
Leituras Compartilhadas de Rosa dos Ventos Gerais de Elmar Carvalho
Data: 05/09/2020, às 16H00
Sala: 714 1906 3497
Senha: mxYW0E
Endereço: https://us04web.zoom.us/j/71419063497?pwd=UFZkV1QwQmVQQW5Wazd6L1lkNzRMdz09
Leituras Compartilhadas de Rosa dos Ventos Gerais de Elmar Carvalho
Data: 05/09/2020, às 16H00
Sala: 714 1906 3497
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MARIA DILMA PONTE DE BRITO DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
Manias todo mundo tem. E eu tenho várias, como por exemplo, acordar, pular da cama e abrir a janela. Fico apreciando a natureza, ouvindo o cantar dos pássaros, o barulho dos carros, as vozes das pessoas que passam na rua. Agradeço a Deus por ter saído da cama com meus próprios pés, por enxergar o sol, as plantas e escutar o dia com seus ruídos matinais. Daí vou para meu jardim.
Uma outra mania, conversar com as plantas. Visto-me com roupa apropriada, ponho luva, máscara, calço o chinelo adequado e adentro entre árvores, jarros e cestas. Fico feliz ao ver a flor desabrochar e quando chego perto do jarro de folhas amareladas, a planta reclama: minhas raízes estão apertadas, não consigo respirar. Tento acalmá-la enquanto faço a muda do jarro para o chão. Ela me agradece agora folgada, livre e com muito espaço. Colho acerola, pitanga, sapoti, caju, jabuticaba, manga, tudo no seu tempo.
E volto à rotina. O banho, o café, afazeres domésticos, obrigações do trabalho, até que chegue a hora do almoço. Depois desse momento familiar ao redor da mesa, vem outra mania. O sono da beleza. Caio pesada na cama, braço para um lado, pernas para o outro, relaxamento, momento esse que dura entre quinze a vinte minutos. Acordo cheio de vigor para continuar a labuta do dia a dia.
Chega a hora da Ave Maria. Mais uma mania.Vou para o meu canto onde passo a fazer parte da natureza que Deus criou em sete dias. Converso com o Pai e Ele me diz: seja mais solidária, ensine o que você sabe, o crochê, o bordado, porque muitas pessoas precisam aprender trabalhar com as mãos para melhorar a cabeça, outras não sabem escrever o nome e nem ler a placa do ônibus que destina a um bairro, ministre palestras, convide alguém para tomar café com você simplesmente para ouvi-la. E eu questiono: Senhor, mostra-me o caminho para essas ações. No dia seguinte no salão a manicure confessa que não sabe escrever o nome, no meu whatsApp alguém me convida para uma palestra. E eu encontro a resposta.
Esperar o cair da tarde para meditar e aguardar a chegada da lua é uma outra mania. Primeiro vem uma estrela, a mais brilhante de todas do firmamento. Depois chega a lua. Agora ela está quebrada e se põe ao lado da estrela reluzente. Chega mais uma estrela, mais outra, até o céu ficar bordado de pontinhos piscando.
Hora de ceia noturna, reunião de família novamente, depois bate-papo, aconchego, até quando todos se recolhem. E eu permaneço acordada. Sigo para cumprir mais uma mania.
Tudo é silêncio. Convida para reflexão. Eu, a imaginação e o computador, os únicos acordados, formamos um triângulo amoroso. As ideias vão surgindo os dedos digitando, o word registrando. Sai um texto, uma crônica ou uma poesia. O sono vai chegando sorrateiramente. Bocejo, pestano, cochilo em cima do teclado, até ele me dominar. Rendo-me, e caio na cama, nos braços de Morfeu.
NÓS
Wilton
Se dos lábios abertos:
beijos, sussurros, prazer…
no velar de cada canto,
que são os teus desvelos
e sonho e vida e
tudo em que te desmanchas
nua…
lua, clara lua,
face rubra,
nós, no ímpeto voraz,
deuses sem hora,
rito acelerado,
no endiabrado encontro soante
de duas almas,
que de duas são uma,
no perfeito sentido em que os sentido
são um só sentido,
no tanto sentir.
