RITO DO ADEUS

RITO DO ADEUS
O abalo trêmulo da minha mãe que abraça
Os olhos escarlates de minha mãe que chora
É o grito da tristeza ante minha partida
O desabar da saudade no rito do adeus.

Não importa a idade
O filho é a criança desprotegida
Que o mundo atrai para as possibilidades
Que muitas vezes
É o tremular do lenço para o nunca mais
O filho não é filho dos anseios pais
Os filhos são os braços que sustentam os próprios filhos
São o rio que dessedenta a sede e a fome da Pátria.

As lágrimas de minha mãe ante minha partida para a vida
Inunda a minha alma
Impulsiona-me a superar as minhas dores
A engolir os muitos sapos
A dizer não aos maus desejos
A repetir os meus acertos
A abraçar – feliz – a Cruz
A fazer de tudo para ser exemplo
A ser eu próprio
No meu próprio eu
Para ser um dia o iluminado EU.

O macaco e o menino.

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*Pádua Marques.

O comandante Pedro da Galiza chegou naquele dia à tarde em casa, no distante e úmido bairro dos Tucuns e já foi gritando na direção da cozinha, onde a mulher Eponina estava decerto próxima do fogão a lenha. De lá ela ouviu o marido arriando os apetrechos de viagem ao Maranhão. Dois dias entre o Brejo, os Araioses, São Bernardo e a Parnaíba, transportando lenha pra os Moraes, no bairro do Carmo, naquele meio de maio e com o rio cheio de perigos.

Muita chuva, muita correnteza e o leito do Parnaíba se entupindo de carnaubeiras mortas derrubadas e oferecendo perigo. Mas tinha que ir e trazer aquela carga toda semana. Se não fosse, ninguém iria em seu lugar. Pedro de Galiza era um homem de boa altura, queimado de sol, nariz chato, cabelos raros e pouco carapinhos no meio da cabeça. Estava há muitos anos neste ramo de navegação no Parnaíba. Conhecia o rio de ponta a ponta, quantas braças de uma margem à outra, a fundura aqui e acolá, onde estava naquele momento o canal.

Era capaz de saber quantas carnaubeiras tinham na beira do rio entre a Parnaíba e a Barra do Longá sem contar duas vezes. Sua profissão era difícil, mas era a única que tinha e era com ela que trazia alguma coisa pra ele e a mulher Eponina, uma filha de lavadeira de roupas das casas de famílias como a de seu Pedro Machado, na rua João Pessoa, a de doutor Mirócles e tantos outros. Eponina não era lá aquele poço de beleza. Nunca deve ter sido bonita mesmo. Hoje estava velha, gorda, os peitos grandes quase saltando pra fora pelo colarinho do vestido e ainda por cima cambota.

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Nunca teve filhos, mas gostava de criar os dos outros. Criou mais de doze entre meninos e meninas, que depois de grandes, cada qual dono de seu nariz, ganharam o mundo saindo da Parnaíba. Alguns voltavam de vez em quando trazendo filhos e até netos pra ela conhecer. Eponina ficava feliz, mas não cobrava, não fazia questão. Se acostumou anos e anos aquela casa só ela e as coisas, seus objetos de cozinha, a camarinha, a janela da frente de casa onde podia ver aqui e ali alguma vizinha de cócoras catando piolho na filha ou algum pescador consertando sua tarrafa naquela rua de casas cobertas de palha indo dar longe no porto dos Tucuns.

Agora tinha em casa mais um filho de criação. Damião, de pouco mais de quatro anos, ganhou de uma comadre de fogueira, quando esta voltou pra o Brejo dos Anapurus com o outro irmão gêmeo, Cosme. Escurinho, triste, barrigudo, sempre com o nariz escorrendo, vestido com um calção de brim ordinário, sempre com os pés descalços naquele chão de barro entre a rua e a casa.

Doutor Cândido, quando Eponina passava com ele na Santa Casa, receitava pílula contra, pés calçados, roupa limpa e que evitasse molhado. Nunca houve quem fizesse Eponina chamar o marido pelo nome certo, Pedro Galiza. Chamava de seu Galiza ou agora mais puxada na idade, Galiza. Os do porto e onde ele tinha encomenda de lenha chamavam de mestre Pedro da Galiza.

