- Protestos pelo Brasil. Nas ruas, praças e avenidas, o descontentamento. O movimento em prol da Democracia ganha força. 100 mil, que logo se torna muito mais. Em resposta, a ditadura militar aumenta a repressão. E com o Ato Institucional N° 5 lacra de vez quaisquer direitos que ainda restassem de proferir, reclamar. É o governo do calar, obedecer.

Enquanto isso, um jovem sonhador, filho de Parnaíba e ainda alheio aos conturbados acontecimentos, deixa Fortaleza (cidade que morava há dois anos) para continuar os estudos em Salvador, a primeira capital do Brasil. Até então, o que sempre prevalecia na mente deste simpático indivíduo era a paixão pelo futebol, a vontade de se divertir, passear; o apreço pela família e a fé que sempre devotou a todos os Santos e ao Deus do Cristianismo.
Porém, ao chegar à Bahia, começou a perceber que nem tudo na vida era belo, que o mundo de antes, tão divertido, exibiria um universo de caras feias e de momentos imprestáveis. Ele estaria longe da família, tendo que contar, por inúmeras vezes com apenas um: ele próprio. E a fé, de sempre, seria testada, e por vezes até abalada, na medida em que assistia uma sociedade controlada, amordaçada, no passar de cada dia e mês, em que percebia as imperfeições, os perigos, os preconceitos. A hipocrisia em sua mais alta plenitude.
Era a vida batendo forte. E ele tendo que aprender. A fim de não ser nocauteado. E conseguiu. Porém, para entendermos melhor, de onde veio a fé quefez com que Mario Pires Santana, nascido em 1946, sobrevivesse aos inúmeros golpes e rasteiras que a vida lhe proporcionou, é preciso que regressemos à Parnaíba da década de 50, quando ainda garoto, e aos sete anos, acompanhou a mãe numa procissão pela chegada de Nossa Senhora de Fátima:
Era 1953, e me marcou profundamente a Chegada da Santa, as pessoas aguardando com ansiedade… Lembro que eu cheguei a me perder de minha mãe, tamanha era a multidão… Todos muito emocionados.
Com o passar do tempo, e ainda em formação para a vida adulta, ele seria novamente arrebatado por um momento único de fé, quando do evento do Cruzeiro das Santas Missões: Tinha padre de tudo quanto era lugar, confessando na Praça da Graça… Foi impressionante, eu tinha meus treze pra quatorze anos, bonito de ver, acompanhar, a fé de todos… Um acontecimento que serviu para fortalecer a minha crença… Ainda na adolescência, na São Sebastião, eu fiz as nove primeiras sextas feiras do mês, de comunhão e confissão… Se perdesse uma, podia estar na quinta, por qualquer motivo, tinha que recomeçar e eu consegui fazer todas, sem quebrar a corrente.
Tudo isso, hoje, faz parte de sua mais que sensível memória. Assim como guarda no peito os amigos, os momentos incríveis que passou ao lado deles. A companhia prazerosa dos parentes, as preciosas lições repassadas por seu pai e por sua mãe, os filmes que assistiu no Éden, as voltas que deu na Praça da Graça. Uma época de sonhos e de sorriso no rosto, quase sempre.
Bem diferente da realidade desafiadora de Salvador, de onde Mario pôde perceber os inúmeros problemas dos quais sua pátria vivia. Onde esteve, por vezes, bem próximo de celebres nomes da cultura brasileira que atuaram contra o sistema opressor:
Por diversas vezes eu estive há poucos metros de Caetano, Gil e de outros nomes da cultura brasileira (…)
Ao mesmo tempo em que a consciência política de Mario era aflorada, ele foi sendo obrigado a se adaptar ao ambiente de trabalho, que para ele foi tudo, menos favorável:
Eu passei no Concurso para Técnico Químico da Petrobras, e fui trabalhar num laboratório, que, infelizmente, na ocasião, não tinha a segurança que se tem hoje… Trabalhando com produtos perigosos, benzeno, tolueno… Acetona… Destilação de gás em um quartinho apertado… Foram onze anos de sofrimento, que me renderam problemas de saúde… Mas era o meu trabalho, minha responsabilidade, e eu tive que cumprir. Até que, enfim, consegui minha transferência em 85 para Fortaleza, e as coisas melhoraram.
O ano de 1985 marcou o fim da Ditadura e o principio da redemocratização brasileira. Foi o ano em que Mario, enfim, obteve sua transferência, a fim de estar mais próximo de seus parentes e onde ele passaria a trabalhar em melhores condições, mudando de setor.
Não que a Bahia tenha lhe rendido apenas momentos cruéis. A Bahia lhe conduziu à leitura, que por sua vez aguçou seu senso crítico – reflexivo. O que serviu para alimentar o seu lado escritor, que anos depois surgiria com força e coragem. A Bahia lhe rendeu alguns anos na faculdade de Química. E um emprego na Petrobras, que foi seu sustento e de onde se aposentou com todos os méritos em 1997, regressando no ano seguinte à sua amada Parnaíba.

Salvador também lhe deu de presente o amor de toda a vida, a querida Lia, fiel companheira desde os tempos de dificuldade e que foi, por várias vezes, a sua força, quando nos momentos de fraqueza, própria do ser humano, Mario pensou em desistir… Lá estava ela, para lhe mostrar o quão poderia ser forte e continuar.
Da união amorosa, que já se encaminha aos 40 anos de feliz convivência, nasceram as filhas, Marina e Marisa, respectivamente em 78 e 79. Hoje ele já brinca e caduca com os netos, que chegaram para tornar a família ainda mais bela e unida.
Mario é uma dessas raras pessoas que além de ter forte sensibilidade, consegue demonstrar. Sensibilidade que para tantos pode significar fraqueza, e no que rebato: as pessoas mais sensíveis que já encontrei pela vida, foram as que mais conseguiram enfrentar o desconhecido, sofrendo, por vezes, nas mãos do impensável e ainda assim, ao final de cada ciclo de agonia e dor, renasceram ainda melhores e com a humildade e capacidade de amar intactas.
Ele é assim, um ser humano maravilhoso, com qualidades que se sobressaem aos defeitos. Um cidadão consciente de seu papel para com a cidade que tanto admira e que a eterniza, em crônicas belíssimas lançadas nos jornais, livros e páginas da internet. É dessa forma que ele tenta ajudar Parnaíba, terra da qual ele tem um amor, que só cresce com o tempo, desde ainda pequeno, sempre e a cada dia mais. Filho de uma cidade que já foi Gigante em se tratando de comércio, economia, mas que nas últimas cinco décadas vem se tornando cada vez mais frágil e pequena, por razões político – sociais.

Mario é um escritor que diz a verdade, mesmo que ela incomode, pois sabe que é um direito adquirido a duras penas e através do sangue de inúmeros que lutaram para que a Nação se tornasse livre de um governo que durante 21 anos limitou o direito de livre expressão e implantou o medo de questionar. Ele sempre estará disposto a lutar por essa liberdade, do jeito que for preciso, e como diria Belchior: é para isso que se faz o seu braço, o seu lábio e a sua voz.
Claucio Ciarlini (2016)