Cinco desejos e cinco pecados.

Por Pádua Marques

De longe e perto da porta de entrada seu Miguel Ferreira ficou olhando o movimento de casais de namorados e maridos levando suas mulheres pra mais aquela sessão de cinema no Edén, mas sem desgrudar os olhos de cinco sujeitos que desde cedo estavam rondando pelas calçadas das casas comerciais vizinhas da praça da matriz em Parnaíba. Eram eles, Raimundo Celestino, o Mundico das Vassouras, Vicente Moeda, Dominguinho, Natim da Burra e Nereu da Coroa.

Era um sábado daquele outubro de 1937, dia de boa bilheteria e pelo visto eles estavam num pé e noutro prontos pra entrar no cinema, talvez até sem pagar o bilhete. Mas os olhos e os ouvidos do sírio Miguel Carcamano estavam bem abertos pra tudo que era canto. Aquilo não era certo, tendo que ficar de cuidado porque aqueles sujeitos andavam, fazia tempo, tentando invadir seu negócio. O primeiro era Raimundo Celestino, o Mundico das Vassouras.

Mundico das Vassouras, nascido nos Morros da Mariana, queria ter dinheiro pra um dia ir ao Cine Éden, todo com a melhor roupa, um paletó ganho de gente rica, calçado de sapatos e com um lenço no bolso, feito seu James Clark. Achava bonito todos aqueles homens importantes de Parnaíba, andando pela praça da matriz, todos bem vestidos, sapatos lustrados. Quando vendia suas vassouras de palha de carnaúba, costumava, dependendo da cara do freguês, aumentar o preço.

Outro que não saiu dos olhos de Miguel Carcamano foi Vicente Moeda. Era engraxate ali perto da firma de seu Celso Nunes, no canto na praça da matriz, perto do Banco do Brasil. E que dizia pra todo mundo ouvir, desde o comércio de seu Bembém, desde a Duque de Caxias até o Mercado Central, que seu maior desejo era um dia engraxar de graça os sapatos de doutor Mirócles Veras, o prefeito. E de um dia comer galinha assada. Rico, na sua cabeça, só devia comer galinha assada. Tinha um sestro, o de viver rangendo os dentes. Aquilo deixava muito freguês incomodado.

Cine Teatro Eden – Parnaíba – PI

Mais lá na frente, perto do coreto e no meio da praça, estava um rapazinho branco, sujo, de olhos remelentos, amparado por uma muleta por causa do pé esquerdo tordo pra dentro, vestido de calça de mescla e de camisa de botões, muito curta, quase deixando a barriga de fora. Domingos, o Dominguinho, não tinha família, veio numa caravana de cearenses e entrou em Parnaíba vindo pelo Camocim.

Um dia quis ir conhecer o Campo de Aviação do Catanduvas. Foi de trem e no meio de tarde, sol quente. Em lá chegando, no meio daquela multidão de gente, ele aleijado, foi empurrado pra cá e pra lá, se largou no chão e acabou todo mijado. Vivia de fazer um mandado pra um e outro entre a praça e o mercado e era quando ganhava alguma moeda. Dinheiro que gastava comprando cigarro. Mas muita gente tinha Domingos com o defeito de pegar no alheio.

Outro que estava na lista de Miguel Ferreira naquela boca de noite era Natim da Burra, sonso, voz fanha, um botador de água, nascido no Labino. Raimundo Nonato da Assunção gostava de aos sábados e domingos, bolso cheio, andar perfumado. Dizia que era pra ser aceito pelas mulheres da vida na Coroa e dos Tucuns. Um dia foi preso a mando de Ademar Neves porque achou de acordar todos os doentes da Santa Casa de Misericórdia, altas horas, quando passou raspando os tamancos na parede. Passou dois dias dormindo naquele inferno de delegacia nos Tucuns e dando sangue pra muriçocas. Foi solto a pedido de dona Genésia, uma mulher da alta sociedade.

