Francisco Valdeci de Sousa Cavalcante Primeiro vice-presidente da CNC e presidente do Conselho Regional do Senac-DF
Steve Jobs mordeu a maçã proibida do conhecimento e permitiu à humanidade sair do mundo da ignorância. Otto Lara Resende, jornalista autor de memoráveis citações, ensinou que dentro de mim mora um velho, que não sou eu. Assim se resume o conflito gerado pela fronteira entre o novo conhecimento e a dificuldade em processar a novidade.
Em paráfrase a Castro Alves, é possível afirmar que bem-aventurado é aquele que distribui o novo saber e manda o povo pensar. Este é o desafio para que a nova geração do novo saber seja capaz de melhorar as relações de trabalho. Somos educadores, sobretudo neste momento de transformação. Sempre tivemos a experiência de ajudar o dever público na preparação de uma nova mão de obra. O serviço nacional que faz as aprendizagens profissionais no Brasil, o Senac, instituição da Confederação Nacional do Comércio, é uma iniciativa da livre propriedade privada, para requalificação de jovens na sociedade.
Acontece que, neste momento, estamos vivendo um instante solene de transformações nas relações de produção e comércio. É o minuto no relógio das modificações da humanidade, que, antes de completar uma hora, já está cobrando a adequação para os novos tempos. O tsunami econômico causado pela covid-19 potencializou investimentos das empresas pelo uso de recursos tecnológicos digitais. Entre as companhias brasileiras entrevistadas para uma pesquisa da KPMG, executada pela Forrester Consulting, que ouviu entre maio e julho 780 executivos, líderes de “estratégia de transformação digital”, de dez países diferentes, o resultado foi que 71% aceleraram suas estratégias de transformação digital por causa da pandemia, enquanto 67% aumentaram seus orçamentos para esse fim de forma significativa ou moderada.
Quando éramos adolescentes no século 20, nos alumbrava a ideia do que poderia ser o futuro. Houve um filme de ficção científica, Odisseia no Espaço, que tinha um computador maluco, Hall, que dirigia uma nave, matava pessoas e pensava melhor que os homens. Foi um assombro que magnetizou multidões. Pois bem, essa maravilha imaginada por Stanley Kubrick, hoje, seria substituída pelo processamento de um humilde celular.
Assim é o novo mundo: um processo que transforma a realidade pela ponta dos dedos. Suas digitais, sobre um teclado, cria o admirável universo digital. A maior produtividade e a redução de custos têm estimulado, cada vez mais, a troca da mão humana pela robotização física ou digital, com o uso, principalmente, de inteligência artificial. Um estudo da McKinsey calcula que 800 milhões de humanos perderão o emprego para os robôs até 2030.
Como Darwin já considerou em sua Evolução das Espécies, não sobreviverão os mais fortes, porém aqueles que melhor se adaptarem às mudanças. Esse é o momento em que o sonho de angústia da inovação cede lugar ao sonho para a sobrevivência. Entra, então, o Senac na vida dos que querem enfrentar os riscos das transformações. Perto de nós, em Brasília, no Distrito Federal, existe um belo projeto em andamento. O Centro de Inovação do Senac surgiu da ideia de estimular esse ecossistema e já produzir soluções tecnológicas para o comércio do Distrito Federal, em um ambiente acadêmico moderno e estruturado, com uma nova faculdade Senac de Tecnologia e Inovação, promovendo o empreendedorismo e atento às empresas e, consequentemente, às necessidades do mercado. O objetivo é ampliar a capacidade competitiva do empresariado local, preparando-o para os desafios presentes e futuros, impostos pelo avanço da inovação e da globalização.
Este centro de estudos foi inspirado nas melhores práticas do mundo, sobretudo no Centro de Inovação do Vale do Silício e no BIG Innovation Centre de Londres. A ideia é dar vida a conteúdos como inovações, startups e novas tendências. Assim que as aulas presenciais estiverem autorizadas, o Centro oferece um novo prédio, totalmente moderno, de acordo com a proposta de inovação e tecnologia do instituto, com área útil de 5.400 metros quadrados e seis pavimentos disponíveis para os alunos.
Essa mágica que pode acontecer pela ponta dos dedos tem segredos que não se aprendem nas escolas. Por mais que a tecnologia nos modifique, não devemos transformar nosso íntimo sentimento de humanidade. O enorme flagelo não é que máquinas pensem como humanos, mas que humanos passem a pensar como computadores, predisse o jornalista Sydney Harris. Precisamos inovar, mas nunca esquecer nossas delicadas emoções. Angustiado, Albert Einstein advertiu: “A sensibilidade do espírito humano precisa saber administrar a tecnologia”.
Domingo, 13 de junho de 2021. O dia em que escrevo este texto, que é uma homenagem, mas ao mesmo tempo um testemunho destes sombrios dias, eu fico sabendo (e num intervalo de poucas horas) do falecimento de mais dois importantes homens da cultura de Parnaíba: o poeta José Airton Saraiva de Menezes e o músico Herculano Falcão.
Neste dia em que consegui finalmente parar (e ao mesmo tempo ter o emocional) para produzir estas linhas sobre cinco personagens importantíssimos da história da cidade que perdemos ao mesmo tempo em que me solidarizo com seus familiares e amigos, o isolamento por conta do Covid19 já dura bem mais do que um ano. Se formos tomar por base apenas as vitimas de Covid em Parnaíba durante o período de quarentena já somam 418 cidadãos que não estarão mais conosco quando dias melhores vierem. No Piauí: 6.240. Em termos de Brasil: 486 mil. E no mundo: 3,8 milhões. E embora nem todos que mencionarei tenham partido direta ou indiretamente por conta da doença, ainda assim as suas mortes não deixaram de representar lastimáveis perdas, aumentando assim o triste quadro de dor e de saudade que se instalou desde o ano passado em Parnaíba, assim como nas demais cidades do mundo.
O escritor
Por ordem cronológica, inicio com o escritor e amigo Mário Pires Santana, que nos deixou no dia cinco de julho de 2020, vítima de complicações de saúde por conta do Covid. Muito respeitado no meio de comunicação social de Parnaíba, Mário foi jornalista, escritor e blogueiro. Foi colaborador do jornal Norte do Piauí, do jornalista Mário Meireles, escrevendo poesias, contos, crônicas e discorrendo sobre assuntos do dia-a-dia transcorridos na cidade. Escreveu também para o Correio do Norte, do jornalista José Luiz de Carvalho. No ano de 2011, publicou “De Parnaíba a Bagdá”, seu livro de crônicas. Em parceria com José de Nicodemos Alves Ramos, Diderot Mavignier, Graça Ramos e outros, colaborou na edição do livro “Parnaíba de A a Z”. Tinha um espaço virtual, o Blog do Mário Pires. Era membro da ASCOMPAR e do Instituto Histórico – Geográfico e Genealógico De Parnaíba (PI) – IHGGP.
No ano de 2016 tive a honra de contar um pouco da sua história no texto “O braço, o lábio e a voz”, fruto de minha série de entrevistas para este impresso, onde deixei registrado: “Mario é uma dessas raras pessoas que além de ter forte sensibilidade, consegue demonstrar(…) Ele é assim, um ser humano maravilhoso, com qualidades que se sobressaem aos defeitos. Um cidadão consciente de seu papel para com a cidade que tanto admira e que a eterniza, em crônicas belíssimas lançadas nos jornais, livros e páginas da internet. É dessa forma que ele tenta ajudar Parnaíba, terra da qual ele tem um amor, que só cresce com o tempo, desde ainda pequeno, sempre e a cada dia mais (…) Mario é um escritor que diz a verdade, mesmo que ela incomode, pois sabe que é um direito adquirido a duras penas e através do sangue de inúmeros que lutaram para que a Nação se tornasse livre de um governo que durante 21 anos limitou o direito de livre expressão e implantou o medo de questionar. Ele sempre estará disposto a lutar por essa liberdade, do jeito que for preciso, e como diria Belchior: é para isso que se faz o seu braço, o seu lábio e a sua voz”.
