DIÁRIO – 16/04/2020

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DIÁRIO

Elmar Carvalho

[Um pesadelo e um sonho]

16/04/2020

            Na madrugada desta terça-feira, em sonho, eu estava à direção do que me pareceu ser um jipe escuro. Fora do veículo fazia sol, mas dentro parecia noite, pois pouco eu enxergava em seu interior. Para meu espanto e terror, tentei frear, para reduzir a velocidade, mas não conseguia alcançar o pedal dos freios. Verifiquei que não podia desacelerar, já que a velocidade era constante, e eu não tinha acesso ao acelerador, e sequer tinha controle sobre a direção.

            Minha mulher gritava ao meu lado, para que eu tivesse cuidado, e parasse o carro, mas eu não a enxergava, uma vez que a escuridão dentro do jipe era absoluta. O fato é que eu não tinha o menor controle sobre a velocidade, frenagem e direção. Percorria as ruas de uma cidade desconhecida, de quarteirões perfeitamente simétricos, como um tabuleiro de xadrez.

Creio que ante o inelutável, ou seja, a falta de controle (de minha parte que sonhava) sobre o sonho, a minha parte não sonhadora tomou a única providência possível: me fez acordar. Não sei se é verdade, mas há quem afirme que se uma pessoa sonhar que morre dentro do sonho, de fato morreria. Morreria dormindo.

Eu não tenho uma interpretação para esse pesadelo. Contudo, arrisco uma: suponho que o carro descontrolado seria a covid-19, sobre a qual não exerço nenhum controle, exceto me manter recluso em minha casa. Mas isso não seria uma injustiça contra essa doença? Não seria uma supervalorização da pandemia, dando-lhe uma dimensão que efetivamente não tem, inclusive a de me causar pesadelo.

Já o sonho desta madrugada foi muito diferente e agradável. Estava eu à margem do Açude Grande de Campo Maior, que pouco parecia com o real. Quando olhei ao longe, em direção à Serra Azul, a mimosa Serra de Santo Antônio, notei que estava bem mais alta e muito mais perto. E se estendia em torno do açude e da cidade, formando quase um círculo perfeito, como se fosse um imenso anfiteatro. Apesar de próxima, se mantinha azul como uma opala. Não tive tempo de me espantar ou de me extasiar, pois logo acordei.

Não farei nenhum exercício interpretativo, exceto o de que a carrego sempre comigo, e que é um sonho recorrente, fonte de inspiração de alguns versos líricos e elegíacos que fiz: “Ao longe, nas manhãs de inverno, / a serra cachimbava suas névoas. (…) As águas mortas do açude / tudo viam e tudo refletiam. (…) / E a serra se erguia do plano descampado / cachimbando suas névoas / para um céu que sequer olhava.”

CRENÇAS, FÉ, SUPERTIÇÃO E MANIAS

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  The word "Mania" from a typewriter on a white background supertição

          Crenças é um processo mental ou uma atitude de quem acredita em pessoa ou coisa. Fé é confiança, certeza, no catolicismo a primeira das três virtudes. Superstição é uma crença sem base na razão ou no conhecimento que faz temer coisas inócuas e depositar confiança em coisas absurdas. Mania é uma prática repetitiva um costume esquisito.

            E Anastasia era assim. Ela tinha manias e era muito supersticiosa, possuía crenças e era mulher de muita fé. Criava coisas na cabeça e acreditava plenamente. Por exemplo, qualquer problema de má digestão o remédio era Coca-Cola. Por isso na sua geladeira não faltava uma. Detalhe tinha que ser KS porque parecia ter mais gás, dizia ela.

          Para qualquer tipo de dor o Tandrilax resolvia. Bem se sabe que é um medicamento analgésico, relaxante muscular, anti-inflamatório indicado para doenças reumáticas, mas doeu só ele resolvia. E bastava um único comprimido para sarar o mal.

          No vick vaporub ela metia fé. Tinha sempre na sua mesinha de cabeceira. Tosse vick no solado do pé, picada de qualquer inseto vick, além de ser um excelente descongestionante.

         Dor de cabeça de sinusite, problemas de ouvido e garganta inalação com Penetro.  Sabe-se que ele é um descongestionante das vias aéreas superiores e inferiores indicado para congestão e obstrução nasal. Anastasia confiava por demais na sua eficiência e receitava para todo mundo.

        Ela também tinha algumas manias. No seu banheiro além do trivial, sabonete, shampoo, condicionador não podia faltar um ralo de pé e um esfoliante. Na cama tinha que ter um rolo pequeno para apoiar a cabeça. Água era essencial e em casa tinha duas canecas, uma na geladeira e outra do seu lado sempre.

        Tinha também algumas bobas superstições. Não gostava de passar em baixo de escada e gostava que os outros abrissem a porta para ela para poder voltar ao local.

         Aconselhava a todos ter as mãos ocupadas para que a mente não vagasse por caminhos tortos. Adorava um trabalho manual qualquer que fosse. Não gostava de falar de coisas tristes e do passado só recordava alegrias. O pensamento positivo era tudo na sua concepção e era muito importante elogiar e agradar ao invés de criticar.

        Dizia-se católica, mas sua oração era conversar com Deus. Para ela a gratidão era o maior testemunho de fé. Não acreditava em religião sem ação. Solidariedade, respeito era o mínimo que se poderia exigir de um cristão.

       Anastasia era assim, cheia de lero-lero, mas com essa sua vida engraçada ela era muito feliz. E ensinava as pessoas também encontrar alegria nas pequenas coisas. Dizia que acordar com um sentido para a vida era o segredo da felicidade. Esse sentido poderia ser cuidar de uma planta ou de um animal, ler um livro, costurar, escrever qualquer coisa simples. Simples assim!

 

DO LIVRO “O QUINTO” – INÉDITO
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
CADEIRA 28 APAL
PATRONO LÍVIO CASTELO BRANCO
1ºOCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA