DO AVESSO

 

DSC00194
Zuenir Ventura – Academia Brasileira de Letras

MARIA DILMA PONTE DE BRITO
ACADEMIA PARNAIBANA DE LETRAS – CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1 º OCUPANTE HUMBERTO TELES DE MACHADO DE SOUSA
LIVRO “O QUINTO” INÉDITO         

       O vestido era lindo exibido no cabide a espera de sua dona.  Todo o cuidado era pouco para não amarrotar. Estava bem passado e cheiroso. A cor era bela, os cortes eram perfeitos. Os adornos combinando com o conjunto. Quem vestiria esse modelito? Quem? Alguém tão bela como a veste. Elegante, cabelos escovados, pele de seda, sorriso perfeito. Um combinava com o outro.

          O avesso. O problema era o reverso. O vestido por dentro estava cheio de fiapos, não tinha arremate, tecido sobrando para todo lado, ninguém fez os devidos recortes das sobras, as costuras não estavam alinhadas, pontos soltos. Um horror!

          A dona do vestido por dentro também não era bela. Faltava amor, alegria, paz, afeto, empatia e caráter. Ambos combinavam, o vestido e a dona, eram somente aparências. E quantas vezes as aparências nos enganam.

          É preciso valorizar a essência. O que os olhos veem é apenas uma capa. Por detrás dela muitas coisas precisam ser vistas, Não basta olhar é preciso ver com profundidade.

          Comumente julgamos as pessoas pelas roupas que vestem, pelos lugares que frequentam, suas companhias, profissão que abraça. Se tem tatuagem ou se tem algum vício. Esquecendo que cada pessoa é única, com sua personalidade, com seu jeito de ser. Para compreender bem o outro é necessário romper a barreira da aparência e ir além do que se vê por fora.

          Quem é belo de fato, é por dentro. Na verdade quem é bonito por dentro nem é preciso ser por fora porque o seu brilho interior transcende do íntimo, do eu, dando uma aura reluzente, resplandecendo. E o todo fica belo.

          É preciso desvendar o véu, descobrir o que está por trás. Nem tudo que parece é. Descobrir o que não está à mostra, o que está no anverso não é tão simples assim.

          No mundo em que se valoriza tanto a aparência compra-se gato por lebre. Adquire-se um produto pensando que é uma coisa que não é, ou seja somos ludibriado a todo instante.

          O vestido pode ser belo no cabide a dona dele pode ter feito todas as plásticas possíveis para melhorar a apresentação mas o que está por dentro é o que de fato importa. A propósito, li não sei onde, dito por não sei quem, uma frase que cabe aqui, encerrando o meu pensamento.

          “Quem vive de aparências sempre vai depender da visão dos outros, sem ter a capacidade de construir a própria essência”.     

       

 

ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO

jose_rocha_gran

ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO

Elmar Carvalho

Lendo a excelente entrevista do ex-governador Rocha Furtado, concedida ao historiador Manuel Domingos Neto, contida no seu livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, admirei-me da severidade com que o entrevistado se referiu ao monsenhor Lindolfo Uchoa (Pedro II, 1884 – Teresina, 1966), que sempre foi considerado um dos grandes beneméritos da Educação no Piauí.

Foi vigário de Barras nos períodos de 1925 a 1941 e 1942 a 1957. Nessa cidade, em 1954, com a ajuda de irmãs da Ordem Mercedária do Brasil, fundou a Escola São Pedro Nolasco e o Patronato Monsenhor Bozon, assim como em Floriano fundou e dirigiu o Colégio “24 de Fevereiro”.

Vejamos o que sobre ele diz o historiador Wilson Carvalho Gonçalves: “Nele sobressaía também o educador, e nesta qualidade criou e dirigiu, por dez anos, o Colégio “24 de Fevereiro” – famoso em Floriano, e que preparou para a vida a juventude do tempo, dando-lhe estrutura moral, religiosa e intelectual. Gratíssima à notável obra, a Princesa do Sul nunca pode esquecer o gesto de benemerência de Monsenhor Uchoa – e lhe reverencia a memória com o nome aureolado em rua, em estádio, em grêmio escolar, em biblioteca, em estabelecimento de ensino, zelando a majestade de um patrimônio inesgotável de exemplos dignificantes”.

Cotejemos agora o que diz Rocha Furtado, referindo-se ao monsenhor e a seu educandário de Floriano:

“Aquele colégio era mais um campo de concentração do que um colégio. Nunca passei tanta fome e nunca pensei que um jovem adolescente pudesse ter tanta resistência para passar um ano comendo tão miseravelmente. Forçados pela fome, arrancávamos raízes de umbu e comíamos. O padre Lindolfo Uchoa, muito injustamente, é considerado um grande educador no Piauí. Ele não tinha a mínima noção do que fosse educador! (…) Várias vezes deixei de comer porque vinha bicho no prato e quem ia ser garçom tinha o direito de comer da comida do padre. Ele tinha uma mesa separada e comia as melhores iguarias. Os que iam servir-lhe tinham esse direito”.

