SORTE?

 

sorte

            Já lhe disseram que você tem sorte? Menina, como você tem sorte. Quem foi o seu padrinho?  Conseguiu emprego, casou com um partidão. E sua pele maravilhosa, olhando para seu corpo nem parece que você tem a idade que tem. Já comigo nada de bom acontece. Eu não tenho sorte.

            Estudar, se esforçar, enriquecer o currículo, dedicar parte de seu tempo lendo, pesquisando na internet, é fundamental para conseguir um bom emprego. Mas, quem está do lado de fora, não enxerga o esforço e sim “sorte”. Quantos concursos que não foram bem sucedidos até que um dia um dá certo, aprovação. Muitos pensam que foi assim num estalar de dedos que a gente se deu bem na vida profissional, não imagina a caminhada até se chegar lá, para alguns tudo é “sorte”, é “peixe”, é “apadrinhamento”.

            Na verdade na vida tem um lado fácil de conseguir as coisas. Por que eu vou ter que fazer caminhada, malhar, ficar sujeita a uma alimentação balanceada? É muito mais prático resolver com um cirurgião plástico. Uma lipoaspiração, uma cirurgia abdominal resolve tudo rapadinho. E a espertinha lhe indaga. Você fez plástica? Ah! Não fez? Você tem sorte seu corpinho está ótimo.

            Sorte mesmo foi você encontrar esse maridão. Eu não tive esse privilégio. O meu roncava, tinha jogo todos os domingos e ainda queria me levar para eu ficar aplaudindo os dribles dele que não levava ao gol. Mandei passear. Ainda bem que o seu companheiro é um santo, perfeito, sem defeito. Melhor deixar pensar que ela tinha razão.

            Sorte é você ser despedida de seu emprego e encontrar outro melhor. Sorte é você levar um fora do namorado e encontrar alguém que lhe ame intensamente superando o ex – amor, sorte é você encontrar por acaso uma árvore tatuada com o seu nome gravado dentro de um coração, sorte é você perder o ônibus e o amigo lhe oferecer carona num carrão confortável, sorte é você fazer uma bateria de exame e os resultados acusarem saúde perfeita, sorte é você escrever um monte de besteira e encontrar pessoas para  ler  e gostar do que você escreveu. Isso é sorte!

          Você já ouviu falar na história “Critério é critério”? Contam que setecentos currículos chegaram à mesa do diretor de uma grande multinacional. Ele ordenou a secretaria: Pegue aleatoriamente trinta currículos e chame seus donos para serem entrevistados. Jogue os restantes na máquina fragmentadora. A secretaria responde, abismada:

         – O senhor está louco? São seiscentos e setenta pessoas descartadas! Talvez os melhores estejam lá! Ele responde:

         – Eu não preciso de gente sem sorte ao meu lado!

          Bizarro! Isso é sorte…

Inédito – 2019
Do livro “O Quinto” . a ser publicado.
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
Cadeira 28 da APAL
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1º Ocupante  Humberto Teles Machado de Sousa

 

 

 

 

 

Foi verdade, aconteceu…

assalto

É natural a gente se precaver dos malfeitores nos dias de hoje. A gente sabe pela história que a violência sempre existiu. Basta lembrar do episódio em que Caim matou Abel pra gente perceber que isso  não é coisa da modernidade.

Mas, não faz muito tempo que as pessoas sentavam na porta de suas casas jogando conversa fora com os vizinhos, que se podia fazer caminhada nas ruas, nas praças com total segurança. Pena que tudo isso nos é negado atualmente, porque corremos o risco de ser assaltado até dentro de casa, mesmo que se tenha cuidado de fechar as portas e se prevenir com alarmes, cerca elétrica, câmaras e outras tecnologias.

Tem pessoas que já foram assaltadas três ou quatro vezes. Quando se trata apenas de subtração de um objeto é uma coisa, mais desagradável é, quando existem torturas, sequestro relâmpago isso sem falar naquelas pegadinhas na saída de banco, golpes pela internet e por aí vai.