O jornalista
Dois meses haviam se passado desde a partida de Mário por conta do Covid, quando Parnaíba chorou mais uma perda. No dia 17 de setembro de 2020, o brilhante jornalista Kairo Amaral perde a luta contra um câncer que o afligia desde antes da pandemia. Kairo atuou tanto no Rádio e Televisão. Em 2013, trabalhou na TV Costa Norte, afiliada da TV Cultura no Piauí, depois fez reportagens na TV Meio Norte e por último estava na TV Clube, afiliada da Globo no Piauí. Trabalhou também na Rádio Liderança. Um profissional que era considerado por muitos colegas como bastante criativo, responsável e dedicado. A sua evolução e amadurecimento eram notórios e rendiam inúmeros elogios dentre os telespectadores, incluindo a este ser que vos traz este impresso.
No portal Cidade Verde, coletei estes trechos muito significativos do diretor de jornalismo da TV Clube, Claudinei Moreira, sobre Kairo: “Kairo Amaral Rezende tinha 24 anos. Com um talento especial para contar histórias começou a trabalhar na TV Clube no dia 16 de abril de 2018. Era o correspondente da TV Clube em Parnaíba. E de lá mostrou histórias do povo, defendeu direitos dos cidadãos e apareceu para o Piauí e para o Brasil em entradas em telejornais da TV Globo (…) Jovem, talentoso, e com uma energia quem que envolvia toda a equipe que trabalhava com ele. À família do Kairo, a família TV Clube só tem a agradecer pelo convívio curto, mas intenso e de muito aprendizado“.
O músico
Antes que 2020 encerrasse e em meio à noticia de uma vacina contra o Coronavírus, a música de Parnaíba ficou de luto por Fernando Holanda Mendes, que faleceu no dia 08 de dezembro. Músico, compositor, poeta e jornalista. Líder do grupo musical Os Apaches, que fez história nos grandes bailes da elite parnaibana, e pavimentou sua própria com lutas em favor de Parnaíba. Nosso abraço e pêsames aos familiares, nas pessoas das irmãs Rita Holanda e Regina e Fonseca Júnior, que também é músico.
O advogado e jornalista Francisco Carvalho em postagem numa rede social comentou sobre Fernando: “Parnaíba perdeu nestas últimas horas um dos ícones da sua cultura, o músico e poeta Fernando Holanda, filho do intelectual parnaibano Fonseca Mendes, falecido. O Fernando Holanda vai, mas deixa sua marca na história da música em Parnaíba, tendo sido um dos nomes da histórica banda Os Apaches, além de outras incontáveis contribuições à cultura regional. Mas, foi por conta de sua atuação política ligada ao PDT no início dos anos 90, que eu o conheci. Naquela época, deu importante contribuição à democracia, se candidatando a um cargo eletivo (se não estou enganado, pleiteando uma cadeira de deputado federal). Meu primeiro contato com o Fernando Holanda, foi entrevistando-o sobre política, na loja Musical, de sua propriedade e dedicada à venda de instrumentos musicais, localizada na Rua Quetinha Pires, onde hoje é a Gráfica Melo. Depois, o Fernando Holanda fez parte do time de futebol do jornal A Tribuna, iniciativa do jornalista Mário Rogério, onde eu trabalhei e muito aprendi, e quando conheci melhor a figura humana, pacífica e amiga deste grande artista e humanista que agora deixa o plano terrestre. Fiquei triste com a partida do Fernando Holanda, nos restando a fé de que tudo faz parte do plano de Deus. Parnaíba perde um grande artista, e um grande homem”.
O poeta
Já iniciado este ano, e num dos períodos de maior isolamento, perdemos o poeta Jorge Carvalho. Na triste data de 17 de março. Além da poesia, Jorge era advogado, foi técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) da Delegacia de Parnaíba. Participou de coletâneas literárias históricas, como Poemágico e Poemarítimos, que também tiveram a participação do escritor Elmar Carvalho, que comenta sobre o amigo Jorge: “Era Jorge Carvalho muito inteligente e detentor de uma capacidade de argumentação muito elevada. Defendia suas ideias com entusiasmo e convicção. Não bastasse ter uma aguçada inteligência, possuía uma memória prodigiosa. Sempre lhe admirei a inventividade. Era um mestre do malabarismo com as palavras, dos jogos florais rítmicos e das sonoridades, com as rimas, as aliterações e as coliterações. Mestre era também dos arcabouços formais, pois sabia extrair as lições do velho carmen figuratum; conhecia e bem os recursos do verbi-voco-visual do concretismo, de modo que seus poemas eram também visuais, de admiráveis plasticidades. Contudo, não era um simples formalista, a praticar meros jogos de rimas e trocadilhos. Seus poemas primavam pela forma e pelo conteúdo. Aliás, poderia dizer que ele ajustava com perfeição suas criativas formas ao fundo de seus poemas”.
O poeta Danilo de Melo Souza, quando do falecimento, homenageou o amigo Jorge com um poema: Salve Jorge Poeta de Carvalho
O poeta no mundo
É um mundo de poesia interior
Sem fronteiras
Sem os marcos geodésicos
No fino equilíbrio
Na ponta da sapatilha do balé
De Maiakovski, Malinovsky e Bukowski
Escrevinhando a torto e a Direito em Recife ou Igaraçu
O poeta trata de revolução, de vanguarda e beleza
Na frágil escultura de Brigitte Bardot
O poeta cospe fogo
Um dragão e um Jorge
Na mesma dimensão
Diapasão, dia paz e imensidão
De sol, de solário e solidão
Navi (agem) louca de Torquato
A sua última turnê nordestina
Deixando saudade
Deixando poema
Deixando eternidade
Ricas alegorias e estripulias
Desenho & Design
Protesto e irreverência
Na invicta Praça de Santo Antônio
Saindo da vida para entrar na história
Na prosa Getuliana
Na luta pelo petróleo
O nosso petróleo
Em prece libertária e nacionalista
Deus te ouvirá
Pelos versos que pudeste derramar
Pela métrica metódica de calcular
Pela prosa que haverá de estrear
No plano de além do mar e do céu misterioso
Para onde foi o poeta
Para um tal lugar que não se sabe
Imagina-se
Onde estava o poeta
Em um lugar
Em Xangri-Lá
Em Pindorama
Em Parná
Jorge poemágico mudou
Jorge poemaritimo se encantou
Jorge protestou seu último grito
Na Rua Grande da vida
O historiador
E no dia oito de maio deste ano, mais uma trágica perda: Cosme Costa Sousa. Entusiasta e propagador da cultura local. Membro muito atuante do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba – IHGGP-PI. Formado em História pela FID e um profundo conhecedor da história de Parnaíba, Cosme vivia pelo conhecimento.
Nas palavras de Reginaldo Pereira Júnior, presidente do IHGGP, sobre Cosme: “Ele era estimado por todos que o conhecera, uma pessoa bastante prestativa, educada e tinha a humildade como caráter”. Nas palavras do historiador Bruno Araujo: “uma pessoa que sempre lutava pela valorização da memória da cidade, do patrimônio e da cultura, honrável com seu oficio, admirável com sua simplicidade, alegre sempre com um sorriso no rosto, sempre quando conversávamos sobre história não queria mais parar”. Nas palavras do escritor Jailson Junior: “Cosme Costa era um defensor da história, do patrimônio e da memória de Parnaíba. Quem conviveu com ele sabia da enciclopédia que ele tinha na mente, citava gerações inteiras de famílias ilustres de cabeça, conhecia como poucos o centro histórico de Parnaíba, tendo como TCC a escravidão no Porto das Barcas. Era proativo, e de um bom humor marcante. Parnaíba perde, a eternidade ganha”.
O secretário estadual de Cultura, Fábio Novo, comunicou em rede social no dia seis deste mês: “A Praça das Ruínas no Porto das Barcas, emParnaíba foi concluída ontem. Ela vai se chamar Cosme Sousa, que sonhou com esse espaço. O historiador e funcionário da SECULT por mais de 30 anos nos deixou recentemente, mas segue presente por aqui. Cosme Sousa, presente”. Homenagem merecida a esse parnaibano que devotava muito amor à história da cidade.
Conclusão
Obviamente que muito mais poderia ser dito sobre os cinco personagens. Gostaria até mesmo de ter conseguido entrevistá-los, homenageando-os em vida, como é de costume no jornal e como pude fazer ao menos com um deles, o Mário. Mas infelizmente não foi possível. Seja por uma doença que nos atinja com força, ou uma melancolia que nos esmague, a todo o instante corremos o perigo de ter o nosso percurso desviado ou obstruído, pois somos mortais, frágeis, até quando possamos parecer invencíveis. E antes que eu encerre este último parágrafo, acesso o WhatsApp. Olhando nos grupos e torcendo, para não mais ver nenhuma notícia sobre morte. Não hoje. Pelo menos não mais esse mês. Se Deus quiser, não mais esse ano. Quem sabe!
Claucio Ciarlini (2021)
Arte de Fernando Castro, produzida especialmente para este texto:
O publicitário e escritor Breno Brito acaba de lançar o seu novo livro: “Minha vida é um Instagram aberto”, que reúne uma amostra de frases, versos, aforismos e outros escritos. A obra possui uma abordagem leve e contemporânea, trazendo a linguagem das redes sociais para as páginas impressas. Sua estrutura reúne textos e pensamentos sobre amor, amizade, relacionamento, autoestima e assuntos do cotidiano, às vezes em forma de poesia, noutras com uma dose de humor e sempre com uma mensagem positiva.
“O livro é um convite para o leitor transitar entre o online e o offline, trazendo um conteúdo compartilhável tanto no mundo físico como no digital. O meu desejo é que as pessoas possam se reconhecer em cada frase ou texto, sentindo-se acolhidas e confortáveis para entender seus dias de ventania e seus dias de maresia”, explica o autor.
Breno Brito possui outros dois livros publicados: “Broadside, a propaganda vista por dois lados” e “Da brancura à sujeira: uma análise dos discursos publicitários de Omo” e é ocupante da cadeira nº 5 da Academia Parnaibana de Letras”.
Um artista nascido da simbiose entre a Música e o Cinema. Um cara que costuma trabalhar de forma sensível, além de criativa, toda a poesia existente entre o que as imagens e os sons lhe revelam. Que trabalha a emoção, na busca de causar reflexão, em eterno aprendizado. Isso e um tanto mais é o que Danilo Carvalho representa pra mim. E acredito que para um bocado de gente por ai a fora, em se tratando de Brasil e até mesmo de mundo.
Estaria, eu, exagerando? Peço que acompanhem um pouco da trajetória dele para que tomem as próprias conclusões!
Nascido na capital do Ceará em 13 de novembro de 1972 e filho de Danilo Melo de Carvalho e Ana Luiza Silva de Carvalho, irmão de Mariana Silva de Carvalho e pai de Dinorah Battistetti Carvalho, Danilo que só fez nascer no Ceará, mas logo veio para Parnaíba, teve sua visão de mundo impactada quando ainda da infância para a adolescência o avô materno, Luiz Antônio Tavares Silva, deu uma câmera “compacta, pequenininha, chamada Love, era descartável, a gente fotografava e depois levava para o laboratório para revelarem”. Danilo passou então a fotografar ao redor da casa, as paisagens, as pessoas, enquanto o avô seguia lhe ensinando sobre equilíbrio nas imagens, horizonte, perspectivas sobre luz e sombra, harmonia… No que aquele menino de 10 anos ou um pouco mais começava a deixar de ser apenas um mero espectador da vida e do que facilmente ela mostra, para alguém que já conseguia enxergar as entrelinhas de um mundo e dessa forma mergulhando cada vez mais em subjetividade e trazendo em cada mergulho toda a arte existente dentro de si.
Passado algum tempo, e antes que os anos 80 chegassem ao fim, Danilo emergiu trazendo desta vez a música. Montou a banda de rock Artéria, com o grande amigo de escola Paulo Véras (Death), o compositor Joelson Souza e o baterista Mauro Junior (Voivod). Durou até o inicio de 90, quando foi convidado por Teófilo Lima para integrar como guitarrista e gaitista, a banda Rabiscos Urbanos, que era formada por Teófilo Lima, Marcelo Farias, Ricardo Lima (Ricco) e Mauro Júnior. O grupo seguia muito bem, tanto que no ano de 1993, foram convidados para fazer o show de abertura do cantor Belchior, no que comenta: “foi no estádio verdinho, e depois do show do Rabiscos, o produtor Jorginho Medeiros, lá de Teresina, me chamou para ir no camarim, pois Belchior tinha ouvido minha gaita e tinha gostado muito, fui até um tanto nervoso”.
O fato é que para surpresa de Danilo, ele foi convidado a tocar algumas músicas em seu show. Danilo, obviamente topou. E o que seriam apenas umas duas canções, se transformaram em várias, tanto naquela apresentação, como em muitas outras que viriam, pois acabou sendo convidado pelo cantor para integrar sua banda, quando fosse por Fortaleza.
Danilo então retorna para a sua cidade natal no ano de 1994 e já integrado a equipe de Belchior, que inicia uma turnê pelo Ceará. No que foi tendo seu trabalho na área da música cada vez mais reconhecido, atuando também de forma solo e em outras bandas e ganhando bastante respeito antes que alcançasse 25 anos de existência, pois ao mesmo tempo em que tocava ao lado do famoso interprete de Divina Comédia Humana e Como nossos pais, Danilo teve duas bandas: “Uma foi “Cidadão Instigado” (1997), de rock experimental com Fernando Catatau fazendo as músicas, letras e cantando umas coisas bem legais, e a outra era a “Realejo Quartet” (1998), essa era mais minha mesmo, montei com meu grande amigo músico, produtor musical e parnaibano, Dustan Gallas (hoje, músico e produtor da cantora Marina Lima), tive muitas alegrias com esse quarteto, tocávamos música autoral brasileira, com influências de jazz, blues e de música eletrônica, o que os gringos chamavam de Future Jazz, e o primeiro disco, Kinobox, a gente gravou em 2001.
Ainda esse semestre vamos lançar o site em comemoração aos 20 anos do disco e disponibilizar também nas plataformas digitais”. A banda obteve bastante sucesso, a ponto de assinar com um selo inglês, ser distribuída na Europa e chamar a atenção de Margarita Hernandez, uma amiga cubana, que convidou Danilo para “fazer o desenho sonoro de um documentário, fazer a mixagem, criar todo o universo sonoro de um filme… Que desafio, eu nunca tinha feito isso, mas eu topei!”. O Cinema entrou de vez na vida daquele que um dia era apenas um garoto, com uma câmera na mão a registrar o que lhe despertava a atenção ou curiosidade. Danilo passou então a atuar na área de Técnico de Som Direto e Artista Sonoro em diversas produções a nível regional, depois nacional e nos últimos 10 anos, em filmes pelo planeta. Embora a sua formação não fosse Cinema, pois cursou Música na Universidade Estadual do Ceará (entre 1996 e 2000) e estudou em Curitiba com o grande artista Hermeto Pascoal, Danilo amava o audiovisual e essa foi uma maneira de unir duas paixões. O resultado não poderia ser outro: sucesso! E com ele, mais convites, desafios e amadurecimento.
