DIÁRIO -30/04/2020

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DIÁRIO

[O dom supremo]

Elmar Carvalho

30/04/2020

Estava lendo ontem O Dom Supremo, que é o título como ficou conhecido célebre sermão, fundamentado na carta de São Paulo aos Coríntios, proferido por Henry Drummond, em formato virtual da Amazon/Kindle, com tradução e prefácio de Paulo Coelho, quando fui abordado pela Fátima sobre um assunto relativo a preconceito e intolerância.

Lembrei-me, então, de uma conversa que tive, faz quase vinte anos, dentro de um velho e empoeirado ônibus, alta noite, com o magistrado João Batista Rios, quando seguíamos para as nossas remotas Comarcas, ele, a de Bertolínia, eu, a de Ribeiro Gonçalves, ainda mais distante. Na época eu tinha dúvida sobre o que seria mais importante, se a caridade, se o amor.

Muitos entendiam que a caridade seria superior, porque era revestida, digamos, de uma “ação prática”, concreta, ao passo que o amor seria um “mero” sentimento, sem efetividade nenhuma. Hoje, fundamentado na epístola I Coríntios, de São Paulo, e no sermão O Dom Supremo, de Henry Drummond já não tenho dúvida nenhuma.

Aliás, a bem da verdade, desde essa conversa com o amigo Batista Rios passei a não ter mais essa dúvida, pois passei a entender que o amor, o amor verdadeiro, leva uma pessoa aos gestos largos e generosos, aos grandes sentimentos, que ele parece amalgamar, e que impulsionam o ser humano a cometer boas ações e a ter bons comportamentos, inclusive os da generosidade, da gentileza e da humildade.

No prefácio, colho a informação de que quem iria falar era o mais famoso pregador da época, que no momento se sentiu esvaziado, sem inspiração para o mister. Ele, ato contínuo, pediu a um jovem missionário que o substituísse, o que provocou, sem dúvida, uma forte frustração na assistência, que se preparara para ouvir o maior orador sacro de então.

Henry Drummond, o jovem e inexperiente missionário, que regressara da África há pouco tempo, e que ainda buscava definir a sua verdadeira vocação, sem dúvida tocado pelo Espírito Santo, produziu de improviso um dos mais magníficos sermões de todos os tempos, ainda mais admirável por ser claro e belo, embora profundo em sua análise do amor, o dom supremo ou summum bonum.

Em seu notável sermão, Henry Drummond afirma que “O amor é a regra que resume todas as outras regras”, e que é o “mandamento que justifica todos os outros mandamentos”. Explica que o amor é composto de nove ingredientes: paciência, bondade, generosidade, humildade, delicadeza, entrega, tolerância, inocência e sinceridade. Justifica todos esses componentes com citações do texto de S. Paulo.

Com relação à tolerância, transcreve que o amor “não se exaspera”. Considera a intolerância como uma “verdadeira falha de caráter”, e não como um pecado inerente à natureza humana, que dificilmente poderíamos corrigir, e acrescenta que a Bíblia, em várias outras passagens, coloca a intolerância “como o elemento mais destruidor da nossa maneira de agir”, para em seguida afirmar:

“O que mais impressiona é que a intolerância, o preconceito, está sempre presente na vida de pessoas que se julgam virtuosas. Geralmente é a grande mancha numa personalidade que tinha tudo para ser gentil e nobre.”

Consta que Henry Drummond, ao ser designado de forma inesperada para fazer a sua prédica, “pediu emprestada a Bíblia de um dos presentes e leu um trecho da carta de São Paulo aos Coríntios”. Julgo de bom alvitre, para reflexão e como um arremate a este registro, transcrever os dois versículos iniciais do trecho que ele leu, e que lhe serviu de mote para a glosa genial do famoso sermão:

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. [1 Coríntios 13:1,2]”

Os três meninos e o bicho voador.  

Por Pádua Marques (*) 

 

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Mais do meio pra popa da canoa estava Felisberto, o mais velho dos três. Tinha de doze pra treze anos, calção encardido, os bicos dos peitos inchados, já uma risca de bigode por cima do beiço, olhos negros e duros quando fitava os outros e as coisas. Gostava de saltar da proa das canoas e mergulhar na água pra logo depois sair lá longe cuspindo e achando graça.

Filho terceiro de Raimunda, uma mãe solteira, no Curre, queria ser estivador, pra ganhar dinheiro e sair nos fins de semana pelos cabarés. Já engrossando o talo da pinta, vivia coçando as virilhas e gostava de se gabar de ter visto mulher nua com os homens fazendo saliência. Os outros ouviam e ficavam entre encabulados e admirados.

Os três meninos ficaram ali dentro da canoa esperando o acontecimento. Dentro de mais algum tempo, por volta do meio dia, um sino deu aviso de uma batida pra depois, um ronco alto e causando admiração, medo em alguns e apreensão em Celso Nunes. O Baby-Clipper S43 da Pan American Airways tocou a água do rio e veio atracar direitinho no cais flutuante. Levou algum tempo até que umas dez pessoas entre homens e mulheres, pessoas bem vestidas, de sapatos lustrados, os homens de bengala e chapéu e terno de linho branco, desembarcaram e foram recebidas com muitas palmas.

 

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João Batista, Felisberto e Sebastião Capote Valente ficaram ali dentro da canoa, admirados e com medo daquele bicho de ferro e que soltava fumaça e de lá ouviram sem entender do que se tratava aquela cerimônia, todo o discurso de Mirócles Veras ao lado da pianista Guiomar Novaes. A artista seguia pra Miami, Texas e Nova York, nos Estados Unidos da América do Norte. O avião e tudo nele causaram uma inquietação e ao mesmo tempo contentamento.

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Os três meninos do Curre taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Nunca na vida haviam imaginado alguma coisa parecida. Estavam acostumados a ver barcos, vapores e outras embarcações menores atracando no cais do porto Salgado, mas nunca uma que voasse e andasse por cima da água ao mesmo tempo e de dentro saísse gente e bagagens. Aquilo era muito pra acreditar! Passaram a contar as pessoas, a quantidade de carros, mas nada fazia acreditar que fosse se repetir com outros meninos.

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Logo em seguida o sino tocou outra vez e logo apareceu outro avião, bem maior, o Commodore. O primeiro, o Baby-Clipper S43, na mesma pisada levantou voo e foi embora levando outros passageiros, entre eles a pianista Guiomar Novaes. Tudo aquilo foi motivo de encantamento pra os três meninos. Mesmo de longe pouco deram atenção aos discursos, pra quantidade de carros vindos de Parnaíba.  Quando tudo passou e aos poucos o Rosápolis foi ficando silencioso naquele inicio de tarde, João, Felisberto e Sebastião, os três foram tomando o rumo de casa. O medo havia acabado, mas aquele bicho de ferro ficou batendo na cabeça deles pra nunca mais sair.

*Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras, romancista, cronista e contista. 

MINHA RUA

RUA

            Sou daquele tipo que não gosta muito de recordar o passado. Até porque dizem que são os velhos que vivem lembrando do ontem. Eu, apesar da quilometragem está um tanto avançada, me considero jovem. Gosto de falar do presente e sonhar com um futuro promissor. Mas, foi lendo um texto do paranaense Gomes Teixeira que resolvi plagiar o grande escritor e falar também da minha rua e da minha infância. Pronto! Quebrei mais um paradigma. Afinal dizem que recordar é viver. E eu tenho boas lembranças de meus tempos de criança e de minha juventude.

          Pois bem, passei minha infância e parte da adolescência morando numa rua chamada Dr. Francisco Correia. A casa era em parte moderna para época. Fachada colorida, com janelas de vidraça, os dormitórios todos no taco, banheiro com azulejo e a sala de jantar e a cozinha tinham o piso de mosaico estampado. Ainda hoje tenho em mente a linda rosácea que fazia pena pisar. O mosaico e o poço redondo e alto que ficava numa  área cimentada logo após a cozinha quebravam o estilo moderno da pequenina casa.

        Nossa moradia era mais que uma casa, era um lar doce lar. Em frente residia uma senhora elegante, bonita, de olhos azuis, de família tradicional da cidade “expert” na culinária. Fazia quitutes gostosíssimos, caprichando na manteiga, muitos ovos, creme de leite e tudo que contribui para ficar delicioso. Se a gente pedia para diminuir nos ingredientes ela dizia “economia é base da porcaria”.

      Tínhamos também uma vizinha lourinha que era muito positiva. Não levava desafora para a casa e sempre estava a se dispor com as meninas da rua. Lembro de grande auê que ela aprontou ao colocar no móvel empoeirado da casa de D. Suely a palavra “porca”.

       Na nossa rua tinha médico e doutor advogado. Coisa rara naquela época que não existia nem faculdade na cidade. O advogado homem culto, amante da leitura, escutava todo dia “a voz da América transmitida diretamente do Washington para o Brasil”. A sua tia que morava na capital sempre vinha passar férias com ele. Não largava um livrinho de palavra-cruzada das mãos e se soltava era em troca de um livro. Lembro que ela me incentivava muito para ler bons autores. Todos às vezes que me via perguntava: Você já leu, “A Cabana do Pai Tomás”? Para ser sincera eu até hoje ainda não o li apesar de ter adquirido o hábito da leitura.

       Na esquina da nossa rua morava um grande comerciante, que sabia muito fazer contas e negociar, mas dizem que mal escrevia o nome. Não querendo para suas filhas a sua sina, colocava-as para estudar no melhor colégio da cidade e em aulas de piano e acordeom. Foi com uma delas que aprendi a tocar no piano “Parabéns para você “ e no acordeom  a música  “Cai, cai, balão”. No violão eu dedilhei muito mal “Que beijinho doce”, mas quem me ensinou o violão foram às moças do sobrado. Elas tinham um irmão moreno dos olhos verdes muito bonito mesmo, mas não gosto de lembrar da carreira que ele me deu com um embuá dentro de uma caixa de fósforos. Ainda hoje tenho horror aquele bicho cheio de pernas.

       Na outra esquina tínhamos  a melhor padaria da cidade que ainda hoje está no mesmo lugar, porém bastante reduzida e pertencente a novos donos, pois os seus primeiro proprietários mudaram-se para outro estado.

       Nessa rua tinha de tudo, até uma farmácia de homeopatia. Pessoas faziam fila para adquirirem remédios indicados por um senhor baixinho que fumava charuto e era amante da bebida e da música. Nos finais de semana fazia roda de salsa, merengue, rumba e o bongô era o instrumento mais presente, tocado pelos seus filhos.

      As recordações são muitas. Jogávamos voleibol na rua. Rende estendida de  uma árvore para um poste. Os homens jogavam futebol. Tinham um time chamado “América” que nunca ganhava campeonatos porque seu treino era precário, não treinavam no campo e sim no meio de nossa rua. Quando mais criancinhas brincávamos de roda, da mancha, da berlinda, de bom barquinho e de amarelinha.

      Mas para finalizar tantas recordações, eu quero contar um caso engraçado. Ainda hoje tudo que aprendo gosto de repassar para os outros. No dia que aprendi manusear o computador dei um curso para as pessoas da melhor idade e no dia que aprendi a ler e escrever entre 7 a 8 aninhos eu fiz uns bloquinhos de papel colado com grude e convidei as domésticas de minha rua para assistir aulas comigo. O mais interessante era o local da aula. Todos sentados no chão em baixo de um poste. Ali eu ensinava o alfabeto, formar sílabas e ler palavras simples. Para alegria minha faz uns 2 anos que encontrei uma dessas minhas alunas no salão de beleza. Ela cresceu, estudou hoje é professora. Fiquei feliz também pelo seu depoimento diante de todos que estavam naquele ambiente. Apontando para minha pessoa disse: Foi com ela que aprendi o alfabeto, a ler e escrever. Existe melhor alegria que essa?!!