Mas de todos os anarquistas, arruaceiros, vagabundos e sem origem e que estavam empestando a praça da Graça e prontos pra invadir o Cine Éden naquela noite, o pior deles era Nereu. Sujeito de seus vinte e dois anos, parrudo, nem branco e nem negro, sempre de faca curta embainhada por dento da calça. Diziam uns que havia matado um homem, coisa de uns sete anos, ainda quase menino, pra os lados da Coroa, por causa de uma aposta de jogo de damas e tendo mulher pelo meio. Mas era coisa negada por outros.

Miguel Carcamano não queria sonhar com Nereu da Coroa, aquele rapaz mal encarado e que tinha como desejo um dia trabalhar numa padaria pra comer pão quentinho toda hora, até ficar empanzinado. Iria tomar garapa de cana no Mercado Central ou lá pra os lados de seu Bembém. Nereu, quando não tinha ninguém por perto e todo mundo já estando dentro do cinema, vinha e mijava no canto da parede só por perversidade de zangar o sírio. O dono do cinema reclamava, xingava, ameaçava polícia, até chamar doutor Mirócles queria.

LIVE LÍTERO-MUSICAL DOS MAGISTRADOS PIAUIENSES

Será amanhã, sexta-feira, dia 21, a live, na verdade um verdadeiro sarau lítero-musical, da magistratura piauiense, com apoio da AMAPI e da EJUD, a partir das 19 horas.

A parte musical ficará a cargo da Banda Jus Som – o som da Justiça, sob a liderança do juiz e cantor Sebastião Firmino, com a participação especial do juiz Luís Carlos Barbosa, o mago das cordas, homem literalmente de mais de sete instrumentos, entre os quais violão, violino, cavaquinho, bandolim… Também participarão como cantoras Irecê Santana e Fátima Lima.

Participarão da parte poética, cada um recitando poemas de sua autoria, os magistrados e poetas Sebastião Firmino, Tânia Regina, Raimundo Macau, Antônio Noleto, Joaquim Santana (Des.), José James Gomes Pereira (Des.) e Elmar Carvalho.

Nos vídeos, que serão inseridos em cada pausa, os magistrados e poetas aparecem dizendo seus poemas, em meio a inserção de imagens ilustrativas de seu conteúdo. A edição dos videopoemas foi  realizada pelo professor, poeta, contista e cronista Claucio Ciarlini, que o fez com exemplar maestria.

ASSISTA EM: youtube.com/bandajussom

Triálogo: Dílson, Elmar e Claucio comentam a Literatura Parnaibana

DIÁRIO

[Triálogo: Dílson, Elmar e Claucio comentam a Literatura Parnaibana]

Elmar Carvalho

20/08/2020

Após mais de quatro dias tendo acessos de uma espécie de tosse braba, fui no dia 4 deste mês me consultar com um otorrinolaringologista, que solicitou um exame para detecção do novo coronavírus, que fiz no dia seguinte. O resultado foi negativo. Eu havia feito uma tomografia no dia anterior. Com esses dados, o médico me prescreveu um tratamento que segui à risca. Como a tosse continuasse sem ceder, voltei a me consultar com ele.

Fiz novos exames e testagens, com bons resultados, no sentido de que não estava acometido pela covid-19. Finalmente, após cerca de vinte dias de tortura, a tosse começou a ficar mais branda. De forma que, somente hoje, tive ânimo para fazer este triálogo, elaborado sem nenhum planejamento e premeditação através do WhatsApp, entre o poeta, romancista e professor Dílson Lages Monteiro, este diarista e o escritor, poeta e professor Claucio Ciarlini.

Fiz umas pequeninas correções, adaptações e tênues costuras, em que tentei alinhavar os textos, para que o conjunto não ficasse como um “samba do crioulo doido”, ou afrodescendente, se o leitor assim o preferir. Entretanto, o conteúdo dos textos, com exceção da revisão, meramente gramatical, quase sempre apenas ortográfica, é fiel ao que cada autor escreveu, como teria que ser. 