O Cinema chegou com tanto impacto, que Danilo teve que pausar sua carreira como músico, pois era um trabalho seguido de outro, atuando na direção da premiada película Supermemórias, no ano de 2010, como Técnico de Som Direto em vários filmes longas-metragens(*) e também na Trilha Sonora e Desenho de som de outros (**), dentre outras ideias, realizações e participações em projetos (***). Porém, um de seus maiores desafios, ocorreu no ano de 2017, quando foi convidado por um grande amigo, Pedro Urano, para trabalhar, junto a ele e a diretora Júlia Martins, num documentário na Antártica: “A produção durou um ano e meio, e só pudemos ir os três, onde tivemos que nos ajudar, desempenhando o papel de produtores e ao mesmo tempo, assistentes, por causa dos deslocamentos em helicópteros, navios e outras limitações”. E completa: “Era muito frio e isso tornava o trabalho mais difícil, pois todas as técnicas que a gente tem em lugares de temperatura mais amena, é preciso adaptar para um ambiente mais extremo, cheguei a pegar – 31°, as baterias descarregavam muito rápido, e outras dificuldades como muitas roupas e luvas grossas. Foi um desafio muito grande, fiquei com aquele receio de fazer um trabalho tão importante e de repente não conseguir, mas deu certo, foi incrível”. Danilo não apenas enfrentou o frio e o silêncio daquele território congelado, mas também o luto pela morte do pai, quando nos últimos meses de produção. Porém, tudo valeu a pena, pois o trabalho ganhou prêmio nos Estados Unidos de melhor documentário no festival “FFNY – International Filmmaker Festival of New York” e foi exibido em diversas mostras e Festivais.
Durante este tempo de pandemia, Danilo finalizou e estreou duas produções, “Torquato Imagem da Incompletude, longa metragem documental, que dirigi em parceria com o curador de arte e amigo, Guga Carvalho, realizado pela produtora piauiense B&T Audiovisual, estreando no Canal Curta no dia 07 de abril de 2021 e o longa de ficção “Virar Mar”, que dirigi em parceria com o diretor alemão e grande amigo, Philipp Hartmann, numa co-produção Brasil-Alemanha, pela Tardo Filmes e Flumen Film, entre 2015 – 2019, rodado no interior do Ceará e em províncias perto de Hamburgo, na Alemanha. Estreou em 2020 no festival Filmfest Hamburg e continua sendo exibido em festivais pelo mundo”.
Atualmente de volta a Parnaíba, está na produção de mais um filme seu como diretor, “Parnahyba – As janelas olham devagar”, um trabalho de memória afetiva, ensaístico e experimental, ganhador do primeiro edital de cinema do Estado do Piauí (2017), teve suas filmagens adiadas pelo atraso de pagamento e depois paralisadas pela pandemia, mas está retomando ainda nesse semestre.
O cineasta e músico cearense, porém, na minha opinião, mais piauiense do que muitos que aqui nasceram, relata sobre o seu sentimento para com o estado e principalmente a cidade de Parnaíba: “Eu decidi morar em Parnaíba, por conta das minhas raízes, da minha família e da qualidade de vida, voltei depois de 20 anos”. Todavia, Danilo comenta sobre as dificuldades de se trabalhar com cultura, especialmente com Cinema: “moro aqui em Parnaíba, sigo resistindo e batalhando, pois meus trabalhos são todos de fora e é sempre muito complicado sair daqui, só temos um vôo para Campinas, me deixando sem opção na maioria das vezes, além de ser um dos vôos mais caros do Brasil, daí tenho que me deslocar sempre com muita bagagem para Teresina ou Fortaleza, para então pegar o vôo de destino. Sou chamado para fazer trabalhos em vários lugares do País e do mundo, já filmei na Alemanha, Itália, França, Estados Unidos, México, Antártica, Cuba, Chile, Argentina etc, é bacana conhecer o mundo, mas nada é mais gratificante do que contribuir com a arte no seu lugar. Tenho me empenhado a realizar trabalhos com cineastas do Piauí, venho sendo convidado a participar de algumas produções locais bem interessantes e estou feliz por esse desenvolvimento, quero participar ativamente dessa guinada do cinema piauiense. Porém, mesmo com muita gente talentosa, potente e com desejo de fazer, ainda somos carentes de um movimento mais organizado no sentido da criação de uma cena e, apesar de uma nova geração muito atenta e sagaz, que insiste em tirar o Piauí de um injusto apagamento nacional, falta comprometimento e seriedade por parte do Estado, falta formação por exemplo, não existe curso técnico, o cinema ainda é tratado com muito desrespeito por aqui, quem sabe um dia eles acordem e entendam que o cinema também é educação, é cultura e alavanca o turismo. O povo que não se filma, não se reconhece e não se deixa ser reconhecido”.
O sensível garoto que gostava de fotografar sonhos e que encontrou na melodia de sua gaita, toda a força que precisava para crescer, hoje em dia encanta a vida de milhares, que assistem as suas mais variadas produções audiovisuais e que se inspiram, tornando assim, o mundo infinitamente melhor.
***
Nota: Danilo Carvalho foi casado por 11 anos com a paulista, Camila Battistetti, de onde nasceu, em Fortaleza, Dinorah Battistetti Carvalho, que em 15 de julho completa 12 anos.
(*)Técnico de Som Direto de vários filmes longas-metragens no Brasil e em outros países, como:
A Salamandra, de Alex Carvalho, Pernambuco – 2019 O clube dos Canibais, de Guto Parente, Ceará – 2019 CHE, Memórias de um ano secreto, de Margarita Hernandez, Cuba – 2019
Antártica por um ano, de Julia Martins, Antártica/ Polo Sul – 2017
Clarice, de Pétrus Cariri, Ceará 2016 Batguano, de Tavinho Teixeira, Paraíba – 2014 Tatuagem, de Hilton Lacerda, Pernambuco – 2013
Praia do Futuro, de Karim Ainouz, Ceará/ Alemanha – 2012
Linz, de Alexandre Véras, Ceará – 2011
Os Últimos Cangaceiros, de Wolney Oliveira, Ceará – 2011
Homens com cheiro de flor, de Joe Pimentel, Ceará – 2010
(**) Trilha Sonora e Desenho de som de vários filmes como:
Ezekiel, de Guto Parente, CE 2017
Trópicos Distantes, de Marcelo Costa, PE 2017
Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano, SP 2017
Batguano, de Tavinho Teixeira, PB 2014
Verona, de Marcelo Caetano, SP 2013
Linz, de Alexandre Véras, CE 2011
(***) Participou das exposições audiovisuais coletivas:
Canções de Amor – Mostra de Arte Digital (Instituto Tomie Ohtake, SP -2014)
Encontros Carbônicos (Largo das Artes, RJ – 2013)
Rotas: desvios e outros ciclos (MAC – CE – 2013)
A 4 Graus do Equador (Ateliê 397 – SP – 2011)
Realizou a exposição individual: Catandub(v)a (Sesc – PI – 2015)
Eventualmente ministra aulas de Captação de Som e Desenho Sonoro na Universidade de Fortaleza-UNIFOR, na Escola de Audiovisual da Prefeitura de Fortaleza, Vila das Artes e na Escola Porto Iracema, Fortaleza – CE .
Membro fundador do coletivo de cinema Alumbramento, Fortaleza – CE.
Técnico de Som da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, PE, 2003, realizando vários documentários.
Instrutor/ mediador do projeto Inventar com a Diferença – UFF–RJ.
No alto de um cerro em pleno mês de outubro do ano de 1715, um índio observava o imenso prado repleto da vegetação rasa de mata amarronzada. As carnaubeiras, muitas faveiros e os raros cajueiros eram os poucos pontos verdes naquela imensidão do vale da Serra do Morcego, hoje pertencente ao município de Caxingó.
O vigia desce aos gritos chamando:
– Mandu, Mandu, Mandu, homens em cavalos se aproximando pelo nascente. São muitos!
O grito da sentinela despertou a tribo da costumeira sesta daquelas tardes quentes.