Na entrevista, Rocha Furtado conta que todo mês eram abertas inscrições para quem quisesse disputar o cobiçado lugar de garçom da mesa do padre Uchoa, mas que ele e seu irmão Antônio sempre se recusaram a participar dessa disputa, que consideravam coisa de escravo. No depoimento, afirma que no ano em que foi interno desse colégio, em Floriano, só comeu bem no dia 7 de setembro de 1922, quando foi convidado a almoçar na casa do doutor Fernando Marques, uma vez que, “durante o resto do ano, passamos fome, vendo nos servir paneladas podres e as coisas mais abjetas”.

Entretanto, perguntado sobre se aproveitara alguma coisa no colégio do padre Uchoa, respondeu que os professores eram bons; que não tinha a menor ressalva quanto a isso; que ele e seus colegas aprenderam bastante e que foi um tempo muito útil para todos.

Faz elogios rasgados ao padre Cirilo Chaves, em cujo colégio estudou no ano seguinte (1923), dizendo que este era o tipo do educador, “um homem profundamente humano, democrata, agradável, honesto e sóbrio”. De quebra, ainda acrescentou que a comida do padre Cirilo, então suspenso da ordem, era bem superior à fornecida por Uchoa, e que Cirilo comia da mesma comida que era dada aos discípulos, “numa atitude democrática, de educador”.

Consultei o professor Roberto Freitas, nascido em 1929, e que estudou em Floriano, a respeito da comida do internato de monsenhor Uchoa, mas ele disse nada ter ouvido falar sobre o assunto, nem de bem nem de mal; aduziu apenas que o vigário foi uma figura ilustre da história da cidade, e que o colégio era respeitado e reconhecido como de boa qualidade, embora de disciplina rigorosa, como era comum na época.

Encerro acrescentando que a História do Piauí tem sido severa com Rocha Furtado, que foi tão implacável com o velho educador. Seu governo é sempre considerado como de poucas realizações, e como um período conturbado e intranquilo, com funcionários públicos aterrorizados com o fantasma de demissões e remoções.

Alega-se, em sua defesa, que ele não tinha maioria na Assembleia Legislativa, e que a oposição lhe criava dificuldades, mormente não aprovando seus projetos. Deixo a palavra final aos doutos e historiadores do Piauí.

8 de maio de 2010

Cronologia Poética (2018): Desumanos Tempos

Sem tíCCCCCCCCCtulo

Quando não mais restar amor nenhum
E o mundo de ódio for estabelecido,
Os anos de escuridão nos farão relembrar
Do tempo em que os valores humanos
Ainda possuíam certa relevância.

Quando não mais restar amor nenhum
E o cristianismo radical for a lei,
Os castigos aos diferentes farão lamentar
Toda uma massa que hoje jaz moribunda
Por promessas nascidas da ignorância

Quando não mais restar amor nenhum
E o vil metal for definitivamente adorado
O brilho intenso e cruel, nos fará enxergar
Os milhares de escravos acorrentados
Presos pelo vicio, destinados à subserviência

Quando não mais restar amor nenhum
E a escolha das formas de se apaixonar for restrita
As perseguições aos hereges farão sangrar
Até mesmo aquele que hoje com os olhos condena
Pois também verá dos seus, a queimar por desobediência

Quando não mais restar amor nenhum
E o ensino novamente nos tornar zumbis,
O angustiante som da palmatória fará clamar
Por dias em que o dialogo seja de novo uma opção
Prevalecendo o lúdico e o afeto, ao invés da violência

Quando não mais restar amor nenhum
Que Deus então nos perdoe,
Pelo esquecimento de tudo que um dia ele pregou.

Claucio Ciarlini (2018)

* Posso dizer que 2018 não foi um ano fácil em termos de saúde. Tanto porque ainda o iniciei buscando equilibrar a Diabetes recém adquirida (através de glicemia dando mais de quase 600 mg/dL quando o normal é de 70 e 99 mg/dL), como pela consequência do tratamento que fez com que outros problemas se agravassem, levando à necessidade de cirurgia e alguns meses preso a uma cama, à base de remédios contra a dor. Todavia, apesar de ter me afastado de diversos trabalhos, o que eu pude produzir em meio à lenta recuperação e com a ajuda de Fábio Bezerra e outros amigos escritores, eu fiz. O Piaguí, por exemplo, não sofreu atraso. A segunda edição de Versania, que com o auxilio precioso dos poetas da obra na parte de revisão, também foi lançada. Além destas realizações em meio à turbulência, recebi uma homenagem do Sesc através de evento da Plataforma Escrever sem Fronteiras e com mediação do amigo e escritor Carvalho Filho, onde foi analisada a minha carreira literária. No cenário nacional/ virtual, pude perceber a vitória de um discurso movido a ódio e de uma valorização exacerbada da Economia em detrimento do ser humano, o que fez com que surgisse o poema Desumanos Tempos.