DIA DE FAXINA

MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

Hoje tirei um tempo para cuidar de meu escritório. Primeiro muni-me de flanela, lustra móveis, cesto para lixo e fui limpando tudo devagarinho. Reorganizando as prateleiras com livros de escritores piauienses, outras com meus autores prediletos, mais uma com livros didáticos e fui ordenando álbuns de fotografias e caixas com jornais. Rasguei blocos com anotações sem importância, joguei fora canetas que não mais escreviam, abasteci o grampeador, substitui o durex que já tinha acabado e dei uma pausa para descansar.

          Sentei na cadeira giratória que por sinal é muito confortável e rodopiei para direita, depois para esquerda, avaliando o trabalho que já havia feito. A lixeira estava quase vazia. Não tive coragem de jogar fora muitas coisas, mesmo sabendo que na minha ausência definitiva parte de tudo que guardo nesse meu precioso canto será doado ou pior ainda, vai para o entulho.

          Tem livros que não gosto de emprestar. São verdadeiras relíquias que se alguém me pergunto se tenho, nego. Na minha falta ninguém dará a ele o valor que estimo. E me indaguei: o que será feito de tantas fotos?

          Ai fiquei valorizando a importância dos arquivos virtuais. Se eu ainda tivesse revelando e pondo em álbuns todas as fotos que tirei nos dois últimos anos não teria mais espaço nas minhas prateleiras. Até porque hoje são tiradas muitos fotos, não nos contentamos com quatro ou cinco, já que não precisamos de filmes e nem de revelação.

          A mesma coisa pensei em relação aos jornais. Hoje são todos on-line. Se alguém quiser guardar é só abrir uma pasta no computador. E sabe o que encontrei também nessa arrumação? Uma pasta com contra cheques do tempo que fui bancária e outros também da Universidade Federal. E por incrível que parece a pasta não foi para o lixo. Hoje é no computador que verificamos se o salário foi depositado, diminuindo os arquivos e o trabalho do correio.

          Fiquei a matutar. O que deverá fazer parte de uma biblioteca hoje se os livros, os jornais, os contra cheques, as fotografias estão todos no computador, na internet, on line? Não se precisa de blocos nem de papel, tudo é digitado e enviado de pronto. Isso é muito bom, mas vai aqui uma recomendação importante: se tudo que você tem está on line, para sua segurança faça um backup constantemente dos seus arquivos.

Backup é bem mais simples do que essa minha faxina, mas eu gosto da minha biblioteca do jeito que está, agrada-me ver muitos livros e amo papel, canetinhas e bloquinhos.

A viagem de Clauder Ciarlini

Nascido em Teresina, no dia 24 de outubro de 1928, e tendo morado em Parnaíba, a maior parte de sua vida, Clauder Ciarlini desde criança foi músico, tocava violão clássico com maestria. Trabalhou em várias empresas da cidade, dentre algumas: Roland Jacob, Banco do Brasil e Delta. Por fim, trabalhava no Grupo Santos – Indústria e Comércio. Era membro da Maçonaria e da Ordem Rosa da Cruz. Ao falecer nesta segunda – feira do dia 19 de maio de 2008, deixou 7 filhos, 26 netos e 3 bisnetos. Meu tio querido, irmão de meu avô, tinha, a meu ver, como maiores qualidades, a simplicidade e a sabedoria. Aprendi muito sobre a vida, sobre o mundo e sobre as pessoas conversando com ele e agora deixo uma pequena homenagem a este ser iluminado:

   “Nesta segunda feira, o mundo tornou-se um pouco mais escuro, as estrelas intimidaram-se, pois não puderam ouvir a respiração dele… A lua, melancólica, perguntou o porquê de tamanha pressa, não obteve resposta, então fechou os olhos…

      Por décadas, iluminou o caminho, de quem por ele foi tocado, fosse através de suas sinceras palavras e conselhos, ou através das doces melodias de seu violão… Não há como evitar as lágrimas que deixou, ao partir em busca de descanso, não da vida, pois a adorava… Mas sim do corpo, que já não mais atendia às suas expectativas…

      No velório, rostos diversos chegavam de todas as partes, um luto se fez por toda a Parnaíba, e porque não dizer, por todo universo… Se apenas por um nome pudéssemos defini-lo, seria sensibilidade… Ele trazia sempre consigo essa sensação e fazia despertar na gente, a mesma, preenchendo de amor e esperança cada pensar… No último adeus, em seu enterro, homenagens merecidas foram prestadas, e por um momento chegamos a sentir que poderia passar apenas de sonho, que talvez ele não tivesse feito sua derradeira viagem… Então o sol surgindo, em nossa frente, nos fez voltar a realidade… E perceber, que deve ter sido ele, Clauder Ciarlini, criando mais uma ilusão pra nos consolar… Como sempre fez!”

Claucio Ciarlini (2008)

O professor, o poeta e o amigo.

Banco do Brasil – Agência de Parnaíba (Centro) – Meados de 2010.

     Nos minutos intermináveis, de momentos imprestáveis, que parecem consumir cada grau de otimismo, me encontro. Obrigado a encarar uma fila dos diabos, achando que nada de bom irá surgir, nesta mais que gelada tarde de terça – feira.

      Não é a toa que me surpreendo, quando, ainda bem longe de acabar o meu martírio, sou convocado a olhar para trás, por uma voz bem familiar:

      – Parabéns, Ciarlini!

