LOUCA LOUCURA

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MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
DO LIVRO “O QUINTO” INÉDITO

               Dizem que de louco todos nós temos um pouco. Nunca deixamos porém a loucura florescer. Existem regras, ética, educação que nos poda, incubando a doce loucura que vaga por ai. Não diga palavrões, cumprimente as pessoas, sente corretamente à mesa, seja pontual, não falte ao trabalho, parabenize as pessoas, peça desculpas.

                   E assim temos que sorrir para fulano quando gostaríamos de fazer careta, temos que calçar o sapato alto quando desejaríamos estar descalços. Por que não posso lambuzar-me de sorvete? Andar pelas ruas sem lenço e sem documento? Cruzar as pernas no banco da praça e curtir o vento beijando o rosto, assanhando os cabelos?

                       E o dia de loucura aconteceu. Era um fim de tarde. Vesti uma roupa velha, longa, tirei os sapatos e sai sem destino. Sem nome e sem sobrenome. Cantava à meia altura, mesmo sem voz. Abri meus braços como se quisesse abraçar o mundo. Comi pipoca, soltei pipa na praia. Saboreei cachorro quente sem remorso de engordar. Conversei com desconhecidos. Faltei compromissos sem arrependimento. Fiz bolinhas de sabão, pulei amarelinha. Livre, leve e solta. Envolvida na vertigem da alegria e experimentando sensações excitantes.

               A tarde caia e vi o pôr do sol. Aplaudi o seu recolhimento. A noite chegou. Contei as estrelas do céu sem medo de nascer verrugas. Fitei a lua. Por que não dormir na praia? Embrulhada na areia fina. E já fazia planos para o dia seguinte. Acordarei junto com o sol. Vou surfar nas ondas do mar. Andarei a cavalo. Dançarei todos os ritmos. Não me incomodarei com os olhares de censura. Só os loucos e as crianças experimentam essa liberdade, sem medo de críticas, sem querer saber o que pensam os outros.

              E chegou o outro dia. O lençol que me embrulhava era de seda. A agenda estava do meu lado com muitos compromissos. O café foi light. E me vesti elegantemente para trabalhar. Dei bom dia a velha chata que gosta de mexericar. Pedi licença para ultrapassar a senhora que andava devagar com as criancinhas. Desculpei-me  por ter esbarrado no senhor que estava a minha frente. Tudo continuava igual. O dia de loucura foi um sonho. Voltei a realidade. A responsabilidade. O sonho foi bom. Valeu a pena!

          Quiçá outros sonhos loucos apareçam em minhas noites quando deixar cair na cama o corpo cansado de um dia de labuta engessado de tantas rotinas e de tantas regras.

              É a vida que apesar de tudo é bonita!

11.08.2020

O SILÊNCIO

dilma vermelho

MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
DO LIVRO “O QUINTO”  – INÉDITO

    No silêncio da noite eu procuro o barulho.
O vento sopra
As folhas das árvores sussurram
As estrelas estão caladas
Ao longe o cachorro late
É hora de meditar
De encontrar a paz.

             Difícil conseguir acalmar os nossos próprios barulhos. Mas todos dormem e precisamos calar respeitando o sono dos que sonham, dos que repousam. Corpo inerte, músculos inativos.

          Escuto o silêncio, a calmaria da noite. Ninguém fala, nenhum carro passa e nenhuma moto se atreve a quebrar o sossego.

          Os anjos estão guardando a noite, desceram do céu para velar aqueles que descansam, protegem os lares, as famílias.

          O silêncio me leva a conversar comigo mesma, inspira-me, ouço a voz calada da noite, que acalma qualquer alma e instiga qualquer poeta. Leio agora o silêncio na visão de Padre Fábio de Melo.

“Na palavra, a comunicação se realiza. No silêncio, ela se completa. Pois a compreensão se concretiza a partir do silêncio. Há poder em ambos e a sabedoria é usar bem esses dois tempos da comunicação.
Dentro de uma composição as pausas são tão importantes quanto os sons. Uma boa orquestra é aquela que executa bem as dinâmicas das pausas e das continuidades. Mesmo no silêncio da pausa a canção continua…”

            E eu escuto uma canção sem que ela exista de fato. Devaneio, fantasia, imaginação. Medito. A quietude faz com que eu me encontre com o meu eu. O silêncio é luxo e eu me usufruo dele nesse momento único. Desplugada da tecnologia, desconectada como o mundo aproveito esse instante e busco o equilíbrio, a calmaria.

          O sono chega. Pestano. É a minha vez de recolher. Calma, tranquila, equilibrada, pela paz do silêncio. Não tarda o sol aparecer, os pássaros despertarem alegrando com suas sinfonias. O dia, a vida voltando ao normal. O barulho retomando ao seu posto. Faz parte.

          Mas sempre é possível um contato com o silêncio em qualquer lugar que estivermos. Basta ter vontade e disciplina.

         11.08.2020