O escritor, o jornalista, o músico, o poeta e o historiador. Por Claucio Ciarlini

Introdução

            Domingo, 13 de junho de 2021. O dia em que escrevo este texto, que é uma homenagem, mas ao mesmo tempo um testemunho destes sombrios dias, eu fico sabendo (e num intervalo de poucas horas) do falecimento de mais dois importantes homens da cultura de Parnaíba: o poeta José Airton Saraiva de Menezes e o músico Herculano Falcão.

            Neste dia em que consegui finalmente parar (e ao mesmo tempo ter o emocional) para produzir estas linhas sobre cinco personagens importantíssimos da história da cidade que perdemos ao mesmo tempo em que me solidarizo com seus familiares e amigos, o isolamento por conta do Covid19 já dura bem mais do que um ano. Se formos tomar por base apenas as vitimas de Covid em Parnaíba durante o período de quarentena já somam 418 cidadãos que não estarão mais conosco quando dias melhores vierem. No Piauí: 6.240. Em termos de Brasil: 486 mil. E no mundo: 3,8 milhões. E embora nem todos que mencionarei tenham partido direta ou indiretamente por conta da doença, ainda assim as suas mortes não deixaram de representar lastimáveis perdas, aumentando assim o triste quadro de dor e de saudade que se instalou desde o ano passado em Parnaíba, assim como nas demais cidades do mundo.

O escritor

            Por ordem cronológica, inicio com o escritor e amigo Mário Pires Santana, que nos deixou no dia cinco de julho de 2020, vítima de complicações de saúde por conta do Covid. Muito respeitado no meio de comunicação social de Parnaíba, Mário foi jornalista, escritor e blogueiro. Foi colaborador do jornal Norte do Piauí, do jornalista Mário Meireles, escrevendo poesias, contos, crônicas e discorrendo sobre assuntos do dia-a-dia transcorridos na cidade.  Escreveu também para o Correio do Norte, do jornalista José Luiz de Carvalho. No ano de 2011, publicou “De Parnaíba a Bagdá”, seu livro de crônicas. Em parceria com José de Nicodemos Alves Ramos, Diderot Mavignier, Graça Ramos e outros, colaborou na edição do livro “Parnaíba de A a Z”. Tinha um espaço virtual, o Blog do Mário Pires. Era membro da ASCOMPAR e do Instituto Histórico – Geográfico e Genealógico De Parnaíba (PI) – IHGGP.

            No ano de 2016 tive a honra de contar um pouco da sua história no texto “O braço, o lábio e a voz”, fruto de minha série de entrevistas para este impresso, onde deixei registrado: “Mario é uma dessas raras pessoas que além de ter forte sensibilidade, consegue demonstrar(…) Ele é assim, um ser humano maravilhoso, com qualidades que se sobressaem aos defeitos. Um cidadão consciente de seu papel para com a cidade que tanto admira e que a eterniza, em crônicas belíssimas lançadas nos jornais, livros e páginas da internet. É dessa forma que ele tenta ajudar Parnaíba, terra da qual ele tem um amor, que só cresce com o tempo, desde ainda pequeno, sempre e a cada dia mais (…) Mario é um escritor que diz a verdade, mesmo que ela incomode, pois sabe que é um direito adquirido a duras penas e através do sangue de inúmeros que lutaram para que a Nação se tornasse livre de um governo que durante 21 anos limitou o direito de livre expressão e implantou o medo de questionar. Ele sempre estará disposto a lutar por essa liberdade, do jeito que for preciso, e como diria Belchior: é para isso que se faz o seu braço, o seu lábio e a sua voz”.

O jornalista

            Dois meses haviam se passado desde a partida de Mário por conta do Covid, quando Parnaíba chorou mais uma perda. No dia 17 de setembro de 2020, o brilhante jornalista Kairo Amaral perde a luta contra um câncer que o afligia desde antes da pandemia. Kairo atuou tanto no Rádio e Televisão. Em 2013, trabalhou na TV Costa Norte, afiliada da TV Cultura no Piauí, depois fez reportagens na TV Meio Norte e por último estava na TV Clube, afiliada da Globo no Piauí. Trabalhou também na Rádio Liderança. Um profissional que era considerado por muitos colegas como bastante criativo, responsável e dedicado. A sua evolução e amadurecimento eram notórios e rendiam inúmeros elogios dentre os telespectadores, incluindo a este ser que vos traz este impresso.

