Jardim dos Poetas e Aspectos da Literatura Parnaibana

DIÁRIO

[Jardim dos Poetas e Aspectos da Literatura Parnaibana]

Elmar Carvalho

15/11/2020

Faço parte de quatro grupos de risco, com relação à covid-19, mas daqui a alguns minutos sairei para votar. Mas não é disto que desejo falar. O que desejo dizer é que na sexta-feira, em conversa telefônica com Valdeci Cavalcante, no ensejo de lhe comunicar a publicação virtual de meu livro Aspectos da Literatura Parnaibana, que já se encontra disponível na Amazon, lhe sugeri a construção do novo Jardim dos Poetas, no entorno do Castelo de Eventos, na Praça Mandu Ladino, em Parnaíba. Sobre essas coisas, seguem detalhes abaixo, na Apresentação de meu e-book, que torno parte integrante deste Diário:

Apresentação

Estava eu posto em sossego, após ter realizado a edição virtual de Diário Incontínuo, disponível na Amazon, quando fui interpelado, por WhatsApp, pelo escritor e poeta Claucio Ciarlini, da seguinte forma: “Um amigo, o escritor Carvalho Filho, estava a me perguntar ainda hoje se tenho conhecimento de uma possível futura reedição de Aspectos da literatura parnaibana. Há tempos ele o procura.”

Eis minha resposta: “Não pensei nisso. Não está nos meus planos. Mas talvez eu comece a pensar numa edição virtual aumentada. Quando eu me livrar de uns sufocos, vou pensar numa edição virtual, revista e aumentada, com o acréscimo de uns artigos e discursos novos sobre a literatura parnaibana. Vou pensar nisso.”

Contudo, um pouco depois, eu já lhe noticiava ter tomado a decisão de fazer uma publicação virtual (e-book) de Aspectos da literatura parnaibana, em edição revista e substancialmente aumentada. Pedi-lhe o favor de bolar a capa, com base em duas fotografias (que lhe enviei) de uma marinha que orna a sala de minha casa, da autoria do pintor F. Chagas (2008) e de uma estatueta de um poeta, que pela magreza mais parece Dom Quixote, a empunhar, em vez de uma lança ou espada, uma pena de escrever, da autoria do grande escultor Braga Tepi.

Faço aqui um parêntese para dar aos poetas e leitores uma boa nova. Tendo em vista que o pequeno ensaio Aspectos da literatura parnaibana foi por mim escrito especialmente para a inauguração do Jardim dos Poetas, idealizado pelo escritor e teatrólogo Benjamim Santos e construído na gestão do prefeito Paulo Eudes, em que fui um dos oradores, resolvi mandar, por WhatsApp, uma mensagem de áudio ao dinâmico presidente da Fecomércio/PI, Dr. Valdeci Cavalcante, lhe informando sobre a vertente edição, e lhe explanando sobre o Jardim dos Poetas, que me ensejou elaborar o referido texto; em seguida lhe disse que o aludido logradouro fora abandonado há muitos anos, pelo que entrara em estado de ruínas, com as placas dos poemas retiradas de seu suporte.

Sugeri-lhe a construção de um novo Jardim dos Poetas ou Praça dos Poetas, em terreno perto do Castelo de Eventos, na Praça Mandu Ladino, ou em outro imóvel de sua conveniência. O grande mecenas da cultura e das artes em geral, imediatamente me respondeu que o construiria nas proximidades do Castelo, local nobre e muito frequentado pela sociedade parnaibana.

Acredito que o novo Jardim dos Poetas será erigido, por uma única e simples razão: Valdeci Cavalcante tem por hábito cumprir as suas promessas. Agora mesmo, ele terminou a construção do Centro de Cultura, em Teresina, com teatro, cineteatro e diversos outros espaços culturais, um dos quais, para honra minha, terá o meu nome, a ser inaugurado oportunamente. Se monarquia não estivesse fora de moda, o magnífico edifício bem poderia ser designado como Paço ou Palácio da Cultura.

Sobre o novo Jardim dos Poetas, que mais poderia dizer, exceto que os poetas ficarão eternamente gratos a Valdeci, bem como os parnaibanos, que terão mais um local e monumento dedicado ao culto das artes e da poesia, pois certamente nesse espaço haverá o casamento perfeito de uma obra arquitetônica com a poesia, sobretudo a que louva as louçanias de Parnaíba.