A Laura foi assaltada quatro vezes no mesmo local. E o pior que não dava para mudar a rota porque os ladrões faziam ponto próximo ao seu trabalho. Na terceira vez que foi assaltada, resolveu tomar algumas providências. Usava na bolsa o mínimo de dinheiro possível, só carregava consigo o cartão de crédito quando era necessário mesmo, apesar de ter passado vários vexames por não andar com ele.

Na tarde que foi assaltada pela terceira vez, eles levaram o cartão de crédito que dessa vez estava dentro da bolsa porque ela precisava sacar e alguns documentos que também naquela tarde eram indispensáveis. Depois do acontecido tomou outras medidas. Mandou fazer uma “pochete” de tecido para colocar seu cartão de crédito, documentos, celular e usava junto ao corpo. Na estilosa bolsa de mão carregava apenas a nécessaire com os produtos de maquiagem, escova de cabelo, colírio e outros objetos sem muito valor.

No computador ele digitou com letras tamanho vinte e oito, caixa alta e em negrito: Otário, você dançou. Nessa bolsa não tem dinheiro, nem cartão de crédito, muito menos celular. Enganei o trouxa.

Ela já estava inquieta, o ladrão não aparecia. Um belo dia o malfeitor apareceu com cara de quem pode tudo e ordenou sacando uma arma apontada para sua cabeça: Passe a bolsa. Ela nunca entregou com tamanha satisfação.

Mas, depois não seguiu para o trabalho. Foi direto para salão de beleza e mandou cortar os cabelos bem curtinhos, pintou de loiro e jogou um “ray ban”  na cara. Tudo isso para disfarçar do larápio porque ela ficou feliz com a peça que pregou, mas ficou com medo da revanche.

Inédito 2012
Do livro “O Quinto”  a ser publicado
Maria Dilma Ponte de Brito
Cadeira 28 da APAL
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1ºOcupante Humberto Teles Machado de Sousa

 

 

 

 

Não foi sonho

Balões

        A rua em que eu moro é linda. Ao adentrar nela pela Avenida Nossa Senhora de Fátima, vê-se ao longe muito longe, dunas de areia branquinha misturada com uma vegetação verde ora bem escura ora mais clara. São os morros da Pedra do Sal, uma linda praia que está a mais ou menos dezessete quilômetros de distância. Em determinados locais enxerga-se também  torres eólicas ali instaladas.

Até há pouco tempo havia mais terra, cerca, mato, verde do que casas. Lembro não tinha asfalto e nem calçamento. A piçarra se misturava a areia permitindo sua viabilidade. A minha rua era bastante larga. Depois que a prefeitura resolveu passar o asfalto fez uma medição que eu, por exemplo, perdi a metade da minha calçada. E depois disso muitas outras residências veio somar com as poucas que existiam.

Acordava-se com o cantar dos pássaros, o cocorocó dos galos e o mugir das vacas. Em tempo de inverno o rio Cantagalo ameaça adentrar nos atalhos e veredas. Tudo isso fica a quatro quilômetros do centro da cidade. É um pedaço de céu que agora que está sendo explorado. Quando faço caminhada percebo que ainda tem muitos espaços para novos lares.

Pois bem, hoje ao acordar tomei café e por volta das nove horas da manhã ao abrir o portão da minha casa fiquei pasma. Belisquei-me para saber se estava realmente acordada. Uma nuvem de balões de todas as cores uns amarrados nos outros fazendo enormes cordões voavam em minha direção. Eu achei lindo, parecia um sonho mágico, mas ao mesmo tempo fiquei com medo de ser atropelada por tantas bolas coloridas. Temerosa mas deslumbrada com tanta beleza eu corria ao encontro daquelas bolas que voavam. Fiquei entre elas quase sufocada, eram muitas. Muitas mesmo. Lembro que  assisti um filme  parecido com esse quadro. Porém nunca imaginei que um dia no real presenciasse tal cena. E eu me misturava aos balões. Divertia – me com os ploc-ploc ao espocarem por força do vento ou das minhas próprias mãos tentando abraça-los. A quantidade não diminuía. Parecia algo mágico.

