses jovens .

Claucio Ciarlini(*) candidato à cadeira 27 da Academia Parnaibana de Letras que tem como patrono Ovídio Saraiva. 

 

Poetas que participaram da coletânea Versania

SOLTARAM AS ONÇAS

Vitor de Athayde Couto (*)

Domingou. Tudo funciona regularmente em Parnásia, como em todos os domingos de sol. Praia de manhã, almoço mais tarde, cochilo, banho seguido de muita brilhantina e laquê nas cabeças adolescentes. E Lancaster! Tal uma grande lagarta, a fila do cinema Paradiso vai se mexendo para a sessão das 18:30. Duas horas depois da vesperal, logo em seguida ao the end, todo mundo corre até a praça, em busca da tão ansiosamente esperada meorinha de caminhada, dando voltas, cantadas e comentando o filme: as moças rodam no sentido horário; os rapazes, no sentido contrário. Hora de se amostrar móde um relógio novo, saia plissada, conjunto Banlon, camisas-volta-ao-mundo, tudo novo, comprado no Rio, pela Cruzeiro. Só os malas incluídos e muito abestados não rodam. Ficam parados, no meio da praça, falando merda e frescando com quem passa.

A azaração tem que acontecer entre 20:30 e 21:00, quando termina a missa da catedral, de onde saem os pais corujas, de braços dados, arrastando as filhas não cinéfilas e alguns filhos bundões, direto pra casa. Quem fica com quem não fica, nunca se sabe. Mal se conhecem os sonhos, pelo menos até a hora em que chega a porra da realidade: 21 horas, anunciam as badaladas do sino desafinado da matriz. Hora de soltar as onças.

Esvazia-se o estacionamento socialmente estamentado pelos diferentes espaços reservados para automóveis, lambretas e bicicletas (ninguém falava báique), conforme as diferenças patrimoniais entre as famílias. Quem mora perto caminha pelas calçadas seguras, exceto os malas incluídos que vão de carro, ali pertinho, só para se amostrar. Ah, ia esquecendo o estacionamento de balecos da gente diferenciada. Ficava mais distante, depois do vento, móde o fedor de bosta. Agora são 21:08, a praça entristece e se desertifica. As tartarugas da pérgula nadam, silentes. Permanecem só o guarda e os seus eternos interlocutores de plantão, animados pelo corote. São os malas desincluídos, deficientes e mendigos sem teto, sempre de braços cruzados, olhando pro nada.

“Soltaram as ôôônças!”, grita um culumim, à distância. “Queima o tabaco da êêêma!”, grita outro. “É a tuáááma, Datilôôôia!”, mais outro. E assim, de culumim em culumim, a praça escurece em meio aos gritos saídos de bocas invisíveis, escondidas do guarda.

Os globos dos pequenos postes de ferro se apagam, móde economizar energia da usina da Rua Sete. Protegido pela escuridão, alguém arrisca e grita: “Seu Fulano é côôôrno!”. Normalmente, seu Fulano é quase sempre um grande e respeitável negociante rico que acabou de comungar, na missa da catedral, logo depois de pedir perdão pelos pecados, principalmente as mentiras, conspirações políticas, sonegação de impostos e traição conjugal; ou por ter espancado a mulher e uma frágil filha adolescente. Ele sabe que, amanhã, segunda-feira, começa tudo de novo. Mas Deus é bom e tudo perdoa sete vezes sete vezes sete… Afinal, ainda nem se sabia o que era preconceito racial, logo, isso não era pecado. Ser limpinha, mesmo sendo preta, era a primeira condição para ser uma boa curica ou babá. A segunda condição eram as chamadas “referências”, em que tudo vale.

Já em casa, enquanto repassam na mente as últimas imagens da vesperal, as moças de família vão sonhar, metidas em babydolls de náilu. Não sem antes de resumir no querido diário, sob a luz do abat-jour, as cantadas ouvidas entre 20:30 e 21:00. Para elas, a vida se concentra nessa meorinha sagrada, pela qual esperam a semana inteira, entre rezas e promessas fáceis. Isso ocorre em quase todas as semanas do ano. As moças de família odeiam as onças invisíveis que expulsam, com seus relógios, as pessoas da 2 praça. Odeiam o tempo que passa, e também o inverno. Quando chove, não tem domingo. A semana pula direto, de sábado pra segunda-feira. Sem praça, sem graça.  