Ha muitos anos Mandu Ladino e os seus guerreiros utilizavam como morada as várias cavernas daquela serra. Ali em meio aos fantasmas dos seus ancestrais, junto às mensagens cravadas nas paredes deixadas pelos primeiros habitantes daquela terra, sentia-se protegido pelos deuses.
O cacique Mandu juntamente com o pajé Bazur costumavam passar várias horas do dia procurando interpretar aquelas inscrições rupestres contidas naqueles enormes paredões de pedra. O grupo de rebeldes estava ali há vários anos desde quando iniciou a rebelião contra a escravidão e atrocidades promovidas pelos brancos. Pelo menos 300 homens e mulheres moravam ali. Era um lugar mais seguro. Além das cavernas havia água em abundância em um córrego que nascia de um olho d’água.
Os brancos sabiam da localização dos rebeldes, porém não tinham coragem de se aventurarem porque sabiam que a derrota era certa. Era considerado aquele acampamento um lugar inacessível devido aos obstáculos naturais e a subida da serra era íngreme também pela forte resistência dos índios.
Do seu forte natural ele poderia sair para atacar e retornar. O líder guerreiro tinha influência e respeito em outras tribos daquela região e eles sempre os convocavam para as grandes batalhas. Mas geralmente agia mesmo com o seu grupo de aproximadamente 100 homens armados de arco e flechas, lanças e armas de fogo. Andavam sempre montados em cavalos.
Bernardo Carvalho, o mestre de Campo faz sinal de parada para os seus homens. Estavam cansados viajando já há dias desde quando deixaram o povoado do Surubim. Um homem experiente sabia que um confronto naquele momento seria a certeza de uma derrota.
Mandu, naquele momento pensou em fazer um ataque surpresa e decidir logo aquela batalha, aproveitando o cansaço dos inimigos, mas desistiu após ouvir os conselhos dos seus pares. Do alto dos cerros e nas cavernas estariam seguros.
Bernardo e seus mais de duzentos homens dormiram tranquilos. Não se ouvia nem o canto do bacurau. Eles tinham certeza que Mandu não sairia de suas trincheiras.
O velho fumando seu cachimbo relembra o curumim, Mandu, quando chegou em sua casa juntamente com a irmã, quando ficaram órfãos, após a destruição de sua aldeia. Bernardo nutria bons sentimentos em relação ao rebelde, porém na função de representante da Coroa Portuguesa tinha que cumprir a lei. Tudo o que queria era prendê-lo e levá-lo com vida para julgamento.
Antes dos primeiros raios de sol, todos já estavam de pé preparando as armas para o combate.
Bernardo grita aos seus homens:
– Vamos homens, é chegado o grande momento! Vamos destruir esses covardes assassinos!
Nesse momento mais de duzentos cavaleiros levantam os seus rifles e partem para a íngreme subida para o topo da serra através de uma vereda, entre os rochedos e os mocosais.
Mandu determinou que os guerreiros montados em cavalos descessem a serra para oferecer o primeiro combate, protegendo a aldeia. Ainda estava meio escuro e já a madrugada era rompida pelas balas e flechas em chamas em meio a gritos de fúria e dor. Dezenas de combatentes tombaram por terra. Alguns mortos e outros feridos. O cheiro de sangue e de pólvora exalava do ar.
Os brancos conseguiram passar pelos primeiros guerreiros e se aproximam das cavernas. Nesse momento o combate tornou-se mais intenso com muito derramamento de sangue. Em meio aos gritos de fúria e de dor, era um verdadeiro inferno sobre a terra.
Após várias horas de intensa e brutal batalha, os legalistas começam a descer a serra. Bernardo aos gritos determina aos seus homens que fujam e desordenadamente os homens batem em retirada, cada qual para o seu lado. Assim estava frustrada a conquista da aldeia da Serra. Mandu ordenou aos guerreiros:
– Parem de atirar, guardem nossas munições. Usem somente as fechas. Mantenham firme na perseguição!
O sol já ia alto quando finalmente terminou a batalha. Cansados, os índios só foram contar os mortos após o meio-dia.
Velhos, mulheres e crianças choraram os mortos que somaram 41, em sua maioria jovens guerreiros. E entre soldados e voluntários os mortos eram incontáveis, passando muito de uma centena. Ladino mandou recolher os seus mortos para a cerimônia fúnebre, conforme a tradição indígena. No finalzinho da tarde e antes que apodrecessem, mandou reunir os corpos dos inimigos e ordenou a queima em várias fogueiras juntamente com dezenas de cavalos que também haviam morrido naquele combate.
José Luiz de Carvalho – Contista e poeta
OBS: Essa uma obra de ficção literária.
Créditos da Foto: facebook.com/serradomorcegopibrasil e de F. Gerson Meneses
(um pouco da vida boêmia parnaibana nos anos 70/80)
Elmar Carvalho
Eu e minha família fomos morar em Parnaíba em junho de 1975, sendo que meu pai nela já se encontrava há alguns meses antes, quando assumira a chefia da Empresa de Correios e Telégrafos nessa cidade. Em setembro desse ano fui morar em Teresina, mas no início de 1977 retornei, para cursar Administração de Empresas na UFPI – Campus Ministro Reis Velloso. Em agosto de 1982 voltei a morar em Teresina, para assumir o cargo de fiscal na extinta SUNAB – Delegacia do Piauí.
De modo que este trabalho se refere sobretudo aos anos 1970 e 1980. Como em toda relação ou lista, sempre alguém poderá dizer que houve alguma exclusão indevida. Aqui haverá, mesmo porque não tive a pretensão de fazer um trabalho longo, aprofundado ou exaustivo. Talvez algum universitário o faça, em dissertação de mestrado ou em tese de doutorado. Estou apenas dando um fraco pontapé inicial, para que outra pessoa faça mais e melhor.
Na segunda metade da década de setenta, começou a decadência dos clubes sociais. Em 1975 o Cassino já não existia. Em seu lugar foi construído o prédio da TELEPISA. A Associação Atlética do Banco do Brasil – AABB, com as suas festas e tertúlias, ainda funcionava na Praça da Graça, no local onde depois foi construída a agência da Caixa Econômica Federal, mas pouco depois se mudou para a Beira-Rio. O Igara Clube ainda resistiu por mais alguns anos. Existem (ou existiam) ainda os clubes sociais do SESC, do BNB, dos Ferroviários e dos Trabalhadores. Animavam essas festas dançantes Os Apaches, com os irmãos Fonseca Júnior e Fernando Holanda na liderança, e os Atômicos, sob o comando de Reginaldo Mendes, que também era locutor da Educadora, então a única rádio da cidade.
Nos anos 70 se tornaram moda as churrascarias. Pontificaram as churrascarias Mangueira, que como o nome sugere, tinha mesas e redes colocadas debaixo de frondosas fruteiras, tendo como piso macio areal. Era bucólica e acolhedora, mormente para casais, que procuravam os locais mais escuros e mais distantes; a Gabriela, cujo nome fora inspirado, sem dúvida, na telenovela Gabriela, de 1975, que se localizava, salvo engano, na rua Vera Cruz, a três ou quatro quarteirões da Santa Casa de Misericórdia; a Cajueiro, do Antônio José Neves, no final da avenida Nossa Senhora de Fátima, que tinha muitas mesas colocadas debaixo de enorme e esgalhado cajueiro, que dava um tom de bucolismo e rusticidade ao ambiente e a do Iran, que ficava do outro lado do Igaraçu, na Ilha Grande de Santa Isabel, perto da ponte Simplício Dias.
