DIÁRIO – 02/05/2020

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DIÁRIO

[Mascarados e assaltantes]

Elmar Carvalho

02/05/2020

            Hoje, por causa do corona (novo coronavírus), o homem de bem anda mascarado, em estranho e extemporâneo carnaval, sem música, sem alegria, sem dança e sem saracoteios.

            Enquanto isso, os assaltantes, com a sua inata audácia, andam a cometer seus crimes de cara limpa, com a sua cara de pau, em frente às câmeras de monitoramento e de segurança, de celulares ou mesmo de televisão, em plena luz do dia, como se fossem mocinhos e não bandidos. Não raro, são muito sensíveis, nervosos e violentos, muitas vezes sem a menor necessidade, pois a vítima lhes entrega o que exigem, sem opor a menor resistência.

            Outrora, um ladrão tinha vergonha, e só praticava seus furtos e roubos em alta madrugada, no escuro e da maneira mais discreta possível, de modo a não incomodar a vítima.

            Eram verdadeiros e talentosos artistas: eram peritos em escalar muros e paredes, como legítimos “homens-aranha”; sabiam desarmar armadilhas, driblar obstáculos e se esquivar de cachorros. E quase nunca matavam ou espancavam suas vítimas, até mesmo porque faziam tudo para não ter contato com elas.

            Agora, muitos assaltantes são do tipo “ostentação”. Eles mesmos filmam suas “operações” e os “produtos” de seu labor, e exibem o vídeo ou “live” na internet, como se tivessem orgulho de sua atividade, como se fossem os mocinhos de moderno filme de bangue-bangue, em que a vítima passou a ser o bandido.

            Tanto isso é verdade, que eles costumam anunciar o assalto chamando o ofendido de “vagabundo”. E ai do ofendido se se sentir ofendido, e se queixar de alguma coisa ou simplesmente olhar a face do meliante. Será espancado ou morto.

            Oh tempos, oh costumes! Antigamente, apenas Deus não admitia ser olhado em plena face.

De onde vem a inspiração?

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             Aprendi com o escritor Rubem Alves que “ostra feliz não faz pérola”. Compreendi que nas adversidades o homem produz. Daí eu costumo dizer que tudo tem seu lado positivo. É diante da dor, da decepção, do sofrimento, do amor e da paixão que o homem escreve versos, compõe músicas, pinta quadros, escreve livros. Nada na vida acontece por acaso, o segredo é ler nas linhas tortas as mensagens ocultas. O artista muitas vezes se descobre, diante do infortúnio, da angústia, da desilusão, dos desenganos, das injustiças e de outros sentimentos prazerosos como  alegria , felicidade.

            Michelangelo, que era uma pessoa solitária e melancólica, insatisfeito com ele mesmo, encontrava na arte a forma de extravasar suas inquietações transformando seus tormentados sentimentos nas mais belas e valiosas obras, como a pintura do “Juízo Final”, no altar da Capela Sistina e a estátua de Davi feita em mármore de carrara que o consagrou  “artista escultor”.

         De onde vem a inspiração do poeta? Será que vem do mundo que está ao seu redor? Deste mundo discriminado, preconceituoso, exclusivista, egoísta, em que o poder e o dinheiro são as moedas decisórias? Mas, se tudo fosse perfeito e harmonioso somente as letras seriam o bastante para transportar para o papel a poesia e a inspiração? Castro Alves, o poeta abolicionista, imortalizou-se pela defesa dos oprimidos, sobretudo dos escravos africanos trazidos para o Brasil, que eram arrancados de suas terras e postos em navios em situações desumanas. O poema “Navio Negreiro” conhecido em todo mundo, foi escrito por ele, retratando sua revolta diante da escravidão.

         Por sua vez o tempero utilizado por Shakespeare para escrever “Romeu e Julieta” foi um amor impossível entre dois adolescentes de famílias inimigas. A tragédia contada neste livro se transformou em filme e foi levada também aos palcos do mundo inteiro.

        O amor não correspondido, a solidão, a despedida, a morte, a paixão são ingredientes que se misturam ao papel, às letras, as tintas, as formas, as cifras e fazem o homem produzir telas, escrever poemas, compor melodias. Como toda regra tem exceção, o artista também pode simular os mais variados sentimentos e brincar com o pincel, com a caneta, com o buril, com a melodia, nos fazendo chorar, rir, deixando-nos perplexos diante de sua arte. O artista ninguém entende, às vezes vê, às vezes sente, às vezes ele cria. É em vão decifrar a sua alma. No dizer do poeta, draumaturgo e escritor irlandês, Oscar Wilde,

“Arte é a forma mais intensa de individualismo que o mundo conhece”.