De onde vinham tantos balões?  Estaria eu realmente acordada ou tudo fazia parte de um divertido sonho? Era real. Esses balões vinham de um Buffet próximo que ornamentou uma festa no dia anterior com muitas bolas coloridas e agora precisa descarta-las.

Foi um lindo espetáculo!

 

Inédito -2012
Do livro “O Quinto” a ser publicado
Maria Dilma Ponte de Brito
Ocupante da Cadeira 28 da APAL
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1º Ocupante Humberto Teles Machado de Sousa

 

 

 

 

 

 

 

É bizarro

gorda

            Tem um velho ditado popular que diz assim: “morro e não vejo tudo”.  Pois é, a gente fica pasma com certas coisas que acontecem no dia-a-dia, que a gente nunca imagina que pudesse acontecer.

            Um dia desses fui abordado por um simpático senhor que conhecia o estilo de minhas crônicas e pediu licença para me contar uma história. Disse que estava me dando de presente um texto para que eu publicasse como de minha autoria. Esqueci de perguntar  se o caso foi verídico ou imaginação criadora dele. O certo é que gostei e repasso para meu estimado público.

            Começa com uma linda história de amor entre um casal muito apaixonado. Ela tinha o corpo escultural e isso só fazia seu parceiro ficar mais enamorado. Ele era um escultor. Sabia apreciar as formas, valorizava as linhas, os ângulos o que favorecia valorizar as belas curvas da sua amada, mais que qualquer um leigo.

            E assim se passaram alguns anos, comeram alguns quilos de sal juntos e ela foi engordando, perdendo traços, ele já não mais encontrava cordas no seu violão, aliás, não havia mais instrumento musical. Havia sim, um bujão de gás, um saco de batata.

            O amante, o artista, o apaixonado, o parceiro, o escultor, passou a se preocupar com a esposa e começou a investir em sua recuperação corporal. Pagava academia, contratou personal trainer , massagista, nutricionista, mas ninguém dava vencimento ao apetite da mulher que comia, comia,comia e engordava, engordava, engordava.

            O marido já sentia o fracasso do casamento. Lutava incessantemente para conserva – lo. Mas, a imagem daquela mulher que não era mais a esposa que contrai núpcias tornava o casamento frio, gelado, sem atração.

            Foi o jeito tomar uma atitude esdrúxula, mas bem intencionada, salvar o casamento.  Chamou duas pessoas de sua confiança e simulou um sequestro. Encenou bem o seu papel. Chorava preocupado com a esposa. Não saía do pé do telefone aguardando o contato dos sequestradores. Inventava que recebia mensagens dizendo que breve anunciariam o valor do resgate.

            Enquanto isso, a vítima no cativeiro era tratada muito bem. Com água e comida light. Todo o conforto necessário. Se não fosse a saudada da família e da mesa farta, aquilo era um céu.

            Certo dia os homens de confiança chegaram para o patrão e anunciaram.

            – Ela está no ponto. Magrinha, magrinha.

            – Traz a madame ordenou.

            Comunicou a todos que os contatos foram feitos e ele iria pagar o resgate. Simulou tudo direitinho e sua amada esposa foi libertada. Sua chegada foi com uma festa. Ela estava linda. Do jeito de quando eles se conheceram. Corpo escultural. Um violão. E ele dedilhava com muito prazer nas cordas de sua linda amante. Amaram fervorosamente. Tiveram uma nova lua de mel. O amor renasceu.

            Mas, esse quadro não durou muito. Para começar na festa de comemoração de sua saída do cativeiro tinha de tudo. E ela faminta experimentou de todas as delícias. Não conseguia conter sua gulodice e o saco que estava vazio começou a encher.  E foi crescendo, crescendo. Antes que ela chegasse ao extremo o marido advertiu. Faça regime, volte para academia, faça caminhada, procure a nutricionista. Mas, nada disso dava vencimento comparado a quantidade de alimento que ela digeria.