      Minha rua, minha rua. Tantas recordações. Não acabaram por aqui. Outro dia relatarei mais outras lindas lembranças.

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Observação: esse texto foi feito em outubro de 2010 e publicado no Recanto dos Letras no 21. Fará parte do livro “O Quinto” a ser publicado. A Padaria que foi mencionada não existe mais. O local está abandonado. O médico que morava nessa rua, casa colada com a minha, foi prefeito por dois mandatos 1967/1971 e 1983/1988. Por isso mesmo essa rua tem peculiaridades. Inclusive o primeiro sinal de televisão foi testado na casa do médico/prefeito e tivemos o privilégio de está presente ao acontecimento.

MARIA DILMA PONTE DE BRITO APAL
OCUPANTE DA CADEIRA 28
PATRONO: LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1ºOCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

SOU CANDIDATA

Candidatura

                 Sou candidata e desde já agradeço por você ter disponibilizado pedacinho de seu tempo para ler, não meu programa de governo, não o convencimento de que sou uma boa candidata, não um apelo para que você vote em mim.

            Agradeço sim, sua boa vontade de deixar seus olhos percorrer este papel, decifrando o conjunto das letras que aqui se misturam e dão sentindo a um pensamento. Não estou em campanha política. Não posso fazer promessas. Quisera eu dizer que vou construir escolas, que vou direcionar verbas para a saúde, que vou arranjar emprego para todos. Diretamente esta não é minha competência embora seja consciente que fora da função de presidente, de governadora, de prefeita, vereadora, deputada ou senadora, cabe a mim e a você que como eu somos simples eleitores fazer qualquer coisa, contribuir de alguma maneira para melhor a sociedade que vivemos e que convivemos com mais analfabetos que letrados, mais desempregados que trabalhadores, mas doentes que homens saudáveis.

                      Sou candidata a vestir uma toga branca. Quero buscar a pureza e a brancura da paz. Quero mergulhar no mundo dos sonhos, onde os homens honestos prevaleçam, onde a palavra tenha força, onde a promessa não seja sonho.

                   Sou candidata para viajar para um lugar bonito, onde eu possa respirar o ar puro, tomar banho nas águas cristalinas, sentir o vento no rosto, deixar o sol queimar minha pele ou banha-las com pingos do céu quando a chuva cair lá de cima; sou candidata a apreciar a hora que o sol se guardar e o  momento que a lua chegar. Sou candidata a contar as estrelas do céu, a escutar o barulho do vento, a ouvir o cantar dos pássaros. Sou candidata a dormir, a sonhar e a acordar.

            Acordada, espreguiço-me, deixo a cabeça pensar. Procuro “o candidato”. O candidato político. Aquele que vou votar. Entrego-lhe a minha toga virtual e relembro o significado do papel que ele incorpora.

          Candidato – aquele que pleiteia cargo político. Palavra originária do latim candidatus, que vem de cândido, algo puro e imaculado. Ser candidato político é candidatar-se a um cargo eletivo, em que o cidadão na sua investidura deve estar tão branco e tão puro quanto a sua toga. Esta pureza deve representar a honestidade, a ética e a moral. Na Roma antiga, os candidatos usavam a toga branca para se diferenciar dos demais homens comuns. Velhos tempos!!!

