O VÍRUS E O VELHO

O VIRUS E O VÉIO
Imagem ilustrativa/ by Google

Recebi ontem a noite via whatsapp o cordel abaixo que me foi enviado pela minha conterrânea Maria Bernardete Rodrigues de Oliveira, funcionária do INSS em Teresina.  Então, neste momento de ansiedade,  tristeza, tensão , depressão causado pela tal pandemia do Coronavírus , nada melhor do que sorrir, descontrair para aliviar um pouco essa fadiga mental que a pandemia nos tem causado.

O VÍRUS E O VELHO

Por Mané Beradero (*)

Mané Beradeiro

Seu doutor eu sou do mato.

Lá não tem televisão,

o meu rádio tá quebrado, 

telefone tem também não.

Senti o mundo parado

O povo todo trancado

Numa grande aflição!

Quando procurei a feira,

Na cidade do meu chão,

Nem as bancas tavam lá.

Surgiu minha  indagação:

-O que é que se assucede?

-Será guerra no mundão?

Mas não ouço um estrondo,

nenhum um tiro de canhão!

Doutor me arresponda:

– O que aconteceu então?

E o doutor foi me dando

tudo que era explicação:

Um tal de coronavírus

vindo da China e Japão

Tá matando muita gente,

muito mais que Lampião,

Que os peidos de Jandira,

que o bafo de Tonhão,

Que a inhaca de Raimundo,

Que a fome em meu sertão.

Eu fiquei aguniado

e disse ao dotô ligeiro,

-Será que não tem um homem

que mate esse desordeiro?

Que fure os olhos dele,

quebre as pernas por inteiro,

destrua as suas armas,

lasque logo este estrangeiro?

Doutor, eu tô escutando

O que explicou vosmecê

só mais uma perguntinha

se puder me responder:

-Esse tal coronavírus, 

come mesmo é o quê?

Mas quando o doutor falou

fiquei todo arrepiado.

Minha alma deu um pulo,

meu corpo ficou gelado.

Vou voltar pra minha casa

e ficar todo trancado.

O tal do coronavírus

come véio! Tô lascado!

Mané Beradeiro (*) É o heterônimo do cordelista popular potiguar, nascido em Parnamirim – RN Francisco Martins. Beradeiro é autor de vários livros e membro de diversas instituições culturais.      Parnamirim/RN – 25 março 2020

Postado por Antonio Gallas Pimentel
Cadeira 35 da APAL
Patrono:Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório 
1º  Ocupante: Rubem da Páscoa Freitas

DIÁRIO -13/04/2020

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DIÁRIO

[Homo deus e nenhum tempo para Deus]

Elmar Carvalho

13/04/2020

Logo de início, quero deixar bem claro que não desejo dar ao registro de hoje nenhuma conotação religiosa e apocalíptica ou escatológica. Pretendo apenas fazer algumas observações e constatações de forma muito sintética, referentes às últimas quatro décadas. Não irei julgar ninguém e tampouco irei dar lições de moral a quem quer que seja; deixarei que o leitor, se o quiser, se dê a esse mister.

            De muito tempo a essa parte, o marido e a mulher são empregados, com as exceções que sempre existem. Em consequência, os filhos são cuidados e educados pelos avós, pelas creches, pelas escolas, por empregadas, cuidadores, parentes ou são criados “soltos”. Não sei como são aplicadas as instruções morais, éticas, religiosas e como é feita a disciplina e o estabelecimento de limites. Noto que a intolerância, o uso de drogas e os crimes têm aumentado bastante nas últimas décadas.

            As músicas e as letras dos dias atuais, em sua maioria, são um “espanto” e um escárnio, e muitas fazem apologia ao sexo pelo sexo, às bebedeiras, ao culto ao corpo, sobretudo às bundinhas grandes e malhadas, subindo e descendo em frenético rebolado, e às outras formas de hedonismo. As pessoas, na quase totalidade, desde que acordam, ficam agarradas aos aparelhos eletrônicos, tais como televisão, rádio, celulares, aparelhos de som e de jogos… Acho que poucos oram, e quando o fazem é de forma apressada e mecânica.

            No trânsito, predominava a pressa e a intolerância. Imperava a inquietação dos que não tinham tempo, e que agora se quedam em casa, com todo tempo do mundo, reféns de seu próprio medo, mascarados de uma espécie de carnaval esdrúxulo e extemporâneo. O cometimento de crimes por motivos egoísticos, como vinganças, estupros, latrocínios, furtos e assaltos, ganharam proporções assombrosas, e parece que aumentam a cada momento. Grassam o gigantismo do ter e o raquitismo do ser. Segundo Lao-Tsé “Não há pecado maior / Do que o excesso da ganância”. O culto ao luxo, às joias caras, ao dinheiro e à gula parece adquirir mais adeptos a cada minuto.