Na segunda metade dos anos 70, explodiu a moda das discotecas (discotheques) e da dança solta. Geralmente havia um ambiente fechado para dança, com luzes multicoloridas, piscantes e giratórias. Nesse embalo, serviu de inspiração, talvez, o filme Os Embalos de Sábado à Noite, estrelado por John Travolta, no início da carreira, e que foi exibido no Cine Gazeta, na Praça da Graça. Músicas de letras simples, próprias para esse tipo de dança solta, livre, em que os pares quase não se tocavam. Recordo que havia as discotheques Pioneer, Barbarella e uma outra na Beira-Rio. Particularmente, em termos de música de discoteca, eu gostava da Tina Charles, de timbre mais romântico e de voz aguda, cuja melodia se espalhava na noite da cidade.
Por essa época, o extrativismo econômico já estertorava. A navegabilidade do Igaraçu e Parnaíba já começava a definhar, por causa do asfaltamento de muitas estradas de rodagens. As grandes firmas das famílias tradicionais parnaibanas já começavam a entrar em decadência. A poderosa Casa Inglesa, com filiais em várias cidades do Estado, já encerrara suas atividades. Dessas grandes empresas, que ainda conheci em atividade, todas entraram em bancarrota e terminaram falindo.
Como consequência da problemática econômica, mas sobretudo da mudança de costumes, do surgimento das “moças de programa” e do uso massivo dos contraceptivos, os cabarés começaram a ser extintos. Todavia, ainda alcancei em funcionamento, entre outros, os seguintes: os da Munguba, o da Maria das Neves (na Guarita), o Cabeça de Porco, nas cercanias da Lagoa do Bebedouro, o Rio-Chic e os da Coroa. Outros surgiram nessa época, e tiveram vida efêmera: a Velha Debaixo da Cama (na avenida São Sebastião), Beleza da Rosa e o Dallas, que ficava num banco de areia, perto do Campus da UFPI.
Da Beleza da Rosa era frequentador assíduo um boêmio, de enorme força física, um verdadeiro Hércules ou Maciste. Ao dançar, em dado momento, como um guindaste, suspendia a rapariga, segurando-a em uma das coxas e em um dos braços, e a levantava acima da cabeça; girava-a em sua dança exótica e aloprada, a se deslocar pelo salão.
Nesse mesmo lupanar, segundo uma das envolvidas confessou a um conhecido meu, duas prostitutas se apaixonaram, uma pela outra. A confidente disse ao meu colega que não sabia mais o que fizesse, pois a sua amante a estava consumindo, e ela já se encontrava exaurida, sua energia sugada pela outra, de forma que não tinha força para nada, e mesmo já não suportava esse tipo de relação. O interlocutor a aconselhou a fugir, já que ela não tinha coragem para romper com a sua amante. Não sei se ela lhe seguiu o conselho.
Curiosamente, fora as barracas e restaurantes da praia, poucos bares comercializavam o caranguejo cozido na cidade de Parnaíba. Lembro que, entre esses poucos, se destacavam o do Cornélio, perto do Igaraçu, no final da Rua Coronel Pacífico, e o do Mário, na Beira-Rio. Os restaurantes mais chiques só vendiam o crustáceo em casquinha.
A limpeza do caranguejo era precária, de modo que ele vinha com um pouco de lama do mangue, o que lhe dava um exotismo e um sabor adicional. Era quebrado diretamente na mesa de madeira, com porretes rústicos. Muito diferente de hoje, em que se fornecem tábuas e martelos bem trabalhados para o desmonte da iguaria. Também hoje são servidos acompanhamentos de arroz e molhos, além de que os caranguejos são bem limpos e cozidos em águas com temperos.
Acrescento que eles eram vendidos, em corda de 4 unidades, debaixo da ponte Simplício Dias, nos anos 1977/1978, por um preço inferior a uma garrafa de cerveja. Com o crescimento da “exportação” para Teresina e Fortaleza, o preço começou a subir em escala rápida. Basta que se faça uma comparação hoje entre o preço de uma garrafa de cerveja (600 ml) e uma corda de quatro caranguejos.
Mas voltemos ao trilho de nosso tema.
Na Beira-Rio (Avenida Nações Unidas) ficavam os bares e restaurantes frequentados pela elite, entre os quais se destacavam: o Veleiro, o Cabana e o Navegante. Deles se contemplava a beleza do Igaraçu e da Ilha Grande de Santa Isabel.
Desde 1977 conheci o Bar do Augusto, situado na Munguba, perto da vala da Quarenta, que desaguava no Igaraçu, que passava ali perto. Instalado em um pitoresco prédio de taipa, mas bem conservado, rebocado, pintado de branco. Graças ao zelo do Augusto, sua brancura era quase sempre imaculada. Nele, outrora, funcionara um cabaré, no qual eram realizados alguns famosos bailes. De um velho texto, entre vários, que escrevi sobre ele, pinço o seguinte:
“O Recanto da Saudade não tinha esse nome, não. Era tão-somente o bar do Augusto. Eu o conhecia fazia muito tempo, desde o ocaso melancólico da Munguba, quando ali aportava em companhia de meus amigos Reginaldo Costa e Jonas Carvalho, para tomarmos uns bons goles de cerveja, tendo como tira-gosto saudosas músicas dos velhos tempos que não voltam mais.
Mesmo naquele tempo, era um ambiente familiar e de muito respeito, pois o Augusto é um cordial cavalheiro de ar sério, embora não carrancudo, que sabe imprimir ordem na casa. A sua característica principal é o proprietário ter mantido o estilo rústico do prédio e não ter aderido à moda avassaladora dos CDs, continuando fiel à sua velha radiola e aos seus antigos discos de vinil, alguns dos quais valiosas raridades e verdadeiras relíquias.
É no Recanto da Saudade, que enternecidas lembranças me traz, que ainda encontro velhos amigos do tempo de outrora e de agora, como meu compadre Airton Meneses e os radialistas e jornalistas Bernardo Silva, João Câncio, prof. Antônio Gallas, que tive a satisfação de introduzir na confraria dos saudosistas, e que hoje é um de seus mais dedicados adeptos.
O Recanto é o reduto irredutível do Dourado, misto de boêmio, músico, carnavalesco e humorista, que por ali circula desfiando suas estórias e tiradas e desfilando, a caráter, suas personagens momescas, como PC Farias e outras personalidades de uma fauna nem sempre recomendável.
O bar teve alguns pequenos e sutis melhoramentos, mas exclusivamente para o conforto da clientela, que aumentou muito nos últimos tempos, sendo comum, no final de uma tarde de sábado ou domingo, vários amigos e casais da chamada terceira idade ali aparecerem para ouvir uma música daquele tempo d’antanho, que tantas recordações e saudades deflagram na alma do ouvinte sensível.
O cliente escolhe sua música predileta, mas somente o comandante Augusto pode manipular os velhos discos de vinil, com a habilidade toda sua e insuperável cuidado. Quando deseja limpá-los, faz uso de uma longa flanela vermelha, que mais parece uma bandeira ou uma toalha.
No Recanto da Saudade é fácil recordar uma época que não presenciamos, mas que teima em se manter viva; um passado de que só temos notícia através das conversas e do Almanaque da Parnaíba, ou mergulhando nas páginas dos Vareiros do Parnaíba e outras estórias, do saudoso jornalista e escritor Souza Lima, que ainda conheci. Aliás, cheguei a ver o deputado Olavo Rebelo, debruçado sobre uma enferrujada máquina de escrever, datilografando esse precioso livro, como uma prova de reconhecimento de seu valor. Ali, ainda parecem navegar as velhas alvarengas, acaso egressas de algum poema do Alcenor Candeira Filho; ali, ainda parecem desfilar os entroncados porcos d’água e vareiros; ali, até parecem ressuscitados os antigos Bailes Azuis e as respeitadas e respeitadoras meretrizes de antigamente, bem mais respeitáveis que as moças de programa de hoje em dia. E tudo isso perpassa no romance Beira Rio Beira Vida, do insuperável mestre Assis Brasil.”