DO LIVRO “LERO LERO” 2011
MARIA DILMA PONTE DE BRITO APAL
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1ºOCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

LIVROS INESQUECÍVEIS

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                  Há coisas que marcam a vida da gente. Acho que poderia ter uns seis anos de idade, mas lembro como se fosse hoje de uns velhos livros encapados com papel madeira que meu saudoso pai guardava dentro de um armário de madeira que só ele tinha a chave. Acho que era trancado não exclusivamente pelo valor dos livros, mas porque era lá que ele mantinha o apurado da sua loja de tecidos para depois levar ao cofre ou ao banco.

Entre essas obras lembro bem de “Dom Casmurro” de autoria de Machado de Assis e “Ironia e Piedade” de Olavo Bilac. Minha mãe também tinha suas leituras preferidas.  “A Moreninha” ,de Joaquim Manoel de Macedo, estava sempre passeando em cima dos móveis como se ela esperasse um tempinho para continuar a leitura. Foi assim que cresci. Entre livros e pessoas que valorizavam a boa leitura.

Meu pai costuma recitar poesias. Uma delas ficou impregnada em minha mente. Principalmente  o trecho que dizia: quando somos jovens as esperanças vão conosco à frente e os desenganos vão ficando atrás, mas quando a gente avança um pouco mais na vida os desenganos vão conosco a frente e as esperanças vão conosco atrás. Era mais ou menos assim.

Toda essa recordação se deu pelo fato de que hoje eu tive que lançar mão de um trecho do livro de Olavo Bilac – Ironia e Piedade, um desses livros que fazia parte da resumida biblioteca de meu pai: “Ora falta a taça, ora falta o vinho”. Pois bem, estava com a cabeça cheia de mensagens prontas para escrever crônicas há alguns dias , mas me faltava o tempo. Hoje que estou com todo o tempo do mundo, a inspiração se foi – Ora falta a taça, ora falta o vinho.  Tive a curiosidade de pesquisar na internet a data dessa obra de Olavo Bilac e cheguei a conclusão que ela foi publicada em 1916. Daí, a curiosidade foi aguçada e eu fui pesquisar o autor do poema que fala sobre esperanças e desenganos. Não é que descobri que é de autoria do Padre Antônio Tomás, natural de Acaraú  (1868-1841) e o poema é denominado “Contrastes”.

Muitos anos se passaram, muita coisa rolou, mas as palavras  ditas e bem ditas ficam marcadas. Um dia meus filhos vão relembrar o quanto falei de Fernando Veríssimo, de Marta Medeiros, de Rubem Alves e quem sabe transcreverão algumas frases ou algumas palavras dos autores contidas nas obras que estavam, não trancados num armário, mas soltas, espalhadas nas prateleiras do meu quarto de estudo, largadas na escrivaninha de minha  pequena biblioteca, sempre disponíveis  tal qual o livro “A Moreninha” , persuadindo a  uma boa leitura.
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RECANTO DAS LETRAS 12.04.2018
MARIA DILMA PONTE DE BRITO – APAL
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

DIÁRIO – 28/04/2020

DIÁRIO

[Acerca da Autoentrevista]

Elmar Carvalho

28/04/2020

            Postei em sítios internéticos, no dia 24, meu texto titulado Autoentrevista, originalmente publicado na segunda edição de Rosa dos Ventos Gerais, ocorrida em 2002, com projeto editorial meu e do Sebastião Amorim. Na folha de abertura da entrevista há uma foto minha, do dia 9 de abril de 1994, data em que eu completava exatamente 38 anos de idade e tomava posse de minha cadeira na Academia Parnaibana de Letras. O Amorim fez uma montagem, um tanto difusa e com inversão de ângulos, em que aparento olhar de soslaio para mim mesmo, em analogia ao título – Autoentrevista.

            Uma pessoa ingênua ou de más intensões poderia achar que nele se encontra traçado o meu perfil espiritual e/ou psicológico. Nada disso. Como na pequena nota fiz questão de esclarecer, trata-se de uma entrevista simulada, com perguntas formuladas por mim mesmo, e cujas respostas são montagens de versos de minha autoria, alguns com pequenas adaptações e alinhavos, produzidos em diferentes momentos e situações de minha vida.