A cortesia, a bondade e a caridade vão perdendo espaço, embora com notáveis exceções, enquanto os shoppings, os bares, os restaurantes e as academias de malhação vão ganhando novos frequentadores. Os templos do consumismo vão prosperando, e os de verdade, minguando. E como faz falta o Profeta Gentileza e o seu grande estandarte, em que eram listadas as virtudes de sua pregação.

Deixo que o leitor medite sobre a questão das drogas, lícitas ou ilícitas. Muitos não conseguem viver em paz sem o uso de medicamento, e outros só dormem sob o efeito de soníferos. Poucos conseguem viver em silêncio ou fazer alguma meditação. Sempre, sempre e sempre um aparelho eletrônico tem de estar ligado.

Muitos se achavam imprescindíveis e poderosos, senão mesmo insubstituíveis. Anoto que os cemitérios estão cheios de insubstituíveis e valentões. Vem crescendo o número dos que orgulhosamente se proclamam ateus. Parece que os cientistas, hoje, têm vergonha de se declararem crentes em um Ser Supremo. Neste ponto, sigo Einstein, que proclamou: “Existem apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é que tudo é um milagre. Eu acredito nessa última”. Aliás, alguns desconfiam que são deuses, ao passo que muitos outros têm certeza. Não é por acaso que o Homo Deus é um dos livros mais vendidos. Ocorre que o homem está muito, mas muito mesmo, infinitamente distante de ser Deus.

Da televisão e dos jornais o sangue jorra aos borbotões. A maioria dos programas noticiosos são feitos apenas de notícias sensacionalistas, e quanto mais sangrentas, melhores. Pequeno espaço é reservado para a arte e a cultura. A literatura, a pintura, a escultura, a dança, o teatro pouco ou nada são divulgados. Quando o fazem, é apenas para uma música de gosto duvidoso (ou de nenhum gosto ou simples mau-gosto), a que já fiz referência. O altruísmo e a generosidade, que ainda existem, não são noticiados, ao menos para que sirvam de estímulo e de exemplo. Peço perdão se cometi algum exagero ou injustiça.

Aí, de repente, um invisível vírus, um “virusinho” de nada fez grande parte da humanidade entrar em férias coletivas, através das quarentenas em todos os continentes e países, tirando todo mundo de seu nicho ou zona de conforto. Não irei falar nas consequências econômicas. Sei que os acidentes de trânsito e a poluição diminuíram. Os poderosos, imprescindíveis e insubstituíveis puderam descansar em suas casas, ou estão em leitos de hospitais. Espero que reflitamos e nos tornemos melhores, quando sairmos do distanciamento social. Não disse voltarmos à nossa rotina, porque desejo que criemos novas e melhores práticas e costumes.

Deixo a seguinte pergunta e advertência: e se no futuro vier um vírus mais contagioso e mais letal?

E mais esta: e se vier “apenas” um simples vírus de computador, mas que apague todos os sistemas, todos os programas, todos os sites governamentais e particulares, todas as redes sociais, de tal sorte que ficássemos somente com uma tela em branco, ou nem mesmo isso?

Como dizia o padre Raimundo José Airemoraes Soares (1933), grande erudito e poliglota, professor da UFPI e membro da Academia Piauiense de Letras, pelas “ondas sonoras” da rádio Pioneira, em seu programa A  cidade medita: “Medita, cidade!” Faça a sua reflexão, e tire as suas próprias conclusões, amigo leitor.

Minha cidade

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A cidade que me viu crescer
É reflexo de cada momento
De como me sinto, meu temperamento
A cidade é um eterno movimento
Dependente da alma, a transcender

Pois se a dor é quem permeia meu dia
Facilmente hei de visualizar
As várias rachaduras desta via
E os demais patrimônios a desmoronar

Fazendo do meu lamento, poesia
Disparada contra todos aqueles
Que optam por destruir nossa herança
Armada também para aqueles
Que teimam a roubar nossa esperança
Além daqueles que vivem em anestesia

Eles sim, fazem do meu dia, algo pior

Mas se a sorte, pela manhã,
É quem me desperta
Hei de perceber toda beleza
Existente neste lugar
Nunca me esquecendo, é claro,
Dos problemas e da incerteza
Mas prevalecendo, ao fim do dia,
Aquele sorriso, de brilho no olhar.

Claucio Ciarlini (2018)