Vez ou outra, apareciam no Recanto da Saudade os saudosos cego Uchoa e o Balula. O Uchoa, sempre bem-humorado, desfiava suas anedotas e “causos” jocosos, ou engendrava suas tiradas, ao sabor do improviso, conforme o ensejo da conversa. O Balula, alourado, de olhos claros, com a sua bela voz, algo tonitruante e levemente de timbre metálico, interpretava, como um verdadeiro ator, os poemas que decorava. Antes fazia um preâmbulo, à guisa de suspense, depois, executava sua mise-en-scène, como se estivesse em um palco. Numa de suas declamações preferidas, ele dizia que iria quebrar a taça da amargura. E diz a lenda que, algumas vezes, ele chegou a literalmente quebrar, no calor de sua emotiva interpretação, algumas valiosas taças de cristal.
O Recanto da Saudade sucumbiu, pode-se dizer, literalmente, com a morte de Dom Augusto da Munguba. Dele só restam ruínas e saudades. Talvez nem mesmo as ruínas ainda existam. Um boêmio saudosista (*), cujo nome infelizmente não guardei, e isso lamento muito, me falou que, instigado por um texto meu, plantou uma semente da vistosa mungubeira, que havia perto dele, na Praça da Graça, no entorno da Banca do Louro. E a semente já se transformara em bela árvore, que bem poderia ter uma placa em lembrança do Augusto e de seu legendário bar. Me restou também um soneto, do qual desentranho os tercetos:
Onde, agora, o Augusto?
Onde, agora, a vitrola, a música e o bar?
Como nos versos sublimes de Bandeira,
ficaram de pé, suspensos no ar. . .
Encantados no destempo de um tempo
sem passado, sem futuro, sem presente.
Na Praça da Graça e no seu entorno existiam famosos bares, frequentados por bravos boêmios, dos quais posso citar: Bar Parnaíba e o seu espaçoso salão das mesas de sinuca, Bar do Pimpão, o bar e restaurante Acadêmico e o Bar Fortaleza, muito frequentado, no início da Rua Riachuelo.
Antes da destruição da antiga Praça da Graça havia o abrigo, no qual funcionava o conhecido Bar do Gago. No novo formato da Praça, não tão belo quanto o modelo do logradouro anterior, surgiu o Bar Carnaúba, construído com os troncos dessa árvore e coberto com as palhas dessa linda palmeira, símbolo do Piauí. Foi arrendatário dele, durante vários anos, o Osmar Linhares, famoso pelo seu “boa noite”, mesmo que fosse durante um bom e belo dia.
No bairro Coroa, mais ou menos entre a Rio-Chic e a Beira-Rio, costumava ver o Bar Corujão da Meia Noite. Como o seu nome indica, funcionava até tarde da noite. Ficava perto dos pequenos cabarés que funcionavam em seus arredores. Era um típico e pequeno boteco, pitoresco por ser todo de tábuas. Os clientes ficavam ao relento, a céu aberto, a ver estrelas. Se chovesse, os fregueses tinham que suportar os pingos d’água. Só havia lá fora; lá dentro só ficavam os utensílios, os tira-gostos e os litros de bebida. Embora o achasse interessante, nunca fui seu freguês. Assim como não o fui de um bar, que havia perto de um bueiro, nas imediações da capela da Avenida Nossa Senhora de Fátima. Este tinha uma grande clientela, que ficava ao pé do balcão, ou num pequeno alpendre que dava para a avenida.
Durante um ano ou dois, eu e o jornalista B. Silva, aos sábados, gostávamos de tomar três ou quatro cervejas no Bar do Cajueiro, localizado na Avenida Piauí. Praticamente o bar era o próprio cajueiro, pois a mesa ficava debaixo dessa frondosa fruteira, que dava uma refrescante sombra, que mais se tornava refrescante pela brisa, que sempre havia. Desse bar, disse o historiador e escritor Vicente Araújo (Potência), numa de suas tiradas, que era nele que o vento fazia a curva.
No final dos anos 70 e começo dos oitenta, frequentei algumas vezes o bar do senhor Raimundo ou Raimundão, por causa de sua altura, que ficava na beira da Lagoa do Bebedouro, à margem da estrada que vai para Rosápolis. Na época a lagoa não fora urbanizada e havia poucas casas no seu entorno. Os conjuntos habitacionais ainda não haviam sido construídos. De lá se tinha uma bela vista da lagoa. O boteco era rústico, mas o dono era acolhedor. No quintal havia umas palmeiras e uma enorme e frondosa amendoeira, que nos deu sombra e beleza, no dia em que debaixo dela comemorei a conclusão do meu curso de Administração de Empresas.
Quando meus pais moraram perto da Praça da Santa Casa, fui algumas vezes ao bar dos irmãos Vasconcelos, que ficava no início da Avenida Capitão Claro. Ficava quase colado à antiga agência da empresa Marimbá, em cujos ônibus viajei tantas vezes para Teresina ou vice-versa. Na realidade um dos irmãos era o dono e o outro, seu empregado e hóspede, posto que morava na casa do primeiro. Já eram idosos nessa época. Eram dos Vasconcelos da Ibiapaba, de Ubajara ou Tianguá. Quando um morreu, logo em seguida morreu o outro.
Defronte ficava um posto de combustível, em cuja dependência lateral funcionava um outro barzinho, de propriedade de um irmão do Raimundo (da Lagoa do Bebedouro), bastante frequentado no final dos anos 70. Próximo dali, mais precisamente perto do Mercado Central, havia o bar e lanchonete Cascatinha, aberto a noite toda. Nesse estabelecimento, tanto os boêmios bebiam, como tentavam matar a ressaca com caldo de carne ou outras comidas mais substanciosas.
No final da década de 70, a Lagoa do Portinho era pouco frequentada. Existia uma rústica churrascaria e as margens da lagoa ostentavam uma densa floresta de cajueiros. Debaixo deles, na companhia de familiares e alguns bons amigos, comemorei minha aprovação para fiscal da SUNAB, hoje extinta. Certo dia, voltando da praia, estive nessa churrascaria. A natureza se mostrou muito caprichosa nessa tarde inesquecível; em momentos chovia, em outros fazia sol, tornando as cores cambiantes; ora fazia frio, ora calor. Tarde mágica, em que ainda havia uma belle de jour, que me inspirou o poema “Mulher na Lagoa do Portinho”, do qual estampo os seguintes versos:
Na tarde antiga
de sol e bruma
de luz e penumbra
as dunas mudaram
de cores e formas.
Os belos olhos esplendentes –
pálidas cálidas opalas ou
esmeradas esmeriladas esmeraldas –
da mulher bonita
de sinuosas dunas e viagens
furta-cores furtaram
outros tons e sobretons.
Perto (e no lado esquerdo) da ponte que antecede o antigo povoado de Morros da Mariana ficava o barzinho de dona Maria, companheira do senhor Raimundo, parente do Reginaldo Costa, do jornal Inovação. O senhor Raimundo gostava de tomar uma cachaça, muito forte, uma verdadeira “serrana”, por ele fabricada, num alambique instalado numa propriedade sua, vizinha. Em momentos agradáveis de minha juventude estive nesse boteco algumas vezes, em companhia do Canindé Correia, do Vicente Araújo (Potência), do Reginaldo Costa e do B. Silva.
Em minha crônica evocativa de meu saudoso amigo Canindé Correia, recordei esse tempo de música, poesia e alegria: “Num barzinho, que ainda existe, quase debaixo da ponte, imediatamente antes do então povoado de Morros da Mariana, degustávamos saborosos caranguejos, que chegavam fresquinhos, ainda cobertos pelas belas e grandes folhagens do mangue; o igarapé, por onde os crustáceos chegavam, em pequenas canoas, passava em frente ao boteco, e aumentava a sedução e a beleza da paisagem.”