     Raras pessoas me chamam pelo sobrenome, e uma destas raridades é Iweltman Mendes! Ser humano que tanto admiro desde que o conheci, em 2000, quando foi meu professor em um curso técnico na Universidade Federal do Piauí (Campus de Parnaíba).

     Lembro bem, que na ocasião, ele ministrou a disciplina de História do Piauí, para deleite da turma, que ficou maravilhada com a facilidade com que ele transmitia o conteúdo, de uma forma envolvente e prazerosa, o que fazia com que nem notássemos o tempo passar.

      Nesta época, eu conheci o Iweltman Professor, que tanto me influenciaria, e ainda me norteia, no modo como ministro minhas aulas, nas mais variadas turmas.

     O tempo passou. Acabei largando o curso técnico, ainda naquele ano, para estudar História na Universidade Estadual Vale do Acaraú em Sobral, inclusive, terra natal do grande professor que havia acabado de conhecer, mas que tanto já admirava.

       Ao término do curso, em 2004, regressei à Parnaíba e resolvi entrar como graduado em Direito na Faculdade Piauiense. Lá, logo no primeiro dia, e para minha surpresa, estava Iweltman, que mais uma vez seria o meu professor, fato que me causou bastante alegria.

    Nos “bastidores”, ou seja, nos intervalos das aulas, conversava bastante com ele, contando histórias de Sobral, e ele, sempre atento, ora ria, ora demonstrava aquele olhar, de quem nunca esqueceu o passado, mesmo estando devidamente em paz com o presente.

       Para nós, alunos da turma de Direito, ele era aquele professor engraçado e sensível, que nos fazia rir com piadas bem encaixadas e com poesia, sempre ao final das aulas. Neste momento da vida, eu pude conhecer melhor o Iweltman Poeta, que havia lançado em 2003 o seu segundo livro de poesias, ou seja, dois anos antes do meu reencontro com ele na FAPI.

    Direito, acabei não concluindo… Escolhas da vida! Porém, segui em frente, me especializando na área de História, ao cursar História do Brasil, também pela Faculdade Piauiense, em 2008, quando tive o imenso prazer de novamente ser aluno deste: mestre, poeta e, principalmente a partir desta época, Iweltman Amigo, com quem conversava nos corredores da universidade, nas praças da cidade e até nesta interminável fila de banco, onde para minha felicidade, ele está a me parabenizar, por um texto de minha autoria publicado no Piaguí.

      – Fantástico!  É a palavra que ele utiliza para adjetivar o meu artigo sobre mais um personagem do povo: Foguinho. Assim como também declara, que está sempre a acompanhar o meu trabalho no impresso e que gosta bastante do que lê. “Uma escrita com emoção” ele me diz, enquanto eu, claro, todo contente em ter uma pessoa, com a qual tanto aprendi nestes últimos 10 anos, me rendendo elogios e sentindo orgulho de algo que fiz, num dia em que eu tanto precisava de um milagre.

      Depois de alguns minutos, nos despedimos e prometo que aceitarei o convite dele, de uma visita ao seu sítio, para que possamos conversar melhor, relembrar os velhos tempos e falar de história e poesia… Ele me diz até logo, e eu respondo: até algum dia, meu querido mestre, até algum dia!

Claucio Ciarlini (2013)

* Em homenagem ao grande mestre e amigo, que faleceu em 13 de janeiro de 2013.

CONTRADITÓRIO

MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – APAL CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

Contraditório significa divergência, contradizer, ou seja, defender uma coisa e depois outra oposta do que havia dito.

Eu costumo argumentar: só não muda de ideia quem não as tem. Isso quer dizer evolução, se o mundo muda, eu também tenho que acompanhá-lo. A minha verdade de hoje pode não ser a de amanhã.

Estamos sempre estudando, pesquisando, passando por experiências, aprendendo e assim é natural modificar a maneira de pensar ou de agir. Portanto, engano considerar que mudar de opinião é ser volúvel. Considero um amadurecimento, um crescimento. Assim, muitos mudam de religião, de partido, de profissão após algumas reflexões e análises dos fatos.

Isso é comum acontecer também em relação a avaliação de pessoas. Às vezes costumamos achar alguém chata, orgulhosa e sem simpatia. Quando temos a oportunidade de conhecer melhor a criatura, passamos a elogiar, achar doce, inteligente e educada.

O contraditório pode ser visto inclusive no sentido jurídico como um direito fundamental da pessoa, e está consagrado no artigo 5º, inciso LV da Constituição: o devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral.

Somos na verdade uma contradição. Tem dias que queremos meditar. Procuramos calmaria. Apreciamos a voz do silêncio. Outro dia estamos de agitação. Buscamos barzinhos, vozes, músicas barulhentas. E às vezes “engolimos um boi e outra nos engasgamos com um mosquito”.

Na poesia “Alma de Mulher”, encontramos o quão é contraditória a mulher Mãe: ela dá asas, ensina o filho a voar, mas não quer ver partir os pássaros, mesmo sabendo que eles pertencem ao mundo.

O sexo feminino, afirmando o tema em pauta, é meiguice e ternura, uma fortaleza que ora é fogo e água, frágil e corajosa, impulsiva e tranquila.

Nesse sentido o escritor baiano Gregório de Matos descreve muito bem a mulher e o contraditório no poema intitulado:

 A MESMA D.ANGÉLICA

Anjo no nome, Angélica na cara!
 Isso é ser flor e anjo juntamente.
……..
Se pois como Anjo sois dos meus altares.
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda.
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo que me tenta, e não me guarda

08.10.2020