            Em Lira dos Cinqüentanos (2006), além das epígrafes que pus em Rosa dos Ventos Gerais, acrescentei esta indagação, de Cícero: “Se tantos varões eminentes tiveram o zelo de deixar estátuas e efígies, representação não de seu espírito, mas de seu corpo, não é muito mais de nosso dever deixar o retrato de nossas decisões e méritos, num desenho acabado dos maiores gênios?”

            Contudo, enfatizo, a Autoentrevista não é um retrato de minhas decisões e méritos, e muito menos é o meu perfil psicológico ou espiritual, conforme já disse. Assim, as respostas não são necessariamente sinceras, e talvez sequer reflitam uma verdade do meu estado de espírito, nem ao menos no instante em que escrevi os versos que as compõem. E isso se ajusta ao que disse genialmente Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

            Certa vez, questionado sobre o fato de ser juiz e poeta, e, sobretudo, se o poeta não seria prejudicial à minha função judicante, repeli a insinuação maldosa em tom enfático, parafraseando o mesmo Pessoa: sou poeta, mas sou poeta só dentro da poesia, fora disto sou um técnico, com todo direito a sê-lo. Transcrevo o que disse o grande poeta português: “Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. / Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.”

Não satisfeito, o bardo ainda repetiu: “Com todo o direito a sê-lo, ouviram?” Não repetirei e tampouco enfatizarei. Apenas direi que a voz lírica pode dizer o que bem quiser, sem que isso represente a verdade ou a realidade do autor, embora, claro, também possa haver coincidência ou mesmo o poeta queira fazer o seu desabafo pessoal, e estampe em versos o que lhe vai no mais íntimo de sua alma; mas não obrigatoriamente, repito.

Tirando injustas ilações da autoentrevista, alguém poderia achar que em algumas respostas eu tenha sido narcisista, ególatra, vaidoso ou mesmo arrogante. Todavia, como já expliquei, ali está apenas o chamado “eu lírico” de já ultrapassados momentos de minha poesia  e de minha vida. Entretanto, afirmo que, num paroxismo ou mesmo num paradoxo, o poeta poderia fingir não ser o que de fato é, ou fingir ser o que efetivamente não é. Em resumo: Fernando Pessoa está certo; o poeta é um fingidor.

Voltando ao início do parágrafo anterior, direi que é pura burrice alguém desejar ser um Narciso ou um ególatra, porquanto todo mundo detesta esse tipo de pessoa, que logo passa a desfrutar da antipatia geral. Todavia uma dose “homeopática” de vaidade pode ser útil e benéfica, porquanto a vaidade pode fazer com que uma pessoa faça tudo da melhor maneira possível, para merecer o aplauso e a admiração dos contemporâneos e dos pósteros.

Mas a vaidade deve ser contida, não deve aflorar, pois as pessoas, em geral, antipatizam com os vaidosos, e ainda mais com os arrogantes e presunçosos. Da mesma forma, se a humildade for excessiva e ostensiva, deixará de sê-lo, uma vez que a humildade é uma das mais sublimes virtudes, e, portanto, deverá ser discreta, quase invisível, para ser realmente humildade.

Por conseguinte, insisto em dizer que a minha Autoentrevista foi apenas uma brincadeira, do tempo em que terminava a minha juventude, e eu percorria o início do platô de minha maturidade, antes do inevitável declínio. Foi apenas um ludismo, um “iludismo”, um mero jogo floral de palavras e nada mais, feito num tempo em que eu talvez ainda alimentasse migalhas de algum sonho de glória, que não aconteceu, e que de resto pouco acontece na esfera da literatura.