Na rua 19 de Outubro, perto do Bar do Cornélio, localizado no final da Rua Coronel Pacífico, ficava (ou fica) o Bar do Cheira Mijo. Boteco rústico. O cliente tomava sua bebida quase sempre em pé, ao redor do balcão. Ali perto fica o Porto dos Tucuns, onde, outrora, atracavam muitos barcos, procedentes das ilhas e povoados do Delta do Parnaíba. Os porcos d’água ou embarcadiços urinavam nessa rua ou nas adjacentes, de modo que passaram a chamar a artéria de “rua do cheira mijo”, donde se originou o pitoresco nome do bar. Perto ficavam alguns casebres e cabarés. Os moradores, nessa época, faziam suas necessidades dentro de casa, e depois jogavam os dejetos na rua. De modo que nessa região da Munguba também ficava uma via, que era denominada como “rua da bosta”.
Ainda na Munguba, entre o saudoso Recanto da Saudade e o Bar do Cornélio, à margem do Igaraçu, fica a metalúrgica do senhor Pereira, em cujo local, em determinado dia da semana, se reunia a confraria A Forja. Cada “confrade” levava determinada quantidade de cerveja e de carne para tira-gosto. Os membros d’A Forja eram pessoas bem situadas, como se diz, empresários e profissionais liberais, como médicos, engenheiros e advogados, além de graduados funcionários públicos. Funcionava com ordem e regularidade, talvez porque não tivesse estatuto e nem regimento escrito.
Alguns botecos, sobretudo os frequentados pelos “profissionais papudinhos”, tinham a (má) fama de vender cachaça “desdobrada” ou “manipulada”, isto é, adulterada. Para simplificar, misturada a outras substâncias, inclusive água, em menor ou maior quantidade, conforme o proprietário do botequim fosse mais ou menos desonesto, para obtenção de maior lucratividade. Também alguns vendiam tira-gostos indigestos, alguns requentados uma ou mais vezes, que segundo diziam ou matavam ou adoeciam o cliente. A esses poderíamos aplicar os versos epigramáticos de Oswald de Andrade:
No baile da corte
Foi o Conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
Os remanescentes dessa velha guarda costumam curar sua ressaca na lanchonete do senhor José dos Santos, que vende um saboroso e substancioso caldo de carne. Alguns boêmios preferem continuar ou começar a farra nessa lanchonete, posto que ela também vende bebidas. Fica ao lado do Mercado de Fátima. Nesse mercado fica a lanchonete/restaurante da Maria, que comercializa um igualmente delicioso caldo de carne.
Reconheço que cada boêmio tem o seu boteco preferido, o boteco de sua memória, afeição e bem-querer. Por conseguinte, em cada canto da cidade existe um “recanto da saudade”, um barzinho bucólico, rústico, intimista, aconchegante ou inesquecível. Como diria Patativa do Assaré: cante o seu, que eu canto o meu.
(*) Precisamente hoje (15/06/2021), alguns dias após eu haver escrito esta crônica, o fotógrafo e bibliófilo Jairo Leocádio, por WhatsApp, me comunicou haver encontrado na Praça da Graça o cidadão que plantara a munguba. Estava com o meu texto em seu celular e disse se chamar João Lucas. Portanto, tem o nome de dois evangelistas. Jairo me prometeu enviar uma fotografia dessa árvore, que fica perto da famosa Banca do Louro.
Não haverá intervenção mais poderosa do poder público sobre a sociedade do que suas iniciativas culturais. Trata-se de construção da memória coletiva, o que implica em sistema de valores.
É algo conhecido desde a Antiguidade. Platão formulou a ideia de que, alterando sua música, a coletividade não seria mais a mesma.
A música reflete o que o povo sente ou quer. Mais que qualquer outra linguagem, sensibiliza a todos instantaneamente, inclusive os iletrados e cegos. Não há religião sem música. Também não há guerra sem música. Certos instrumentos musicais foram desenvolvidos para atender a comunicação entre os guerreiros.
A política cultural determinará se uma coletividade será pautada pelo respeito aos seus integrantes, pela consagração de uns e segregação de outros. Discriminações e injustiças são culturalmente legitimadas. Ainda hoje não superamos o legado escravista porque, além das estruturas de poder, os padrões culturais não foram radicalmente alterados.
Refiro-me a tudo isso pensando na alteração do nome do Porto das Barcas, que meu bisavô, um funileiro, chamava de Porto Salgado, em virtude da grande quantidade de sal derramado pelos carregamentos de charque.
Com a extinção das charqueadas, o impulso das exportações do extrativismo vegetal e a expansão das importações de mercadorias, o velho ancoradouro fluvial passou a ser conhecido como Porto das Barcas.
Quando criança, eu vi estivadores carregando fardos de algodão e outras mercadorias. Pensava que o nome “Porto Salgado” derivava do sal do suor dos trabalhadores. Ainda hoje não consigo chamar o Porto Salgado de Porto das Barcas nem Amarração de Luís Correia.
A comunidade parnaibana reagiu fortemente à iniciativa governamental de associar a designação do ancoradouro ao de um magnata do comércio varejista radicado em Teresina. Tal iniciativa feriu o amor-próprio parnaibano. Alguns arguiram: se tem de homenagear alguém, que seja um parnaibano!
O nome do magnata entrou na berlinda. Lembraram que ele destruiu importante marco arquitetônico desfigurando a harmonia da outrora Rua Grande, hoje Avenida Getúlio Vargas.
O agente público retorquiu dizendo que ele investiu seu dinheiro em obras culturais. Esqueceu de registrar que o investimento seria abatido do imposto de renda, sendo, de fato, recurso público. Trata-se de um mecenato de embromação.
Penso que homenagear os grandes faz com que os de baixo fiquem no esquecimento. Política cultural que elimina os pobres da memória coletiva promove valores antissociais.
Estivadores (sobretudo escravos, descendestes de escravos e retirantes da seca em busca de sobrevivência), canoeiros, lavandeiras, artesãos, pescadores, operários do charque, empregados das casas comerciais, coletores de cera de carnaúba, operários da indústria do óleo, pedreiros, carpinteiros, quitandeiros… Como pode toda essa gente sumir da memória enquanto os enriquecidos pelo comércio varejista ganham destaque?
A política cultural que precisa ser revista. O restauro de edificações simbólicas é importante, mas o seu uso não pode ser menosprezado. O que adianta um belo teatro caso sirva para disseminar valores antissociais? Não se pode esquecer que nazistas criaram grandes teatros e assassinaram grandes artistas.
Além disso, cabe tratar delicadamente o amor-próprio das coletividades. Não se arranha impunemente o ego de uma sociedade hoje economicamente degradada.
Para elevar o nível da consciência coletiva, a política cultural deve reverenciar os verdadeiros construtores da cidade.
E jamais perder de vista que remessas ao passado, às experiências vividas, são tão importantes quanto os sinais de futuro promissor.
Parnaíba, 09.06.2021
(*) *Manuel Domingos Neto, é historiador, professor universitário, pesquisador. escritor, ex-deputado federal e membro da Academia Parnaibana de letras.
NOTA DE PESAR A Academia Parnaibana de Letras – APAL sente-se no dever de pesarosamente comunicar aos seus membros e à sociedade parnaibana o falecimento do professor e psicólogo Evandro Mamede Moreira Júnior, ocorrido na manhã deste domingo 06 de junho, motivado por complicações de saúde.
Evandro Júnior era filho da acadêmica professora Aldenora Mendes Moreira que ocupou a cadeira de nº 05 que tem como Patrono Alarico da Cunha.
Bastante estimado na sociedade parnaibana, Evandro Junior era irmão da dra. Rejane Moreira, ex-secretária municipal de saúde na administração do prefeito Mão Santa.
À dra. Rejane, demais familiares e amigos do professor Evandro Júnior os nossos mais sinceros votos de pesar na certeza de que, apesar da dor da separação, a morte é apenas o início de uma nova vida – a Vida Eterna.