            E tudo começou outra vez. Ele não tinha mais tesão.  Na tentativa de salvar mais uma vez seu casamento insistia diariamente para que a sua amada se cuidasse. Por conta disso muitos atritos aconteciam entre eles e num belo dia a coisa pegou fogo. No auge da discussão sem querer ele deixou escapulir: só mandando lhe sequestrar de novo para você emagrecer.

            – O que? Então o sequestro foi uma farsa? Ele tentou explicar a boa intenção da coisa, mas ela estava indignada com o fato. Discutiram, brigaram muito. E eu fico a matutar. Será que ela perdoou o marido e prometeu emagrecer?  Ou quem sabe, ele tenha aceitado ela gorda. Fico até fantasiando e imaginando que tudo terminou num longo beijo Eles se amavam tanto.

            O fato é que, o resto desse romance só sabe Deus.

Inédita/2012
Do livro “O Quinto” a ser publicado
Maria Dilma Ponte de Brito
Ocupante da Cadeira 28 
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1ºOcupante Humberto Teles Machado de Sousa

Cadê as estrelas?

estrelas

           Li não sei onde que as estrela estavam sumindo do céu. Pense numa coisa que me fez entristecer. Eu sempre fui apaixonada pelas estrelas. Fiz até um versinho quando era adolescente:

           “No céu sempre existe uma estrela,/ Mesmo quando chove ela está lá,/ Quando viajares numa noite escura/ Lembre-se desta estrela procurar/ Onde moras talvez não exista céu,/ Ou se existe não se pode olhar,/ Mas sempre que vires esta dita estrela/ Recorde-se de mim que ela me dirá”.

            Pesquisei para entender porque as estrelas estão desaparecendo. Para ser sincera não entendi muito as explicações, mas o certo é que segundo astrônomos de diversas nacionalidades o índice de formação das estrelas está tinta vezes menor do que a onze milhões de anos.

            Nas minhas investigações descobri que a estrela do mar também está em extinção. As justificativas deste fenômeno têm a ver com: o avanço do mar,  a diminuição das praias,  a temperatura da água do mar, o desmatamento,  o desequilíbrio da vida marinha,  o efeito estufa, despejos de poluentes no mar, hidrocarbonetos de petróleo vindos das embarcações, fertilizantes organoclorados e organofosforados, utilizados na atividade agrícola, os detergentes e o excesso de matéria orgânica trazidos dos esgotos domésticos, além dos metais pesados e dos produtos químicos das indústrias.  E dizem ainda os pesquisadores que a diminuição da estrela do mar podem ainda estar relacionados com a passagem de ciclones que são acompanhados de fortes chuvas causando a diminuição da salinidade.

            Pelo que compreendi muitas vezes o homem colabora com a diminuição destes astros no caso da estrela do céu e destes animais no caso da estrela do mar. Aí eu apelo para o bom senso e solicito que cada um faça a sua parte pelo bem dos poetas, dos compositores, dos namorados que tanto se inspiram nas constelações.

            Quem não gosta de ver um céu estrelado?  Quem não conhece as músicas: Chão de Estrelas, a marchinha de carnaval Pastorinhas que fala na Estrela Dalva, e a música de Thiaguinho que diz assim: “estrela ilumina meu céu, me tira esse fel, adoça meu viver”. Vamos fazer uma campanha pela preservação do céu salpicado de estrelas.

            É triste ter consciência que as estrelas estão mesmo desaparecendo. Lembro que quando eu era criança minha mãe dizia que o dentista colocava estrelinha nos dentes.  E eu ficava toda envaidecida mostrando para todo mundo a minha obturação prateada. Pena que não pude fazer o mesmo com meus filhos porque hoje não se usa mais  amálgama e sim  resina que é da mesma cor do dente.

          Viu como todas as estrelinhas estão sumindo mesmo?!