Fechado o parêntese, volto ao curso natural desta apresentação. Como disse, esta é uma edição revista e demasiadamente aumentada, com vários textos, que produzi após o lançamento do opúsculo na solenidades de inauguração do Jardim, ocorrida em 30 de abril de 2003.

Vários outros textos que escrevi, antes de possuir computador, aqui não foram enfeixados, tanto porque não os encontrei, como porque não teria disposição e nem tempo de digitá-los, neste tempo de pandemia, em que, às vezes, nos quedamos sem ânimo. Entre essas matérias sobre literatura e autores parnaibanos, há uma sobre o poeta, memorialista e romancista Renato Castelo Branco, com quem me correspondi por cartas, através da velha ECT (Correios), e outra sobre o romancista e contista Fontes Ibiapina, que conheci pessoalmente, proprietário de imensa biblioteca, onde estive uma vez.

Como se pode ver, numa simples verificação do sumário, neste livro coligi matérias diversas. Muitas são crônicas, discursos ou pequenos ensaios, em que comento livros, autores e fatos de nossa vida literária. Portanto, há algo de crítica e de historiografia literária, embora não me considere um historiador e muito menos um crítico literário.

Talvez alguém ache fora de propósito eu haver inserido a crônica Professor Amstein. Fiz sua inclusão porque Amstein foi um homem bom e um bom professor, um contador de “causos” anedóticos, em que muitas vezes ele era o protagonista; porque nela eu falo em muitos intelectuais, professores e escritores de Parnaíba. E porque ele era uma espécie de escritor ou literato oral, se é que não estou proferindo alguma heresia gramatical. KKKKK.

Achei por bem incluir, na parte denominada ANEXOS, textos dos professores, poetas e escritores  Alcenor Candeira Filho e Claucio Ciarlini, que complementam os textos de minha autoria, agrupados sob o mesmo título do livro – ASPECTOS DA LITERATURA PARNAIBANA. Os textos de ANEXOS estudam os poetas e escritores, que surgiram depois de minha geração, a chamada geração 70 ou Geração Mimeógrafo.

É esta obra apenas parte de minha modesta contribuição à Literatura de Parnaíba.

Contudo, a História da Literatura Parnaibana, de forma exaustiva, sistêmica e aprofundada, com comentários críticos e contextualização histórica, ainda está por ser escrita, esperando por um dinâmico e ousado “sangue novo”, que nos preste esse extraordinário serviço, que talvez só possa ser levado a cabo por uma equipe proativa e bem coordenada, talvez com necessidade de incentivo e verba de nossa Universidade Federal do Delta do Parnaíba, cujo embrião foi o Campus Universitário Ministro Reis Velloso, em que cursei Administração de Empresas, e cujo Diretório Acadêmico 3 de Março presidi.   

Como disse, esta é apenas minha contribuição ao estudo de Literatura Parnaibana. Outros poderão fazer muito mais e melhor.

Centro Cultural da Fecomércio e as dádivas de Valdeci

DIÁRIO

[Centro Cultural da Fecomércio e as dádivas de Valdeci]

Elmar Carvalho

11/11/2020

Na quinta-feira passada o irmão maçônico Valdeci Cavalcante, por WhatsApp, me perguntou se eu aceitaria dar meu nome ao Espaço de Criação Musical, que haverá no Centro Cultural da Fecomércio, ainda não inaugurado, e que terá o nome do Dr. Roberto Tadros, presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Foi uma enorme e inesperada  surpresa. Confesso que fiquei emocionado e lisonjeado ao mesmo tempo. Do meu conhecimento, é a primeira vez que meu nome será dado a um espaço cultural.

Já recebi, para gáudio meu, outras homenagens, mas ser epônimo de um espaço cultural é a primeira vez. Tenho poemas afixados em espaços e prédios diversos, em vários rincões do Piauí, bem como já recebi comendas, medalhas e diplomas, além de alguns títulos de cidadania, porém confesso que ter meu nome designando um espaço musical me calou fundo no peito.