No grupo de WhatsApp da Academia Piauiense de Letras encontrei a seguinte postagem do confrade e amigo Dílson Lages Monteiro, salvo engano datada do dia 15/08/20:

“Parnaíba, que aniversaria, tem bela história de ativa atuação de agentes culturais. No passado, Almanaque da Parnaíba, Inovação. A vida literária de Parnaíba está bem representada em Literatura, imprensa e vida literária em Parnaíba.

Hoje essa atuação continua vigorosa de modo ímpar. De Parnaíba, chegam-nos os únicos jornais literários entre nós: Bembém e Piaguí, além do mais vigoroso centro cultural em atividade no Estado hoje, fruto do protagonismo e trabalho do acadêmico Valdeci Cavalcante, no belo Sesc/Caixeiral. Viva Parnaíba por sua fascinante energia!”

Achei por bem cravar a seguinte resposta, na mesma data acima indicada:

Sendo eu um “parnaibano” por título de cidadania, devoção e vocação, venho dizer que fiquei feliz com suas palavras, e dizer que sou testemunha do que você afirma, até porque tenho sido um participante, em menor ou maior grau, dos movimentos e veículos que você cita, inclusive dos livros de contos (editado) e poemas (em fase de editoração) editados pelo professor Claucio Ciarlini, dinâmico líder dessa geração mais jovem que a minha, que já chamo de velha guarda.

Dílson não se fez esperar em sua resposta:

“Fico feliz, confrade Elmar, em confirmar meu ponto de vista em sua vivência real e não apenas de leitura e observação, como é a minha. A história dos dois jornais por si já demanda um profundo ensaio e nos põe a questionar que ambiência existe em Parnaíba que dá fôlego a essas publicações.  Em elas existindo, existirão também novos literatos, novos historiadores, para além da vida acadêmica universitária.

Saí há pouco da leitura de Literatura, imprensa e vida literária em Parnaíba, de Daniel Castelo B. Ciarlini, livro cuja leitura eu iniciara em outro momento e não concluída por força das obrigações do magistério privado, agora li e com entusiasmo… Só cresceu minha admiração pela energia que emana do idealismo dessa cidade.”

Quase me senti na obrigação de lhe dar a seguinte resposta:

O Daniel é um notável escritor e intelectual, jovem de muitas e profundas leituras. Sem dúvida é versado em teoria literária, e já vem se firmando como um de nossos principais críticos de nossa literatura, bem como também já prestou relevante serviço na história da literatura piauiense, e da parnaibana, mais especificamente.

Em seguida, copiei os textos acima e os encaminhei ao professor e poeta Claucio Ciarlini, com a seguinte observação: “Como você pode perceber foi uma espécie de diálogo entre o Dílson e eu. Talvez, se fosse feita uma ‘costura’ de alinhavo, dessem um texto publicável.” Publicável, claro, no sentido de digno de publicação por eventual qualidade no conteúdo, e não pelo calão, que pudesse ter ou não ter.

Depois, em vários e sucessivos momentos, mas todos do dia 15 do corrente mês, o Claucio me foi enviando as seguintes respostas, que aglutinei nos seguintes parágrafos, por mim abertos:

“Bom dia, meu amigo. Fico muito feliz com a menção de meu nome por você e Dílson. Não sabia que ele era da APL. Apesar de acompanhar há algum tempo o portal Entretextos,  o conheci há poucos meses e intensificamos o contato nas últimas semanas.

Mas gostei tanto dele, que o convidei ontem de manhã para mediar nosso lançamento virtual do Poemas entre Gerações no fim do ano. Que, inclusive, será realizado em 4 lives. Depois lhe explicarei em áudio.