Faço, portanto, a seguinte advertência ao leitor, usando os belos versos de Jorge de Lima: “Não procureis qualquer nexo naquilo / que os poetas pronunciam acordados / pois eles vivem no âmbito intranquilo / em que se agitam seres ignorados.”

SEM PREÇO

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         Eu não vendo. Não vendo aquela pulseirinha de ouro gravado com o meu nome que ganhei de meus padrinhos quando nem sabia ler, nem tinha vaidade, acabava de vir ao mundo.

            Não tem preço minha boneca Gardenha de cabelinho quase loiro e sapatinho vermelho com olhos que abrem e fecham, eu não vendo e nem dou. Com ela faz par o Gurdes. Existe esse nome mesmo?  Eu  batizei meu boneco que tem causas azuis e blusa branca de suspensório preto pintados no corpo,  quando eu tinha meus cinco ou seis aninhos. Pesquisando agora no google descobri que gurde é a unidade monetária no Haiti. Encontrei também algumas pessoas com o sobrenome Gurdes.  Não lembro de onde tirei esse nome naquela época, mas eles estão comigo em perfeito estado.

            Eu não vendo e tenho ciúmes de emprestar meu caderno de recordações com fotos e mensagens de amigos que estão distantes, muitos deles nem sei mais notícias e alguns já partiram para outra dimensão.

            Não tem moeda que pague o valor de estimação da minha grinalda de flores de organdi branco com centro de pérolas e arrematado com torçal de seda.

           Não vendo também o mandrião de cambraia amarela bordado a mão com crivos e arremates em ponto cheio. Nem me desfaço também dos sapatinhos de linha nem dos cueirinhos e algumas camisinhas de cambraia cavalinho que vestiram meus babys e ainda conservo comigo.

            Eu compararia, daria qualquer preço para adquirir meu primeiro livro de escola “O Livro de Lili” de autoria de Anita Garibaldi.  O tempo destruiu apesar do meu jeito cuidadoso.

            Também pagaria um preço alto para recuperar minha caixa de camisa com muitas fotos e recortes de jornais e revistas registrando o cotidiano de Jonh Kennedy e Ronnie Von. Meus dois grandes ídolos. Hoje o que me restou desta feliz época foi um cadernetinha com todas as músicas de Ronnie  escrita por mim a punho.

            Compraria minha coleção de chaveiro e flâmulas se elas existissem, mas foram destruídas pelos meus filhotes que se entretiam horas e horas espalhando todos no chão e observando a beleza dos objetos que acumulei durante anos.

            Acho que todo mundo por mais desprendido que seja tem alguma coisa que guarda consiga para relembrar de forma mais concretas algumas passagens de sua vida. Eu já fiz a minha amostra agora é sua vez você de recordar objetos que você não vende e nem troca ou aqueles que você gostaria de recuperar se possível fosse.

DO LIVRO “O QUINTO” INÉDITO
MARIA DILMA PONTE DE BRITO APAL
CADEIRA 28
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1º OCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

 

DIVIDIDA

DIVIDA

            Dividida entre a obrigação e a devoção. Quisera eu ter o espírito menos responsável para jogar tudo para o alto e fazer o que eu quero, na hora que quero no momento que quero. Tem certa idade na vida da gente que não dá mais para adiar. Em parte, eu entendo isso e sou imediatista. Quantas vezes comprei um sapato e já saio da sapataria calçada com ele colocando o velho na caixa do novo? Quantas vezes comprei uma roupa nova e vesti num dia comum, sem esperar uma data especial para inaugurar? Quantas vezes viajei imprensando um dia de trabalho para aproveitar uma oportunidade sem aguardar as férias chegar?

            Mas, nem sempre é assim. Tem coisas que a gente tem que esperar, tem que aguardar, não pode deixar a vontade, o querer vencer. Nesse instante mesmo estou dividida. Dividia entre digitar trabalho e brincar de escrever que mais me dá prazer. Dividida entre o sono, o trabalho e o escrever. Um vai vencendo o outro. Embora tenha começado pelo trabalho que é a prioridade, já me vi escrevendo, enquanto os olhos quase fecham e a cama me provoca para um sonho de rainha.