Em sua mensagem o Dr. Valdeci Cavalcante, que foi meu professor no curso de Direito e é meu confrade nas Academias Piauiense, Parnaibana e Maçônica de Letras, me pedia lhe enviasse meu currículo resumido e uma foto de minha preferência. De imediato adotei as providências solicitadas. Já tive a honra de o saudar em noite memoranda, quando de sua posse na Academia Parnaibana de Letras, oportunidade em que enalteci os atributos e virtudes, que lhe ornam a personalidade de escol.

O suntuoso e belo edifício será designado pelo nome do Deputado Ezequias Costa, e terá vários espaços (destinados a oficinas de diversas atividades e artes), além de teatro, cineteatro, biblioteca, espaço nobre, escola de música e o Café Acadêmico. Nele serão realizados diversos cursos e oficinas de aperfeiçoamento profissional e artístico.

Muitos desses espaços receberão os nomes de vários membros da Academia Piauiense de Letras, entre os quais cito: Da Costa e Silva, Celso Barros Coelho, Paulo Nunes, Assis Brasil, Francisco Miguel de Moura, Nerina Castello Branco, Fides Angélica, Herculano Moraes, Jônathas Nunes, Magno Pires, Homero Castello Branco, Hugo Napoleão e este escriba. Também serão homenageados Dora Parentes, Jesus Arias e Luizão Paiva.

No sábado, na reunião virtual da Academia Piauiense, após dizer que considerava os colegas uma extensão de minha família, compartilhei essa informação com eles. Direi abaixo, de forma mais ampliada, o que lhes disse.

Conquanto não seja cantor e nem instrumentista, a música é uma das manifestações artísticas de minha preferência. Apesar de não ter talento e nem dom musical, admiro essa arte, que é uma das que mais tenho fruído ao longo de minha vida. Admiro e aplaudo os seus artistas, e a muitos compositores, instrumentistas e cantores tenho louvado com entusiasmo.

Tenho alguns poemas que foram musicados por diferentes compositores. É um tanto difícil o casamento entre um poema e a música, porquanto um pode ser muito superior ao outro. Por outro parte, às vezes um bom poema não se presta a ser musicado, por causa do tema, do ritmo ou mesmo do tamanho do texto. Contudo, quando uma bela melodia se casa com um ótimo poema não poderia haver casamento mais harmonioso.

Considero seja a arte poética uma prima legítima da música, porque um poema deve ter ritmo, sonoridades, aliterações, coliterações, e, às vezes, métrica e rima, o que dá a essa arte literária certo ritmo musical. A Escola Simbolista buscava com muita ênfase a musicalidade das palavras, das frases e dos versos. Portanto, eu disse que as musas da mitologia grega Euterpe e Érato eram as mais próximas, as mais unidas, talvez irmãs siamesas.

Euterpe, como todos sabem, representa e protege a música, e várias bandas filarmônicas se chamaram Euterpe. Érato é a musa da poesia lírica. Dessa forma tentei justificar a designação de meu nome para o espaço destinado à criação musical, sendo, porém, que a maior justificação é mesmo a generosidade do mecenas Valdeci Cavalcante, que, semelhante ao que se dizia do educador, intelectual e escritor Anísio Teixeira, parece pensar com as mãos, tal a quantidade e qualidade de suas realizações, inclusive no campo da cultura e das artes. Diria que ele é um dínamo em figura de gente.

Como a homenagem é prestada por um órgão da iniciativa privada, não há que se questionar a sua legalidade e legitimidade, pelo fato de a maioria dos homenageados não ter falecido. Mas aproveitei para contar um episódio anedótico, que tem como protagonista o imenso e humilde poeta Manuel Bandeira, que sendo um poeta maior, se autodenominou poeta menor.

Quando lhe foram erigir uma estátua em praça pública, algumas vozes dissonantes, que sempre as há, invocaram a postura municipal na tentativa de privar o poeta da justa homenagem. Indagado sobre se desejava a homenagem, Bandeira disse que não só queria, como até se recusava a morrer enquanto a estátua não fosse colocada em seu pedestal. Da mesma forma, eu disse que iria rezar para Deus me manter vivo até a concretização final da homenagem, com a inauguração do espaço e a aposição da respectiva placa.