Estive até conversando com Dílson de minha intenção para um segundo volume daqui há uns anos do projeto Entre Gerações, que é de expandir, ou seja, convocar autores de várias cidades do Piauí e até alguns de outras localidades. No que seria o volume II de uma coletânea de Contos, outra de Poemas e findando com Crônicas. Tal qual estamos fazendo agora, mas que o foco neste primeiro volume foi essencialmente Parnaíba.”

O Claucio, graças a seu dinamismo, liderança e capacidade de planejamento já havia organizado Versania – Coletânea Poética, de 2017. Essa obra enfeixou 22 poetas, que estrearam nas páginas de O Piaguí, ao longo de 10 anos. Ela teve uma segunda edição, com o mesmo conteúdo da primeira, porém com revisão mais aprimorada e capa alternativa.

Parafraseando o que se disse outrora do grande educador Anísio Teixeira, eu diria que o Claucio Ciarlini, pelo seu dinamismo e espírito empreendedor, pela sua notável vontade de realizar, de promover a edição de livros, é um intelectual que pensa também com as mãos.

ANJO DA GUARDA

MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO

          Os anjos são figurinhas lindas de cabelos enrolados, vestes brancas, alguns papudinhos com uma auréola reluzente na cabeça. Desde cedo passamos a admirá-los quando aprendemos a oração: “Meu Anjo da Guarda, meu bom protetor, guardai minha alma para Nosso Senhor”.

O tempo passa, a gente cresce, e esquece de rezar para nosso Anjo. E nem sequer nos damos conta que foi Ele que nos livrou de ser atropelada naquela esquina, Ele nos protegeu daquele malfeitor que queria assaltar a nossa bolsa e de muitos outros perigos.

          Fiquei a meditar de como as pessoas dão trabalho aos seus Anjos da Guarda. Os bêbados por exemplo, escapam de tantas coisas graças ao seu protetor. E imaginei que se existe alguém que deve ser bem remunerado é o Anjo da Guarda. Quanto trabalho damos a Ele arriscando nossas vidas, nesses esportes radicais e em outros momentos que, por descuido, nos pomos em perigo. Seja dia ou seja noite estamos protegidos pelo nosso defensor.

          Cada um de nós tem seu Anjo da Guarda e eu fico a imaginar como é o meu. Acredito que muito fofinho e ligeiro para me acompanhar em todas as minhas idas e vindas, correndo sempre. E quando eu vou dormir penso que ele está do lado da minha cama zelando pelo meu sono e sonhos.

          Continuando minha reflexão cheguei à conclusão que na nossa vida temos também anjos reais. Pessoas que estão sempre do nosso lado na alegria e na tristeza, enxugando as lágrimas quando elas molham o rosto, aplaudindo o nosso sucesso, mostrando o certo e o errado.

          O Anjo da Guarda não se cansa, não dorme, sempre atento aos nosso passos. Os Anjos, criado por Deus, são espíritos puros, estão próximos a nós, convivem conosco e são mensageiros entre o céu e a terra.

          Mas no céu tem hierarquia e organização. Assim, existem os Anjos, os Arcanjos, os Serafins e os Querubins. Arcanjo significa Anjo Principal, o mais importante na hierarquia divina. Os Serafins e os Querubins pertencem a primeira esfera da hierarquia angelical.

          Voltando ao Anjo da Guarda, como é gratificante tê-lo ao nosso lado, sempre. Sentimo-nos mais seguros com sua proteção. Devemos reconhecer sua importância e agradecer tanto aos anjos do céu como aos da terra porque sua missão é bela e árdua. Porém, apesar de tudo, não é bom exagerar nas nossas atitudes, não sabemos a idade de nosso anjo, as forças que ele tem, se é gordinho, se careca e se tem muita resistência. Por isso vai a dica:   

        “Não corra mais do que seu anjo possa lhe acompanhar”.

             Você já pensou em ser Anjo da Guarda de alguém?