            No portal Cidade Verde, coletei estes trechos muito significativos do diretor de jornalismo da TV Clube, Claudinei Moreira, sobre Kairo: “Kairo Amaral Rezende tinha 24 anos. Com um talento especial para contar histórias começou a trabalhar na TV Clube no dia 16 de abril de 2018. Era o correspondente da TV Clube em Parnaíba. E de lá mostrou histórias do povo, defendeu direitos dos cidadãos e apareceu para o Piauí e para o Brasil em entradas em telejornais da TV Globo (…) Jovem, talentoso, e com uma energia quem que envolvia toda a equipe que trabalhava com ele. À família do Kairo, a família TV Clube só tem a agradecer pelo convívio curto, mas intenso e de muito aprendizado“.

O músico

            Antes que 2020 encerrasse e em meio à noticia de uma vacina contra o Coronavírus, a música de Parnaíba ficou de luto por Fernando Holanda Mendes, que faleceu no dia 08 de dezembro. Músico, compositor, poeta e jornalista. Líder do grupo musical Os Apaches, que fez história nos grandes bailes da elite parnaibana, e pavimentou sua própria com lutas em favor de Parnaíba. Nosso abraço e pêsames aos familiares, nas pessoas das irmãs Rita Holanda e Regina e Fonseca Júnior, que também é músico.

            O advogado e jornalista Francisco Carvalho em postagem numa rede social comentou sobre Fernando: “Parnaíba perdeu nestas últimas horas um dos ícones da sua cultura, o músico e poeta Fernando Holanda, filho do intelectual parnaibano Fonseca Mendes, falecido. O Fernando Holanda vai, mas deixa sua marca na história da música em Parnaíba, tendo sido um dos nomes da histórica banda Os Apaches, além de outras incontáveis contribuições à cultura regional. Mas, foi por conta de sua atuação política ligada ao PDT no início dos anos 90, que eu o conheci. Naquela época, deu importante contribuição à democracia, se candidatando a um cargo eletivo (se não estou enganado, pleiteando uma cadeira de deputado federal). Meu primeiro contato com o Fernando Holanda, foi entrevistando-o sobre política, na loja Musical, de sua propriedade e dedicada à venda de instrumentos musicais, localizada na Rua Quetinha Pires, onde hoje é a Gráfica Melo. Depois, o Fernando Holanda fez parte do time de futebol do jornal A Tribuna, iniciativa do jornalista Mário Rogério, onde eu trabalhei e muito aprendi, e quando conheci melhor a figura humana, pacífica e amiga deste grande artista e humanista que agora deixa o plano terrestre.  Fiquei triste com a partida do Fernando Holanda, nos restando a fé de que tudo faz parte do plano de Deus. Parnaíba perde um grande artista, e um grande homem”.

O poeta

            Já iniciado este ano, e num dos períodos de maior isolamento, perdemos o poeta Jorge Carvalho. Na triste data de 17 de março. Além da poesia, Jorge era advogado, foi técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) da Delegacia de Parnaíba. Participou de coletâneas literárias históricas, como Poemágico e Poemarítimos, que também tiveram a participação do escritor Elmar Carvalho, que comenta sobre o amigo Jorge: “Era Jorge Carvalho muito inteligente e detentor de uma capacidade de argumentação muito elevada. Defendia suas ideias com entusiasmo e convicção. Não bastasse ter uma aguçada inteligência, possuía uma memória prodigiosa. Sempre lhe admirei a inventividade. Era um mestre do malabarismo com as palavras, dos jogos florais rítmicos e das sonoridades, com as rimas, as aliterações e as coliterações. Mestre era também dos arcabouços formais, pois sabia extrair as lições do velho carmen figuratum; conhecia e bem os recursos do verbi-voco-visual do concretismo, de modo que seus poemas eram também visuais, de admiráveis plasticidades. Contudo, não era um simples formalista, a praticar meros jogos de rimas e trocadilhos. Seus poemas primavam pela forma e pelo conteúdo. Aliás, poderia dizer que ele ajustava com perfeição suas criativas formas ao fundo de seus poemas”.