            E a gente se dividi entre filhos, entre amigos, entre as coisas da vida. Pensando bem, melhor dividir do que se ter por inteira, trancada no nosso próprio egoísmo sem  repartir o amor, o tempo e nossos sonhos. A vida é assim, exige de cada um, doação, sacrifício. Quanto mais você dividi, mas amigos você tem, mais amada você é, mais respeito terão por você.  Outros também repartirão a seu favor. Acho que é por isso que temos duas mãos para podermos paralelamente apertar duas mãos amigas, é por isso nós mulheres temos dois seios para amamentarmos gêmeos ou dois bebês irmãos de leite. E até o tempo se divide em dias de sol e dias de chuva para agradar a uns e a outros. Uns gostam de inverno outros da primavera. Sábia natureza satisfaz a todos.

            Não dá mais para dividir meu sono com vocês. Para mim valeu a pena escrever tudo isso aqui. Se está bom eu não sei. Sou suspeita para avaliar, mas divido com você caro leitor está singela inspiração.

DO LIVRO “O QUINTO” INÉDITO
MARIA DILMA PONTE DE BRITO
CADEIRA 28 DA APAL
PATRONO LÍVIO LOPES CASTELO BRANCO
1ºOCUPANTE HUMBERTO TELES MACHADO DE SOUSA

Tributo a João Claudino

                Tributo a um homem chamado trabalho – João Claudino Fernandes

        Chegamos nesta cidade verde quase na mesma época, início dos anos 1960. Eu, criança ainda, para estudar, aprender. O Seu João para nos ensinar como deveríamos nos comportar ao longo das nossas existências. Sua maior virtude: acreditar nas pessoas. E assim agiu ao longo de sua trajetória, que o diga o seu fiel colaborador longaense, Raimundo Soares, e tantos outros que tiveram o privilégio de contar com a sua estima. Acreditar que a terra seca, sofrida, tórrida, quando irrigada adequadamente devolvia as boas sementes nela depositadas em de forma de valiosos frutos. Na sua criação de animais, nasciam e cresciam os melhores e bem cuidados animais. Acreditar nas diversas atividades que se descortinava à sua frente. Um Midas! Tudo que tocava virava ouro. Antecipava-se a todos quando o assunto era vislumbrar um empreendimento que se tornaria sucesso, mesmo sob a incredulidade de todos que o cercavam.

       Assim é que criou no nosso sofrido e pobre Nordeste um conglomerado à semelhança de Sara Lee americana, porém superior, visto ser nosso,  sofrido, sonhado, idealizado, enfim, a própria expressão da sua forma de lutar, sua maneira de enxergar mais longe, de encontrar sempre um meio de chegar vitorioso ao outro lado.

I

“João  Claudino nos deixou, pros céus, partiu

Deixou na terra o coração dos amigos,

E dos colaboradores um vazio enorme,

Deixando um grande legado: a amizade!

II

É madrugada e a chuva não para,

Chove contínuo, molha bem a terra,

Onde ele plantou, plantou e plantou

A solidariedade, a amizade e o amor!

III

Existem dois Piauís, um antes do Seu João

Pobre! Outro depois, do Seu Claudino, Rico!

Pobre sem empreender. Rico Empreendedor!

IV

Sucesso nos negócios, sucesso na família!

Sucesso no amor! Com a amada Dona Socorro.

Felizes somos por tê-lo como exemplo e amigo!

 JOSÉ ITAMAR ABREU COSTA
SÓCIO CORRESPONDENTE DA APAL
OCUPANTE DA CADEIRA 18 DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
MEMBRO DA ACADEMIA LONGAENSE DE LETRAS E DA ACADEMIA DE MEDICINA