Inédita/ 2012
Do Livro ” O Quinto” a ser publicado
Maria Dilma Ponte de Brito
Cadeira 28 da APAL – 2ª Ocupante
Patrono Lívio Lopes Castelo Branco
1º Ocupante Humberto Teles Machado Sousa

 

 

 

Episódio da viagem

gordinho

                 O ônibus executivo viajava apenas com sessenta por cento de sua lotação. Passageiros bem vestidos e educados. Viagem tranquila, estrada relativamente boa, a temperatura ambiente em torno de vinte e oito graus. As cortinas e a vedação das janelas favoreciam para o ambiente ficar agradável. Uns mais agasalhados, alguns dormindo, outros conversando baixinho quando não olhando pela janela a vegetação da estrada ou fitando o céu que ora escondia o sol com nuvens pesadas e ora o apresentava muito forte.

                   Tudo as mil maravilhas, até que um cheiro desagradável contamina o ambiente. As meninas que vinham no banco da frente se entreolham e riam como perguntando quem foi o responsável do feito? O casal que vinha um pouco atrás disfarça discretamente ponto a mão no nariz. A magrinha de ventre delgado com certeza estava isenta de suspeita. Parecia alimentar-se só de rosas, portanto seus gases deveriam ser perfumados. A senhora octogenária também não era a responsável, sua alimentação deveria ser saudável em virtude da idade. Não cometeria tal estrago.

                O gordinho brincava com o celular como se nada de anormal tivesse acontecido. Não colocou a mão no nariz, não franziu a testa, nem trocou olhares indagadores para saber quem seria o dono do mau cheiro. Ao arriscar um olhar para o ambiente percebe que todos estavam voltados para ele. Como se apontassem o dedo indicador para sua direção dizendo: foi você.

              Com a mesma “cara feliz” comum a todos os gordinhos, retoma seu joguinho no celular. Ao arriscar a segunda olhada para a platéia, observa um cara malhado, que usava uma camiseta bem rasgada exibindo seus músculos avantajados, aproximar-se de sua poltrona em passos lentos com o jeito de quem iria agarrar-lhe pelo pescoço e jogar-lhe pela janela com todo o fedor que tinha produzido.

             Levantou-se rapidamente assustado, colocou as mãos para cima e disse:

              –  Juro que não fui eu. Comi feijoada antes de ontem e ovo com salada de repolho segunda – feira. Hoje é quarta.

Do Livro Vou te Contar
Maria Dilma Ponte de Brito
Cadeira 28 da APAL
Patrono Lívio Lopes Cstelo Branco
1º Ocupante Humbert Tels Machado de Soua

Roubaram os presentes

presentes 2

                       A mansão opulenta e pomposa da senhora Emília abria suas portas todo mês de maio. Maio mês das flores, mês das noivas, mês de Nossa Senhora, mês do branco e mês do aniversário de D. Emília.

                        A aniversariante preparava sua festa de 45 anos. Jovem para o mundo atual, onde a boa qualidade de vida dos tempos modernos parece conservar a alma e o corpo das pessoas que se amam, que estão de bem com a vida e sabem viver. Mas D. Emília não era bem uma pessoa assim. Muito apegada às coisas materiais e esquecia um pouco de cuidar de si mesma. De qualquer forma era abençoada por Deus. Tinha traços bonitos e enchiam os nossos olhos com sua alta estatura e corpo muito delgado. Simpática. Gostava muito de conversar, mesmo com quem pouco conhecia.  Apesar de tudo, era uma solteirona. E nunca se ouviu falar que tivesse um namorado mesmo em tempo atrás.  Possuía um patrimônio abastado. Seus pais acumularam riquezas. Por que nem um caçador de dotes aparecera? Não se sabe…

