MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
DO LIVRO “O QUINTO” INÉDITO
A expectativa de vida saudável tem se prolongado bastante. Pessoas com mais de oitenta anos são independentes, frequentam academias, festinhas, dirigem, navegam na internet, viajam e são mais felizes.
Seu João, no entanto, não acompanhou as mudanças. Ainda nem chegou aos oitenta anos mas não evoluiu com o tempo. Não gosta de vida agitada por isso mesmo nem às compras costuma ir. Prepara sempre uma notinha e pede para sua esposa comprar quando ela vai ao supermercado ou ao comércio.
Muitas vezes ela volta sem atender o pedido do marido e ele fica irritado. Não acredito que você não encontrou o que eu queria, diz ele. Apenas três itens e você não conseguiu cumprir, reclama.
Outro dia ele saiu todo pronto com a listinha no bolso e pensando lá com os botões dele, vou mostrar que ela não sabe procurar as coisas.
Primeiro foi na papelaria. A moça muito educada foi atendê-lo e ele ficou apalpando os bolsos procurando a nota sem encontrar. A atendente disse: melhor fazer a lista de compras no celular, não tem perigo de perder. Seu João ficou mais aborrecido e disse: eu me lembro o que vim comprar. Envelope de cartas. A moça prontamente trouxe de todos os tamanhos. Ele foi logo dizendo: esses envelopes brancos são para cartão de natal, convite, eu quero envelope para carta, aqueles que tem a borda amarela e verde. Ah! Desse não temos, faz tempo. Tudo bem, disse ele.
Encontrou o papel que procurava no bolso e foi para o segundo item da listagem. Entrou em uma loja de material de construção e perguntou ao vendedor. Você tem porta carta? Pois não, e foi buscar um velho e já meio enferrujado. O que é isso rapaz, resmungou o comprador, eu quero um novinho. Que pena esse é o último. E quando chegará um modelo novo? Meu senhor, não fizemos pedido porque esse material está em desuso, ninguém manda mais carta. Mas serve também para pôr jornal. O jornal agora é on-line. Tá bom, disse o cliente.
Riscou da nota envelope e porta carta. Próximo item máquina fotográfica. Adentrou na loja e o atendente muito solicito mostrou vários tipos de máquinas fotográficas profissionais. Seu João explicou, não eu quero uma Kodak pequeninha. Ah! Não temos, mas hoje o celular resolve seu intento, Lá vem de novo as modernidades, pensou ele.
Já chateado porque não conseguiu cumprir sua lista, pensou: vou agora é comprar um bom livro para refrescar minha cabeça. Entrou na livraria e perguntou:
– Vocês tem o livro o Jeito Harvard De Ser Feliz?
– Temos não, acabou.
– Tem previsão de chegar?
– Não vamos mais pedir, mas você pode baixar na internet.
Com essa ele resolveu voltar para casa e de mãos vazias. Antes que sua esposa perguntasse algo foi logo adiantando: esse comércio não presta, não tem nada, deixa o cliente zangado.
Ela disse: já que você chegou cedo por que você não vai arrumar aquele seu armário e aproveita para jogar algumas coisas fora? Seu João abriu o armário e ficou olhando para a caixa de giz, as transparências que usava no retroprojetor, uma almofada e tinta para carimbo, caixa de filmes para máquina fotográfica, de doze poses, vinte poses, fita para máquina de datilografia, caixas de papel carbono, papel almaço e outras coisinhas em desuso.
Se ele jogou fora, só sabe Deus!