Ainda na náite, alguns rapazes de família de bem (dizia-se: “da sociedade” haha) também abandonam a praça. Em vez de irem direto pra casa, dirigem-se aos cabarés, à procura de mulheres virtuais esgotadas pelo fim-de-semana, nas altas horas de domingo, quando resta só o bagaço. “Bem, pelo menos é mais barato”, lembrou um dos rapazes, para consolo das mesadas dos companheiros lupanáticos. Sorte é de quem tem pai cabarezeiro, pois é ele quem escolhe a “modelo mais top” e negocia o cachê, quando o filho completa 15 anos. No clube, a filha debuta. No cabaré, o filho é da puta que o pai escolhe e lhe apresenta – a sua primeira vez. Mimo de aniversário. Depois, ele apresenta o médico, a farmácia, os remédios… e o permanente sorriso orgulhoso de quem é pai de macho. Cepãdã, se ocorrer algum acidente da natureza, esse “paitriarca”… sei não… ou mata, ou se mata. Em compensação, presente de pai não-cabarezeiro é só livro. Que ódio! Quase sempre é o “Meu catecismo de preparação para a crisma” ou “Tarzã, o rei da jângal”. Mas poderia ser pior, por exemplo, um “Pequeno dicionário da língua portuguesa”, enquanto a irmã ganha “O pequeno príncipe” ou “Reinações de Narizinho”. E ainda com recomendação de colocar uma capa de papel impermeável fosco, e cuidar bem! “Não risque, porque vai servir para a sua irmã caçula!” haha.

Na praça, agora escura, só se vê uma lanterna, intermitente, móde economizar pilha. É o guarda brincando de vagalume. Pra afastar a solidão, apita e foca a lanterna nos cururus. Já no rumo dos cabarés, o magote grita, de uma distância segura: “O guarda não é mais aquele / o que que se faz com ele…”, etc. Sobretudo etc., porque soa mais forte. Pura vingança, porque o guarda dormiu e não cuidou da praça – que acabou sendo destruída.

Ao longe, no silêncio truvo, já dá pra ouvir o som da vitrola do primeiro cabaré, situado na rua da Mungubeira, xis com o Beco do Xêramijo. A voz grave do Nelson Gonçalves mixa com os chiados do vinil que gira no pick-up Garrard, cuja agulha há muito está vencida. Difícil achar outra, nem mesmo na Discolândia do Rei Momo. “Fica comigo esta noite / e não te arrependerás…”. Nunca entendi por que “lá fora o frio é um açoite”, se na Parnásia faz um calor da porra haha. A galera aperta o passo, mas, ao chegar na Mungubeira, alguns rapazes hesitam, devagar, quase parando. Faz que vai mas num vai. Finalmente, encontram uma pequena janela lateral, aberta. Corações trepidam. Aproximam-se mais. As cabeças grandes se apertam na janela, móde espiar.

 No salão principal, o corpo de um bêbado dança, sozinho, abraçado a outro corpo, invisível, de algum fantasma real. Por cima da carne seca, uma gata prenha se lambe. Outro bêbado dorme sentado à mesa, com a cabeça dentro de um prato onde um resto de farofa acabou grudando na brilhantina do seu cabelo. Um viado lava os últimos copos americanos de cerveja. Umas três ou quatro mulheres sobreviventes permanecem sentadas, em silêncio, à espera de alguma esperança. Elas ouvem a música com atenção, pela milésima vez, como se fosse a primeira. À sua frente, a cerveja quente remanesce do último freguês já apagado da memória. De vez em quando elas se revezam pra virar o mesmo disco do Nelson Gonçalves. Uma se levanta, troca o lado A, depois lado B, lado A-B-A-B-A… até o infinito. Aproveita a levantada e vai mijar mais um pouco de cerveja quente no penico indiscreto. Joga o produto pela janela do quintal. Depois, volta. Sempre ao mesmo lugar, onde reencontra o seu fiel campo energético que lhe dá mais alguma sobrevida noturna, enquanto espera a luz do dia para dormir.

Do lado de fora, ainda na janela, os corações adolescentes saltam de emoção. Emoção que nunca será esquecida, porque, na idade do urubu, é mais fácil ser feliz. Com muito ou com pouco. Tanto faz. Mesmo que o cabaré tenha sido apenas um sonho de menino.

(Este texto inédito integra a série “Crônicas de Parnásia”, livro em edição)

(*) Vitor Athayde Couto é um dos seis candidatos que concorrem à  cadeira de número 27 da Academia Parnaibana de Letras.

O SONHO DE ZÉ CACHAÇA

Nos Versos de Paulo Moura(*)

José Francisco de Oliveira, cabra-macho da região do Cariri. Destemido, trabalhador, casado com dona Itelvina, mulher de fibra, honesta, fiel ao marido, que  por um trisquin de nada, por causa de uma “branquinha marvada” quase desmantela seu casamento.