O vídeo abaixo traz a participação do poeta e acadêmico Elmar Carvalho em uma live ocorrida recentemente com a participação de poetas e magistrados. Vejam o vídeo da participação de Elmar:
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES DE SOUSA
Homem de coragem é o que não falta nesse mundo. Pelo menos é o que diz a maioria deles. Todo pescador é ousado e valente. Enfrenta tempestade, tubarões e ainda visões do além. O sexo masculino é adestrado para ser destemido e está pronto para enfrentar qualquer situação, até no braço se for preciso.
Se bem pensarmos a mulher também sempre demonstrou bravura em toda a história da humanidade, embora esse título seja taxado mais para os homens. Basta lembrar de Anita Garibaldi (1821-1849) que participou de movimentos políticos, Jona D´Arc (1412-1431), foi uma guerreira francesa, liderando tropas na Guerra dos Cem anos, conflito entre a França e a Inglaterra, Maria Quitéria (1729-1853) combatente baiana da guerra da independência do Brasil.
A coragem além da valentia é também firmeza, energia para enfrentar desafios, sabedoria para lidar com dificuldades, é manter-se honesto diante das tentações, é sair do comodismo, da zona de conforto para fazer o bem, enfrentar o mal, ser solidário e agir de forma cristã.
O enfrentamento de nós mesmos, procurando melhorar as nossas imperfeições são exemplo de coragem. É difícil reconhecer os nossos erros, mas quando isso acontece é um exemplo de superação e de destemor.
Feliz do criatura que tem a humildade de pedir perdão, de reconhecer seus erros, de libertar-se da vaidade, do egoísmo. Nada disso precisa de força, de fúria e nem de vigor, mas sim de coragem, na expressão da palavras, ou seja, precisa-se sim, de brio e de grandeza de espírito. Como dizia Napoleão Bonaparte, a bravura provem do sangue, a coragem do pensamento,
Para Nelson Mandela, a coragem não é ausência de medo, mas o triunfo sobre ela. Assim, o homem tem que ter coragem para ser diferente, se opondo a unanimidade quando preciso for, e dispondo-se a sonhar aquele sonho que parece impossível.
E há quem diga ainda, “que é preciso mais coragem para vencer a si mesmo do que para vencer os outros”.
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
Após contraírem matrimonio os jovens nubentes foram residir numa casinha nova com poucos móveis e sem nenhum treco. Uma casa enxuta, podemos assim dizer. Foi muito prazeroso plantar as sementes e ver as árvores crescerem. Foram quatorze anos, tempo para colher os frutos. O quintal que era beijado pelo sol agora estava sombreado pelas árvores frutíferas.
Com o passar do tempo a casa ficou apertada e sem espaço. Cheia de móveis. Nas paredes quadros e fotos se espalhavam em toda sua extensão. E os pertences foram se aglomerando por quase uma década e meia. Cada objeto tinha sua história e o seu valor. Tentaram diminuir toda aquela parafernália várias vezes por ocasião de faxina. Jogavam uma porção de coisas no lixo e depois retornavam uma a uma. Não tinha jeito. A casa estava cada vez mais minúscula. Apertada mesmo.
E assim, o casal construiu uma casa grande, ampla, onde teriam melhor qualidade de vida. Combinaram que nada levariam da casa velha. Começariam do zero como no início do casamento. Era a hora de desapegar.
A nova casa ficou pronta. Hora da mudança. Deixar para traz tantas coisas, muitas histórias, belas recordações não era fácil. Mas a vida é feita de ciclos. É preciso saber quando uma etapa acaba e permitir que ela se encerre. Assim foram se desfazendo daquilo que era menos importante. Aquela cômoda linda do quarto presentearam a um velho amigo. Ele queria muito. Ficou feliz com o presente, e saber que ela estava em boas mãos confortava o casal. Venderam algumas coisas. Na medida das negociações o sentimento de saudade amenizava com a alegria das pessoas que se mostravam contentes com a aquisição. Pensando assim ficou mais fácil a separação.
E chegaram na casa nova mais leves. O mais importante levaram, a amizade dos antigos vizinhos, por exemplo. Isso permaneceria para sempre.
Essa mudança foi uma lição de vida inestimável para eles. Desapegar de bens materiais muitas vezes é necessário. Adquirir novamente outros é possível a qualquer hora e em qualquer tempo. É preciso criar espaço, desafogar. Além do que, nada que deixaram para trás lhes fez falta, e foram valiosos para aqueles que adquiriram.
Essencial mesmo é guardar sentimentos, carinho e afeto das pessoas. Isso é de fato o que devemos conservar nas nossas vidas.
Praticar o desapego não significa abrir mão de tudo o que é importante para nós, mas sim de se libertar do excesso que nos prende. É permitir que uma nova etapa inicie em nossa vida. O fundamental é o que levamos na alma e no coração. O resto é bagagem que pesa. Precisamos de leveza.
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS APAL CADEIRA 28
PATRONO: LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE: HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
Somos seletivo ao escutar. Gostamos de ouvir o barulho do mar, o ruído do vento, músicas suaves, palavras carinhosas. Ouvimos o que gostamos e o que nos dá prazer. Ouvimos o silêncio quando meditamos e a voz do coração quando amamos.
Ouvimos quem não fala. As plantas por exemplo, quantos conversam com elas. Os animais se comunicam com seus donos e estes entendem o latido do seu cão, o miado do seu gato. Sabem quando estão com fome, quando pedem carinho, porque aprenderam a ouvir além das palavras.
Ouvir não é o bastante, é preciso escutar. Ouvir está relacionado com a audição, Muitas vezes ouvimos, mas não escutamos. Porque somos seletivos. Ao assistir uma palestra escutamos enquanto o assunto nos interessa, depois o pensamento devaneia e ouve-se, mas não mais se escuta.
O silêncio guarda seus ensinamentos. O sábio aprende ouvindo. Saber ouvir é uma habilidade que faz compreender as pessoas além da face, dos gestos e de seu exterior. E assim, penetrando no íntimo das criaturas, compreendemos o seu mau humor, a sua apatia e, ao invés de criticar, podemos apoiar quem precisa.
O ouvir é a arte de escutar sem fazer julgamento. É uma espécie de acolhimento em que dedicamos parte do tempo a alguém. Muitas pessoas precisam ser ouvidas, os idosos especialmente, as crianças, também necessitam que os adultos se desapeguem de seus celulares para que lhes dispensem atenção, o que significa consideração, respeito, empatia e amor.
Ouvir a palavra de Deus abre para nós um caminho de muita luz e sabedoria. Segundo Santo Agostinho “escutar a palavra de Deus é como alimentar-se de Cristo”, ou seja, do bem, da fé, de humanidade.
O bom ouvinte tem toda probabilidade de se tornar um bom líder, um bom negociador, um bom cristão, um bom amigo. Saber ouvir é um gesto de humildade porque nos permitimos calar para dar voz a quem fala.
Aprendemos a falar desde muito cedo, mas muitas vezes morremos sem aprender a ouvir. É preciso discernir a hora certa de falar e de ouvir. Há tempo de ouvir, de falar e de aprender.
William Shakespeare em sua sã sabedoria advertia: “Dê as pessoas seus ouvidos, mas a poucos a sua voz”.
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA
Na hora da Ave Maria, no último instante do dia, o sol vai desaparecendo e começa a escurecer. Esse é o momento em que as aves cessam o seu canto. Recolhem-se em seus ninhos. Os homens retornam do trabalho. A dona de casa deixa seus afazeres para rezar. Muitos oram. Eu medito.
Fico acompanhando o mistério da vida. Ora dia. Ora noite. O silêncio. Parece que no céu também tem calmaria para Deus escutar as orações que vem da terra. E nesse momento místico fico refletindo sobre a importância da “Palavra”.
Palavras doces são bem-vindas. Acalmam a alma. Sossegam o espírito. Acariciam o nosso “ego”. Palavras de conforto no momento de dor, são balsamo, aliviam o sofrimento, incentivam, motivam, dando ânimo para voltar a vida com mais segurança e até alegria.
É preciso medir as palavras, pensar bem ao se comunicar, porque elas também magoam, ferem, desestabilizam e provocam lágrimas. Algumas maltratam, são amargas, cruéis, de rancor, de ódio e tem aquelas que consolam, trazem paz e amor.