            O poeta Danilo de Melo Souza, quando do falecimento, homenageou o amigo Jorge com um poema: Salve Jorge Poeta de Carvalho

O poeta no mundo

É um mundo de poesia interior

Sem fronteiras

Sem os marcos geodésicos

 No fino equilíbrio

Na ponta da sapatilha do balé

De Maiakovski, Malinovsky e Bukowski

Escrevinhando a torto e a Direito em Recife ou Igaraçu

O poeta trata de revolução, de vanguarda e beleza

Na frágil escultura de Brigitte Bardot

O poeta cospe fogo

Um dragão e um Jorge

Na mesma dimensão

Diapasão, dia paz e imensidão

De sol, de solário e solidão

Navi (agem) louca de Torquato

A sua última turnê nordestina

Deixando saudade

Deixando poema

Deixando eternidade

Ricas alegorias e estripulias

Desenho & Design

Protesto e irreverência

Na invicta Praça de Santo Antônio

Saindo da vida para entrar na história

Na prosa Getuliana

Na luta pelo petróleo

O nosso petróleo

Em prece libertária e nacionalista

Deus te ouvirá

Pelos versos que pudeste derramar

Pela métrica metódica de calcular

Pela prosa que haverá de estrear

No plano de além do mar e do céu misterioso

Para onde foi o poeta

Para um tal lugar que não se sabe

Imagina-se

Onde estava o poeta

Em um lugar

Em Xangri-Lá

Em Pindorama

Em Parná

 Jorge poemágico mudou

Jorge poemaritimo se encantou

Jorge protestou seu último grito

Na Rua Grande da vida  

O historiador

            E no dia oito de maio deste ano, mais uma trágica perda: Cosme Costa Sousa. Entusiasta e propagador da cultura local. Membro muito atuante do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba – IHGGP-PI. Formado em História pela FID e um profundo conhecedor da história de Parnaíba, Cosme vivia pelo conhecimento.

            Nas palavras de Reginaldo Pereira Júnior, presidente do IHGGP, sobre Cosme: “Ele era estimado por todos que o conhecera, uma pessoa bastante prestativa, educada e tinha a humildade como caráter”. Nas palavras do historiador Bruno Araujo: “uma pessoa que sempre lutava pela valorização da memória da cidade, do patrimônio e da cultura, honrável com seu oficio, admirável com sua simplicidade, alegre sempre com um sorriso no rosto, sempre quando conversávamos sobre história não queria mais parar”. Nas palavras do escritor Jailson Junior: “Cosme Costa era um defensor da história, do patrimônio e da memória de Parnaíba. Quem conviveu com ele sabia da enciclopédia que ele tinha na mente, citava gerações inteiras de famílias ilustres de cabeça, conhecia como poucos o centro histórico de Parnaíba, tendo como TCC a escravidão no Porto das Barcas. Era proativo, e de um bom humor marcante. Parnaíba perde, a eternidade ganha”.

            O secretário estadual de Cultura, Fábio Novo, comunicou em rede social no dia seis deste mês: “A Praça das Ruínas no Porto das Barcas, em Parnaíba foi concluída ontem. Ela vai se chamar Cosme Sousa, que sonhou com esse espaço. O historiador e funcionário da SECULT por mais de 30 anos nos deixou recentemente, mas segue presente por aqui. Cosme Sousa, presente”. Homenagem merecida a esse parnaibano que devotava muito amor à história da cidade.

Conclusão

            Obviamente que muito mais poderia ser dito sobre os cinco personagens. Gostaria até mesmo de ter conseguido entrevistá-los, homenageando-os em vida, como é de costume no jornal e como pude fazer ao menos com um deles, o Mário. Mas infelizmente não foi possível. Seja por uma doença que nos atinja com força, ou uma melancolia que nos esmague, a todo o instante corremos o perigo de ter o nosso percurso desviado ou obstruído, pois somos mortais, frágeis, até quando possamos parecer invencíveis. E antes que eu encerre este último parágrafo, acesso o WhatsApp. Olhando nos grupos e torcendo, para não mais ver nenhuma notícia sobre morte. Não hoje. Pelo menos não mais esse mês. Se Deus quiser, não mais esse ano. Quem sabe!

Claucio Ciarlini (2021)

Arte de Fernando Castro, produzida especialmente para este texto:

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