Por fim, só me resta agradecer ao operoso administrador da Fecomércio/Piauí e 1º vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio, Dr. Valdeci Cavalcante, por esta importante homenagem, pela qual lhe serei eternamente grato, ainda mais por desconfiar de que, talvez, não tenha, em sua integralidade, o devido merecimento. Mas me esforçarei para dela me tornar digno.

ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – NOTA DE PESAR

ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS

NOTA DE PESAR

         A Academia Parnaibana de Letras – APAL com o mais profundo pesar solidariza-se com familiares e amigos de Mário Eugênio Cajubá de Britto, falecido nesta data de 08/11/2020.

         O extinto era irmão do advogado e acadêmico Francisco de Assis Cajubá de Britto e tio do também advogado e acadêmico Roberto Cajubá da Costa Britto, membros deste sodalício.

         Que a família encontre forças para suportar esse momento de dor, ao tempo em que, confiantes em nossa fé,  rogamos ao nosso Deus criador para que em sua infinita bondade o acolha em sua morada eterna.

Parnaíba (PI), 08 de novembro de 2020.

José Luiz de Carvalho                            Antonio Gallas Pimentel

         Presidente                                          Secretário-Geral

ESTÓRIAS, MILHO COM FEIJÃO E LEITE MUNGIDO

ESTÓRIAS, MILHO COM FEIJÃO E LEITE MUNGIDO

Wilton Porto
Conto

Na área do alpendre, ouvíamos estórias várias de Trancoso.
Nossa prima Denir, que ainda não havia batido as asas, contava-as, de uma forma que custávamos a domir: “será que seríamos visitados por alguns daqueles personagens?!”
Nossas redes ficavam todas numa mesma sala, perto uma das outras. Qualquer avanço
De Lobisomens; Cucas; Sacis, já estava combinado: gritos!
Nossa contadora de estórias alertava-nos:-Hoje, comemos o afamado milho com feijão da mamãe, que em nenhum outro lugar do mundo tem igual e regado a pé de porco. Não podemos dormir cedo.
Era costume se deitar no horário das galinhas. Sítio afastado de São João do Piauí, área do Jacaré, onde a sobrevivência se dava através da agricultura, criação de animais de pequeno e médio e grande porte. Desde a galinha até a vaca leiteira. Em relação a esta última, acordávamos bem cedinho, com o intuito de tomarmos o leite mungido – que saía, naquela hora, do peito da vaca. Reconciliar as pálpebras entre 19 e 20 horas, era tradição.
Pregar o olho após aquelas estórias, era visualizar a cuca com rabo nos espreitando. O negrito de uma só perna de trás da porta, no escuro, pronto para pular. Eu costumava deixar uma travanca próximo da minha rede.
Numa daquelas noites em que o Coração estava mais sensível, que o balançar diastólico e sistólico do Órgão dos sentimentos parecia um tanto descontrolado, Antônio começou a gritar:-Pai, papai… acode! Corre!!!… todo o mundo correu para a sala, tropeçando em rede, e eu já com o porrete nas mãos.
Antônio suava que nem a panela do prato predileto, feito por tia Pimpília.
Tremendo ainda, o garoto disse “que estava sendo perseguido por um bicho de chifres e cabeludo, rabo, cachimbo na boca e fumaça escorrendo e vermelho que nem brasa em época de fogueira de São João. Na hora que ele tropeçou e o lobisomem ia atirarar-se sobre ele, eu o acertei com o meu porrete. Foi a hora que o alarme de todos acordou o meu primo.
Eu – menino da cidade -, lembrando-me daquelas celebrações e do catecismo, propus uma oração compartilhada.
Demo-nos as mãos e eu fui convocado a lembrar de alguma oração aprendida no catecismo

– Pai de eterna bondade, que mora no mais elevado dos Céus, creador de todas as coisas: nós Te louvamos e bendizemos!
Acalme os nossos Corações. Leve-nos de encontro ao dulcíssimo Peito. Nem precisa dizer nada, amado Deus. O calor de Sua presença já nos é consolo. No entanto, Se quiser, diga-nos que o Filho Jesus e nosso Anjo Protetor estão constamente conosco: nada devemos temer. Nossa mente é uma um vulcão em movimento. Se não a usarmos com mensagens sublimes, a tendência é esse vulcão entrar em erupção. Envolve-nos meu bom Deus! Abrace-nos e energiza-nos com o poder das Suas Mãos. PAI-NOSSO que estás nos Céus…
Todos se acalmaram.
Denir, brincou:

– Já que estamos todos acordados! Eu poderia contar aquela…

– Não!!!!
Todos gritamos uníssonos!