É como diz o poeta cordelista Paulo Moura:

“A cachaça é um produto

Que muita gente aprecia

Tem quem goste tanto dela

Que consome todo dia

Mas se não tiver cuidado

E não beber controlado

O cabra entra em ruína

Se dela não se afastar

Vai viver de bar em bar

Parando em cada esquina”

Pois foi isso que aconteceu com o José Francisco. De tanto beber recebeu o apelido de Zé Cachaça.  Exagerava  até perder  o caminho da sua casa.

Numa dessas vezes de exagero etílico, e com medo de levar uma sova de dona Itelvina, Zé cachaça chega em casa de fininho,  e corre  direto, sem fazer qualquer barulho, para sua alcova. Como descreve Paulo Moura:

“Uma vez passou da conta

Pois bebera em demasia

Chegou em casa à noitinha

Foi logo pra a camarinha

Pra a mulher não reclamar

E porque tava cansado

Se deitou, virou pro lado

E pegou logo a sonhar”

E quando nosso personagem acordou, e não viu a mulher deitada na cama, ao seu lado, como era o costume, ficou “brabo”!  Em vez de encontrar com dona Itelvina, adivinhem quem o Zé Cachaça encontra  dentro da sua casa?

“Levantou-se assustado

Esbarrou num véi barbado

E foi logo perguntando:

Não vi o senhor entrar?

O que é que faz no meu lar?

Vá logo se explicando!”

Então o velho barbado explica ao Zé que ele havia morrido.

“O homem, de terno branco

E um cajado de cêdro

Falou para Zé Cachaça:

Não temas, que eu sou São Pedro!

E este lar não é o seu

Pois você hoje morreu

E como não tem maldade

E foi um bom tabaréu

Vai morar aqui no céu

Por toda eternidade…”

Zé Cachaça então deu pra trás!  Não queria acreditar que tivesse morrido. Pediu então a São Pedro que falasse lá com o Nosso Senhor para lhe devolver a vida e prometia redimir-se do tal vício da embriaguez.

“Me ajude por favor

Peça pra Nosso Senhor

A vida me devolver

Se o bom Deus fizer isso

Eu juro por Padre Ciço

Que eu nunca mais vou beber!”

Então são Pedro disse-lhe que ele poderia voltar à terra, porém não mais na figura humana,  mas sim sendo uma galinha ou uma cadela.

Zé Cachaça matutou… matutou… e finalmente disse a São Pedro que preferia voltar na figura de uma galinha, pois tinha que ser galinha de granja. Segundo suas conclusões, numa cadela não daria certo, porque quando estivesse no cio teria que aceitar a cachorrada toda, e na forma de galinha de granja, a única coisa que iria fazer era se alimentar bem e botar ovo. Nem de galo precisaria, pois nas granjas, não existem galos para cruzar com as galinhas.  Assim ficaria livre de aceitar um macho por cima de si.

Só que São Pedro fez uma sacanagenzinha com ele e em vez de mandá-lo para uma granja,  o mandou sim, mas foi para o galinheiro de uma fazenda.

“Quando Zé abriu os olhos

Estava num galinheiro

Viu logo um galo tarado

Lhe olhando do poleiro

Que lhe falou sem tremer:

Você vai ter que escolher,

Não tenho nada de novo.

Aqui neste meu recinto

A galinha, ou choca pinto

Ou fica botando ovo!”

Se ele, ou melhor, ela a galinha, optasse por botar ovo, talvez se livrasse do galo, pois como é sabido e notório, galinha não precisa cruzar com o galo para botar ovo.

E foi assim  que o nosso personagem entrou em sua nova vida conforme finaliza o poeta  já citado:

“Zé fazendo grande esforço

Sentiu um ovo saindo

E ficou até feliz

Pois estava conseguindo

Tentando mais uma vez

Botou mais dois e mais três…

De repente, alguém lhe chama

E ele assuntando: quem é?

Sua esposa que disse: Zé?

Tu tás cagando na cama??”

(*) Paulo Moura é poeta, cordelista, escritor e  professor de História. Editor do blog desenvolve o projeto   “Educar com Cordel” que visa levar literatura de cordel para as sala de aulas, ensinando como surgiu a literatura de cordel, suas origens, sseus estilos, suas heranças. O Projeo Educar com Cordel é detentor do Prêmio Patativa do Assaré de Literatura de Cordel do Ministério da Cultura.