Rato de Gaveta

 

rato

                  Cidade pequena. Todo mundo parente, amigos e compadres. e com um apelido. Coitada da Maria da Conceição. Um nome tão bonito. Mas é conhecida por “Maricota”. A Fatinha tem o apelido de “ Perna de Linha”. Rosto lindo, mas tem pernas finas. Exagero dizer que é da grossura de uma linha. O José Maria é o “Toco de Amarrar Onça”. Um baixinho simpático. Mas simpático mesmo é o Ponte. Feio, narigudo, calvo. De tão simpático ficou bonito, tanto é que seu apelido é “Feio Bonito”. A Clarinha não se incomoda de ser chamada de “Tambor de Gás”, não deixa de comer, comer, comer. E dizia: comer é um dos prazeres da vida. Tinha o Pé de Valsa, O Bafo de Onça, O Mão de Vaca, O Pudim de cachaça entre mil outros.

              A cidade era pacata, tranquila, pouca diversão. Algumas festas tradicionais. A da Padroeira, por exemplo, era uma delas. Novenas, leilões, procissão e a festa dançante. Quem não prepara suas belas roupas vaporosas, cheias de bordados e pedrarias para essa noite especial? Tem a festa do “Azul e Branco”, a “Festa das Rosas”. Mas sempre as mesmas caras. Novidade era quando os viajantes pernoitavam e participam dos bailes. Aí todo mundo queria dançar com eles. Mesmo sendo bem –vindos eles não escapam de um “apelidinho”.

            Quando Ponte e Eduardo chegaram na cidade o assunto era o baile da noite. Eles teriam que participar. Estavam intimados. Ponte já era conhecido na região, “O Feio Bonito”. Muitas amigas. Dançava bem. Tinha certeza que sua noite seria divertidíssima. Eduardo muito vaidoso, um homem belo, alto e de boa aparência, não ficou muito animado com o programa. Foi quando Ponte indagou:

         – Você não gosta de festas, Eduardo? Não vai me dizer que não sabe dançar.

         – Até que sei amigo, mas acho melhor a gente continuar a viagem.

          – Que é isso rapaz? Vamos ficar. As meninas insistem. A gente pega  leve na bebida e amanhã cedo a fazemos a praça da cidade vizinha.

           Na verdade o problema de Eduardo era outro. Ele gostava muito de festa e dançava muito bem. Não queria era demorar na cidade. Medo do apelido que lhe dariam. Sabia da fama e por isso mesmo nunca tinha posto os pés ali, embora tenha tido oportunidade. Tinha horror a apelidos. Por insistência do amigo terminou ficando. Mas teria que caprichar no visual. Não deixaria margem para criticas.

         Ponte já todo arrumado, muito bem vestido, cheiroso aguardava o amigo que se esmerava na aparência. Olhou –se no espelho mil vezes. Conferiu o cabelo, a calça, a camisa. Passou uma escovinha no sapato. Conferiu o hálito, o sovaco. E pensava lá com seus botões. Tô cheiroso, penteado, elegante. Será que vão encontrar um apelido para mim?

        E nervoso da janela do Hotel olhava se tinha alguém pelas redondezas querendo criar coragem para sair. Conferia no espelho e pensava: estou ótimo. Abria a janela de novo e via as meninas na esquina. Acho que elas não vão encontrar defeito. Voltava para o espelho, suspendia a calça, ajeitava o cinto e para criar coragem dava mais uma olhadinha na janela para ver se elas continuavam a sua espera. Até que irritado com a demora, Ponte disse:

       – Vamos, Eduardo. A turma nos espera.

       Nervoso ainda com medo de não agradar e querendo dar mais um retoque no visual, disse:

       – Vá indo amigo. Vou em seguida.

        Ponte foi ter com a moçada. Era gaiato, contador de piadas. Foi recebido com abraços, beijos. Mas logo indagaram pelo colega. Apontando para o hotel respondeu: lá esta ele. A cabeça de Eduardo  entrava e saia pela janela tentando criar coragem para sair. Como tinha medo de apelido!

        Foi então que Marilu comentou impaciente. Será que esse “Rato de Gaveta” não resolve sair daí?

       É,  Eduardo… Você não escapou…

 

Do livro História de Marilu” – 2005
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
Cadeira 28 da APAL
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1º Ocupante  Humberto Teles Machado de Sousa

 

 

 

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