– Gente! Como o primo Wilton disse na oração, o que gera o medo, é inculcarmos em nossa mente coisas negativas. É ouvirmos as estórias, achando que é real. Não é estória?! É com “é” e não com “h”, demonstrando que não existe de verdade. Satanás existe. Contudo, ele só tem força diante de quem não ora, não confia em Cristo, no nosso Anjo da Guarda.
Também, quero lembrá-los que, Satanás se aproveita dos homens para praticar as maldades – dessas muitas existentes no mundo. Astuto, enganador, mentiroso, ele usa dos desejos materialista dos homens e faz o rombo na vida dos deprevenidos, dos que não comungam do Projeto Deus. Ele usa do homem simples, como nós, com mais fé, para levar luz. O medo é a ausência de Deus em nossa vida.
Rezem para o Anjo da Guarda todos os dia: ao acordar e ao deitar-se. Faça um Pai-Nosso e uma Ave-Maria e um Glória ao Pai. Quem puder e souber, faça uma oração espontânea. Orar, é conversar com Deus. Como Antonio conversa com o Wilton. Só que com respeito! Aprendamos a ouvir a Voz do Espírito Santo…
Que tal, em vez dessas estórias macabras, daqui para frente, catecismo, histórias(com “h”) bíblicas?!, arrematou Denir.
Tia Pompília levantou as mãos para os Céus e agradeceu, após perceber a euforia de todos.

A CORAGEM DENTRO DO MEDO

A CORAGEM DENTRO DO MEDO
Wilton Porto
Conto

Os pais das crianças tinham viajado para Petrolina. A tia Telma fora convocada para cuidar dos três e de casa. Os menos se davam bem com a tia e ela era zelosa, cuidava bem, se fazia respeitar com um doce, contudo voz firme, quando necessário.
Naquela noite de temperatura agradável, à máquina de costura, Telma cantarolava aos acordes da máquina olivetti. Lucas se deixava guiar por Castro Alves, Filipe batia cabeça com os cálculos e Míriam estava bulinando nas panelas, lá pela cozinha.
A cidade de São João do Piauí não demonstrava qualquer arroubo. Nenhuma amplificadora, nada de carro movimentando a rua.
Apenas 19 horas, a porta que dava para rua, estava aberta.
Sem que ninguém desse por conta, ele estava dentro de casa. A expressão dele não agradava. Lucas deu um grito espavorido, assustando a todos, fazendo com que a tia Telma desse um pulo – com a tesoura na mão e apontando para o Doidice, que demonstrava avançar casa a dentro. Ele, percebia-se, tinha a face e o olhar daqueles dias de desajuste.
Dona Telma entre medo e força de defender os seus, perguntou o que ele queria. – Quero dinheiro! Arrumar uma bicicleta, apanhar Chiquinha e sair pelo mundo.
– Não saio sem dinheiro!
Ele avançou um pouco mais e todos correram para perto da tia. O tremor e a cara de susto era visível. D. Telma. Como se tomada por uma força, levantou a Tesoura se aproximou de Doidice quase gritando, disse: – se você não for embora, agora, eu rasgo a sua barriga!
Doidice estremeceu. Disse não ter medo. Ela se aproximou mais com a tesoura aberta.
Doidice fez como se fosse pegar alguma arma. A criançada arregalou os olhos e gritou: “cuidado, tia!” Então, ela alarmou:

– Peguem a travanca da porta da cozinha! Sem saber como, Lucas chegou com a travanca. Doidice começou a voltar em ré. Ela viu que era hora de mostrar dona da situação: foi caminhando em direção a ele, até quando Doidice já não era mais noite de amedrontamento.
Ela fechou a porta.
Abraçamo-nos em lágrimas.

Pádua Marques e seus contos para Simplício Dias

DIÁRIO

[Pádua Marques e seus contos para Simplício Dias]

Elmar Carvalho

04/11/2020

Recebi, poucos dias atrás, pela velha ECT, um exemplar, com amável dedicatória, do livro Vinte contos para Simplício Dias, com 112 páginas. Bem encadernado e impresso, teve a capa, a formatação e a programação visual elaboradas de forma impecável pelo jornalista, escritor e poeta Paulo Moura, paradigmático irmão maçônico, meu conterrâneo e velho conhecido.

Além do mais, a obra tem o luxuoso valor agregado de conter várias ilustrações  desse grande artista plástico, um dos maiores em seu gênero. Fiquei ainda honrado de estar incluído na lista impressa de agradecimentos, embora certo de não ter tido mérito para isso. Não tem prefácio, porém possui elucidativas “orelhas” e um esclarecedor e conciso texto na contracapa.

O autor, em seu sentimento de gratidão, esclarece que será eternamente agradecido a Batista Teles “por dar condições para que este trabalho fosse publicado”. João Batista Mendes Teles é meu conhecido há várias décadas, e fazia parte dos colaboradores do jornal Inovação.

Um dos pioneiros em pesquisas técnico-científicas de estatística, no final dos anos 1970, começo dos 80, preparou várias pesquisas para diagnóstico econômico-social de Parnaíba para esse periódico. Professor da UFPI por várias décadas. É o titular do mais importante Instituto privado de pesquisa estatística do estado, o Amostragem. Na medida do possível, tem incentivado a cultura e as artes do Piauí.   

Mário de Andrade de forma sintética e bem-humorada, com alguma dose, talvez, de ironia, disse que conto é tudo aquilo que chamamos de conto. Para mim, sem considerar a questão da qualidade e outros gêneros textuais limítrofes, sua frase de efeito é certeira e exata. Já tive oportunidade de dizer que, para mim, um conto que não conta, não conta,  porque nada vale como um conto.

Seria qualquer outro artefato literário, menos um conto. Seria uma crônica, um poema em prosa, um devaneio, mas não um conto. Entendo que esse gênero literário deve narrar, deve relatar, deve conter uma estória ou história. Nesse aspecto, os contos de Pádua Marques, não há negar, são realmente contos, uma vez que contam, que relatam um fato, um acontecimento, um episódio.

Contudo, por razões que abaixo alinhavo, não os considero propriamente contos históricos, no mesmo sentido que se dá ao chamado romance histórico. Classifico-os, em sua quase totalidade, como sendo contos de época. É que eles não se restringem a “ficcionar” sobre fatos da história de Parnaíba ou da biografia de Simplício Dias da Silva, como à primeira vista o leitor poderia achar, induzido pelo título do livro.

No meu entendimento, um conto histórico ou um romance histórico deverá ser permeado por fatos e episódios da história de uma localidade ou da biografia de uma figura histórica, evidentemente com “variações sobre o tema”, ou seja, com “licenças fictícias”, todavia verossímeis, compatíveis com desdobramentos que poderiam ter acontecido, ou que ensejem dúvidas sobre se aconteceram ou não, inclusive levando em conta o que o imaginário popular acaso tenha transformado em episódios lendários.

Vejamos o que diz a Wikipédia, em acesso do dia 03/11/20, sobre o gênero romance histórico, que mutatis mutandis pode se aplicar a conto histórico:

“O romance histórico é um gênero literário em prosa em que a narrativa ficcional se ambienta no passado. Geralmente, os romances históricos são marcados pela influência (em menor ou maior grau) de eventos e personagens históricos no desenrolar da trama. Ao longo da história, o gênero teve um papel importante em trazer para um público leitor conhecimentos históricos através das narrativas de ficção.”

Conquanto os contos sejam ambientados numa Parnaíba da época de Simplício Dias, os seus relatos, episódios e entrechos não se basearam, quase, em fatos narrados nos compêndios de História e em episódios da vida romanesca de Simplício e de outras figuras históricas. Aliás, a história e o tempo, às vezes, são até subvertidos pela ficção, como no conto A caveira de burro, em que “o velho Domingos Dias da Silva vivia batendo cabeça, tentando de tudo para aposentar-se pelo INSS”. Nesse mesmo texto, consta que “chamaram umas ciganas, que ficam ali perto da Banca do Louro”.