A palavra da experiência é fruto de vivência, de conhecimentos e merece ser acatada e respeitada. O homem de palavra é aquele que honra seus compromissos, que cumpre o que prometeu e sua palavra vale mais que uma assinatura.
A palavra de Deus está na Bíblia. Merece ser lida, interpretada e seguida: “em verdade, em verdade vos digo, que se alguém guardar as minhas palavras, nunca verá a morte”.
Morte que nos cala, que nos deixa sem palavras. Em silêncio eterno. E muitos não souberam usar dela, partiram sem oferecer uma palavra amiga, de conforto, de gratidão ou de esperança.
Deus nos deu o dom da palavra, da comunicação e fazer o bom uso dessa dádiva é o nosso dever. E tantas são as palavras bonitas, de sabedoria, de agradecimento, de afeto.
Digo obrigada, eu te amo, você está lindo, perdoe-me, por favor. Palavras assim soam como música e os anjos aplaudem do céu.
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO PIAUÍ APAL CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE TELES MACHADO DE SOUSA
O vento é o ar em movimento no espaço sideral. E eu aqui sentada na minha varanda observo ele varrendo as folhas que ele mesmo derruba das árvores e das buganvília. Primeiro ele sacode as árvores, depois o chão fica colorido das folhas e flores e finalmente vem o furacão varrendo tudo e amontoando nos cantos do jardim.
Ele vem andando de mansinho após o inverno. No oitavo mês do ano ele corre, agita, assopra, levando tudo que está à sua frente. Quando anoitece ele vira brisa. Sereno, calmo, beija minha face, acaricia meus cabelos, murmura ao meu ouvido e eu gosto de sentir esse carinho e afeto que ele a mim dispensa. De dia é um menino rebelde, inquieto, teimoso, à noite é suave e doce.
O vento, mesmo rebelde derrubando os meus jarros, sujando as ruas arrastando o lixo, fazendo voar sacolas pelos ares, agitando as ondas do mar, assanhando os cabelos das mulheres ainda é melhor que o calor. E ele é útil.
A sua força se transforma em energia. Por meio de equipamentos específicos o vento pode ser transformado em energia cinética.
Eu aproveito esse tempo de ventania para soltar pipa na praia. O vento manda na linha. Eleva para o alto a pipa que na minha visão fica minúscula. Depois ele diminui a velocidade, ela vem descendo, crescendo, voltando ao seu tamanho natural. Sinto-me rejuvenescida com essa brincadeira maravilhosa que já virou até esportes em certos lugares. No Amazonas tem até campeonato com regulamento rígido. A pratica tem que ser em locais abertos, longe da rede elétrica e não pode usar cerol.
O vento dá asas para quem não tem. Voa o invólucro da bala. Voa a folha de papel. Voam até as palavras … palavras ao vento. Ele leva tudo ou quase tudo; porque ele não leva a tristeza e nem a decepção. E o vento tem também o seu lado não agradável, o ciclone. Massa do ar em movimento giratório provocado pela convergência do vento, traz chuvas fortes e pesadas, provocando deslizamento, derrubando árvores, levando telhados e trazendo grandes prejuízos.
O vento bom, refresca, balança as palhas do coqueiro, encrespas as ondas do mar, assovia no telhado e chama até a lua para a gente “espiar”.
Por Pádua Marques
De longe e perto da porta de entrada seu Miguel Ferreira ficou olhando o movimento de casais de namorados e maridos levando suas mulheres pra mais aquela sessão de cinema no Edén, mas sem desgrudar os olhos de cinco sujeitos que desde cedo estavam rondando pelas calçadas das casas comerciais vizinhas da praça da matriz em Parnaíba. Eram eles, Raimundo Celestino, o Mundico das Vassouras, Vicente Moeda, Dominguinho, Natim da Burra e Nereu da Coroa.