                      A casa estava sendo preparada para a anual recepção há mais de dois meses. Pintaram até as portas e janelas. O jardim foi replantado e adubado. As pratarias e cristais saíram dos armários para participarem da festa. As toalhas de rendas portuguesas foram lavadas e passadas com esmero.  E a lista de convidados se repetia. Todo ano, as mesmas caras. A D. Mariazinha, uma senhora rica da sociedade que lhe presenteava com coisas caras levando a etiqueta das melhores lojas da cidade. D. Anunciação, que chegava muito cedo e sempre era a última a sair. A D. Joana não só comia como enchia a bolsa de docinhos e ainda levava o bolo no guardanapo. A D. Antônia era segura. Seus presentes eram chulos. Mas a anfitriã gostava muito da amiga e ela já fazia parte da tradicional festa. D. Tereza pelo contrário, queria agradar a aniversariante e se esforçava em comprar o que ela poderia gostar sem se preocupar com o preço alto. Mesmo assim D.Emília todo ano dizia que não a convidaria, mais  para a próxima festa. Isso porque ela levava seus dois netinhos. Meninos peraltas, inquietos que perturbavam o ambiente. Derramavam refrigerantes, sujavam o tapete, quando não deixavam farelos de salgado no sofá.

              D.Emília passava o ano todo sonhando com esse aniversário. E seu grande prazer era olhar os presentes no dia seguinte. Para isso tinha todo um ritual. Quando o convidado chegava com o presente ele colocava o nome de quem lhe deu no papel que embrulhava o pacote mesmo quando vinha acompanhado de um cartão. Achava que o cartão poderia cair e ela tinha o prazer de saber o que cada pessoa presenteava. O pior é que a casa era de dois andares e ela subia a cada presente recebido, para pôr em cima de sua cama cuidadosamente. Ao chegar seu último convidado, ela se deleitou ao olhar a cama repleta de presentes. Aguardava o dia seguinte para matar sua ansiedade. Parecia uma menina feliz ao ganhar um brinquedo.

             As bandejas de salgados passavam pra lá e pra cá. Refrigerantes, coquetéis, vinho e até champanhe circulavam com fartura. Jantar servido, depois os tradicionais parabéns e bolo confeitado com os docinhos foram bastante elogiados não só pela beleza e delicadeza dos confeites, mas como pelo delicioso sabor.

             Os convidados aparentemente eram pessoas educadas e se não fossem os netos de D.Teresa para perturbar a festa, tudo corria na mais perfeita ordem. Mas, quanto mais cresciam mais aprontavam.

            Lá pelas tantas D. Emília resolveu subir para retocar a maquiagem. Na verdade, isso era uma desculpa. Sua intenção era dar uma olhadela na sua cama repleta de presentes.

            Mas para surpresa dela a cama estava vazia. D.Emília desceu aos berros. Chorava que nem uma criança.  E dizia com voz firme: “quero meus presentes“,” quero meus presentes”. Não tinha água com açúcar  que acalmasse a aniversariante.  Roubaram meus presentes…Roubaram meus presentes…Fechem as portas…Ninguém sai daqui até que chegue a polícia para investigar. Muito barulho, muito confusão e nada. A hora extrapolava e os convidados iam saindo de mansinho enquanto a aniversariante reclamava, xingava e chorava. Os netinhos de D. Tereza já haviam comido de tudo, lambuzado o sofá, quebrado copo, danificado o jardim correndo pra lá e pra cá. E cansados atentavam a vovó para retornarem para casa. Despediram – se de D. Emília e como todos os outros convidados estavam também intrigados. Onde estariam os presentes? Os guarda – roupas, já tinham sido revirados. Os armários do banheiro e da casa toda também. Coisas de ladrão não resta dúvida…Mas como entrou? Como saiu?

             A aniversariante não pregou os olhos nessa noite. Nem mesmo o cansaço lhe vencera. Armou uma rede ao lado da cama e passou a noite inteira com os olhos vidrados na esperança de misteriosamente os presentes aparecerem.

            No dia seguinte amanheceu arrasada. Mesmo assim tinha que cuidar de seus afazeres. E ao varrer seu dormitório, levantou a colcha pra limpar debaixo e teve uma grande surpresa. Todos os presentes estavam empilhados cuidadosamente com seus devidos nomes. Mistério. Quem os colocou lá?  Quem? Quem?

                                        Coisas dos netinhos… Podes crer!

Do livro Assim é a Vida
Maria Dilma Ponte de Brito
Cadeira 28 da APAL