

Marcello Silva e o Homo Cactus (*)
O universo dos causos e lendas sempre me fascinou bastante! As obras de Fontes Ibiapina, que na infância descobri fuçando na pequena biblioteca de meus avós maternos, somadas aos clássicos de terror que assisti diretamente dos VHS gravados por meus tios quando da estadia de férias na casa dos meus avós paternos em Fortaleza foram minhas principais bases quando se trata deste mundo fantástico nascido da tradição oral e, na sua maior parte, situado no Sertão e regiões inóspitas, muitas vezes selvagens, como bem exemplificou a recente série global Onde nascem os fortes, embora cada vez mais invadindo também o espaço urbano. Mas é nas fazendas e nos limites delas que brotam esses contos brilhantemente escritos por um escritor que muito Parnaíba já tem ouvido falar, mas que o futuro certamente trará um reconhecimento ainda maior. Este chavalense, também parnaibano, poeta, cronista, contista e futuro advogado, que já havia lançado o magnífico Pescador, participado de importantes coletâneas, mas que, confesso, foi com esse último que conseguiu me atingir de forma mais profunda, pois além de toda a sensibilização e reflexão que sua primeira criação me provocara, esta foi além! Conduzindo-me para as décadas de 80 e 90, para a fazenda de meu avô paterno no Ceará, bem próxima a pequena cidade de Morrinhos. O cheiro do interior, uma combinação dos aromas produzidos pela flora e pela fauna! A Casa da Farinha, que tanto nos abria o apetite! O casebre abandonado, que a cada dia tentávamos nos aproximar, mas sem sucesso… As trilhas (mata adentro) que guardavam surpresas, geralmente reptilianas! O riacho que banhávamos, enquanto nossas tias lavavam as roupas! A carroça que nos transportava quando a distância era maior que nosso fôlego desacostumado infantil poderia suportar…
Os chapéus de palha, produzidos por várias senhoras (e às vezes até mesmo senhores) todos de frente para a única televisão a quilômetros de distância… O touro Metal, que, bobos, ficávamos a ver… As grandes pedras, que nos serviam de esconderijo… As redes de tucum ou de nylon, onde nos refastelávamos depois de um almoço farto! Sem esquecer a madrugada, entre o canto dos sapos, dos outros bichos e principalmente o do medo, com as fortes batidas do coração, quando da lembrança do temido Gato Maracajá, que nunca nem chegamos a ver, mas que nos tirava o sono, junto a correntes que escutávamos… vultos que surgiam…
Enfim, uma miríade de aventuras, que, obviamente, fazem parte das minhas lembranças, pois jamais estragaria as surpresas pertencentes a obra em questão, que para mim foi muito mais do que um livro… Significou uma viagem no tempo! Assim como Marcello Silva é muito mais do que um escritor… ele é o Homo Cactus!
Claucio Ciarlini (2018)
*Matéria publicada em O Piaguí 130, de agosto de 2018.