Era um sábado daquele outubro de 1937, dia de boa bilheteria e pelo visto eles estavam num pé e noutro prontos pra entrar no cinema, talvez até sem pagar o bilhete. Mas os olhos e os ouvidos do sírio Miguel Carcamano estavam bem abertos pra tudo que era canto. Aquilo não era certo, tendo que ficar de cuidado porque aqueles sujeitos andavam, fazia tempo, tentando invadir seu negócio. O primeiro era Raimundo Celestino, o Mundico das Vassouras.
Mundico das Vassouras, nascido nos Morros da Mariana, queria ter dinheiro pra um dia ir ao Cine Éden, todo com a melhor roupa, um paletó ganho de gente rica, calçado de sapatos e com um lenço no bolso, feito seu James Clark. Achava bonito todos aqueles homens importantes de Parnaíba, andando pela praça da matriz, todos bem vestidos, sapatos lustrados. Quando vendia suas vassouras de palha de carnaúba, costumava, dependendo da cara do freguês, aumentar o preço.
Outro que não saiu dos olhos de Miguel Carcamano foi Vicente Moeda. Era engraxate ali perto da firma de seu Celso Nunes, no canto na praça da matriz, perto do Banco do Brasil. E que dizia pra todo mundo ouvir, desde o comércio de seu Bembém, desde a Duque de Caxias até o Mercado Central, que seu maior desejo era um dia engraxar de graça os sapatos de doutor Mirócles Veras, o prefeito. E de um dia comer galinha assada. Rico, na sua cabeça, só devia comer galinha assada. Tinha um sestro, o de viver rangendo os dentes. Aquilo deixava muito freguês incomodado.
Mais lá na frente, perto do coreto e no meio da praça, estava um rapazinho branco, sujo, de olhos remelentos, amparado por uma muleta por causa do pé esquerdo tordo pra dentro, vestido de calça de mescla e de camisa de botões, muito curta, quase deixando a barriga de fora. Domingos, o Dominguinho, não tinha família, veio numa caravana de cearenses e entrou em Parnaíba vindo pelo Camocim.
Um dia quis ir conhecer o Campo de Aviação do Catanduvas. Foi de trem e no meio de tarde, sol quente. Em lá chegando, no meio daquela multidão de gente, ele aleijado, foi empurrado pra cá e pra lá, se largou no chão e acabou todo mijado. Vivia de fazer um mandado pra um e outro entre a praça e o mercado e era quando ganhava alguma moeda. Dinheiro que gastava comprando cigarro. Mas muita gente tinha Domingos com o defeito de pegar no alheio.
Outro que estava na lista de Miguel Ferreira naquela boca de noite era Natim da Burra, sonso, voz fanha, um botador de água, nascido no Labino. Raimundo Nonato da Assunção gostava de aos sábados e domingos, bolso cheio, andar perfumado. Dizia que era pra ser aceito pelas mulheres da vida na Coroa e dos Tucuns. Um dia foi preso a mando de Ademar Neves porque achou de acordar todos os doentes da Santa Casa de Misericórdia, altas horas, quando passou raspando os tamancos na parede. Passou dois dias dormindo naquele inferno de delegacia nos Tucuns e dando sangue pra muriçocas. Foi solto a pedido de dona Genésia, uma mulher da alta sociedade.
Mas de todos os anarquistas, arruaceiros, vagabundos e sem origem e que estavam empestando a praça da Graça e prontos pra invadir o Cine Éden naquela noite, o pior deles era Nereu. Sujeito de seus vinte e dois anos, parrudo, nem branco e nem negro, sempre de faca curta embainhada por dento da calça. Diziam uns que havia matado um homem, coisa de uns sete anos, ainda quase menino, pra os lados da Coroa, por causa de uma aposta de jogo de damas e tendo mulher pelo meio. Mas era coisa negada por outros.
Miguel Carcamano não queria sonhar com Nereu da Coroa, aquele rapaz mal encarado e que tinha como desejo um dia trabalhar numa padaria pra comer pão quentinho toda hora, até ficar empanzinado. Iria tomar garapa de cana no Mercado Central ou lá pra os lados de seu Bembém. Nereu, quando não tinha ninguém por perto e todo mundo já estando dentro do cinema, vinha e mijava no canto da parede só por perversidade de zangar o sírio. O dono do cinema reclamava, xingava, ameaçava polícia, até chamar doutor Mirócles queria.