Portanto, Pádua Marques, em sua ilimitada liberdade de ficcionista, usando do que chamei de “licença fictícia”, provocou uma verdadeira distorção no tempo-espaço, porquanto na época de Domingos e Simplício Dias, como é sabido por todos e muito mais pelo próprio autor, consciente de sua arte e de sua liberdade de criar livremente, o INSS ainda não existia, e o Louro, embora seja um patrimônio histórico, devidamente tombado pelos seus amigos, ainda não havia nascido, claro está.

Essas elucubrações se destinam apenas ao leitor, porquanto Pádua Marques tem plena consciência de seu fazer literário e dos recursos de que poderia dispor, pois já é um contista de longa cabotagem e já traquejado na arte romanesca, tanto que o próprio título do livro já é uma pista do que acabei de explanar: Vinte contos para Simplício Dias. “Atentai” bem: contos para, e não de ou sobre Simplício Dias.

O autor usou a sua capacidade imaginativa e de criação e as colocou a serviço de sua ficção, que em três ou quatro contos tangenciou o conto histórico, e colocou os seus episódios e tramas no cenário de uma Parnaíba do início do século XIX, através de fatos compatíveis com o que bem poderia acontecer numa cidade dessa época, além de ter usado com habilidade e verossimilhança personalidades históricas, nos moldes feitos em um romance à clef.  

No mesmo diapasão, o texto da contracapa referenda ou chancela o que acabo de abordar, senão vejamos: “Neste livro a vida política de Simplício Dias da Silva é o menos importante. Não que ele não mereça. Merece e muito. Mas é que outros autores, historiadores de formação ou até mesmo leigos já o fizeram com grande alcance. Seria apenas mais um livro a tratar sobre a engenharia política e econômica dessa parte do Brasil, distante e muito da Corte.”

De fato, no vertente livro, a História de Parnaíba e a biografia de Simplício Dias não foram importantes, por mais notáveis que tenham sido (e foram). O que importa mesmo são as narrativas, frutos da imaginação de Pádua Marques, que são atraentes e bem delineadas, embora não relatem fatos rocambolescos e mirabolantes, nem tampouco escabrosos e escatológicos.

Um episódio, todavia, me chamou muito a atenção: foi o fato de o Simplício fictício ter uma preocupação imensa com o seu passado, a ponto de mandar matar uma testemunha, a meu ver analfabeta, por ser um escravo, e que sequer poderia ter tomado conhecimento do conteúdo dos documentos, que foram queimados e enterrados pelo escravo de sua confiança. Que tanto ele teria a temer? Ou apenas se tornou frágil e assombrado  por causa de doenças, da velhice e da proximidade da morte?

O ficcionista seguiu a tradição da contística. Seus textos respeitam o tempo da física, tal como o conhecemos em nossa vida prática e cotidiana. Não faz inversões temporais. Seguem o tempo cronológico, com início, meio e fim bem definidos. Não usa, em consequência, o chamado flashback, que pode dificultar a compreensão do leitor mediano.

Em momento algum, para dar voz a suas personagens, lançou mão do discurso direto. Pode-se dizer que usou sempre ou quase sempre o discurso indireto, com o narrador em terceira pessoa. Portanto, esquivou-se do discurso indireto livre, do fluxo de consciência, do monólogo interior, etc. A sua narrativa é feita por intermédio de um narrador onisciente (ou quase), que tudo enxerga, que tudo escuta, que tudo perscruta e desvenda. Não atribuo a isso defeitos ou virtudes; estou fazendo apenas uma simples constatação.

O que importa, também, é a linguagem e a forma dos contos, que foram elaborados em linguagem escorreita, clara, objetiva, concisa, em frases curtas, quase telegráficas, que me fazem lembrar Hemingway, em seus melhores momentos, sem firulas, adereços e excrescências, sem adiposidades e adjetivações desnecessárias.

É isso o que efetivamente importa. E Pádua Marques, nesse aspecto, se houve com maestria.