Quando não tinha nada pra fazer em casa, pegava o menino e ia ver Galiza chegar no porto Salgado. Passava antes na venda e comprava algumas frutas. No porto, do lado dos Tucuns, sentava num caixote ou até uma pedra que fosse e se largava a comer melancia, manga, cajus ou banana. E gostava de quando algum conhecido vindo do porto Salgado passava por ele e chamava pelo nome. Sinal de que era importante pra alguém e pra muita gente naquele fim de mundo dos Tucuns.

E o menino ali do lado olhando aquele movimento dos estivadores na beira do rio Igaraçu, as canoas levando e trazendo gente e coisa de comer dos Morros da Mariana, na Ilha Grande de Santa Isabel. Damião ficava ali quieto, calado como sempre, de vez em quando admirado apontando esta ou aquela embarcação. Outros meninos brincando, nus da cintura pra cima, encardidos, descalços naquele pedaço de Parnaíba onde os ricos e importantes nunca passavam.

Naquele dia Pedro trouxe um animal que veio mudar a vida de Eponina e de Damião dentro daquela casa. Trouxe do Maranhão, onde tinha parentes, um macaco. Foi só entrar em casa com o bicho no ombro e a confusão começou. Não com ela, mas com o gato da casa.  A mulher deu um grito de susto quando o presente saltou por cima dela e foi parar na cozinha quase causando um prejuízo com as panelas, vasilhas de açúcar e outros trens. Damião foi de correr pra entre as pernas da mãe e lá ficou até que Pedro com muita paciência colocasse ordem naquela arrumação.

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Mas aos poucos o macaco foi ficando mais amigo do gato e até cochilavam juntos depois do almoço e debaixo da mesa da cozinha. Eponina dava pra ele comer manga, laranja, banana, goiaba, abóbora cozida, pregado de panela, tudo. Era de dentro de casa. Damião tinha medo dele. Nunca passou por perto que fosse. Quando Pedro voltava de viagem era a primeira coisa de que perguntava era do Chico. Depois vinham os passarinhos lá no alpendre, presentes de amigos de beira de rio.  E esse Chico foi criando asa e só não falava pra não fazer mandado na vizinhança. E o que tinha de sabido passou a ficar saliente!

Um dia Eponina estava lavando umas peças de roupa e quando se deu conta sentiu alguma coisa levantando sua saia. Nem foi muito longe e lembrou naquele relâmpago de tempo no gato. Mas aquilo foi ficando mais constante e a saia se levantando ainda mais já quase nas coxas. Olhou pra trás e levou um susto. O macaco estava com saliência e aquilo não podia ficar sem um cobro! Quando Pedro chegou naquele meio de tarde de mais uma daquelas viagens vindo do interior do Maranhão ela perguntou de onde ele havia tirado aquele animal.

De onde veio e quem deu o diabo daquele macaco? Contou tudo sem tirar nem por. E o animal foi amarrado no tronco de um pé de goiaba no quintal e lá foi ficando até se esquecerem dele por uns dois dias. Eponina de vez em quando saía na ponta do pé ver como ele estava. Damião sempre ao lado da mãe e lhe segurando a ponta do vestido. Passado o tempo de castigo o macaco foi solto e veio pra dentro de casa tomando chegada e se esfregando nas coisas da cozinha. De repente se danou a fazer caretas pra mulher e pra o menino como se quisesse se vingar da prisão.

Pedro de Galiza ficou sabendo dessa sua nova investida, inclusive já incomodando a vizinhança e, num dia de manhã, numa semana de folga da carga de lenha pra os Moraes, foi até o porto Salgado e tratou de ver se estava vindo alguém de cima do Parnaíba e que devesse voltar logo pra o Maranhão. Já não tinha paciência com o serviço de carregador de lenha e muito menos pra ficar sendo cuidador de um macaco! Até se aparecesse um circo que fosse já era vantagem!

Passados uns dias Chico estava de volta pra o Maranhão. Desta vez dentro de uma gaiola e longe de causar qualquer brincadeira de mau gosto com alguém. Pedro levou Damião pra se despedir dele, no convés do barco Estrela do Mearim, embarcação de um compadre seu, mas o menino pouco deu importância. Bem que Damião podia ter se dado bem com Chico pra que o macaco fosse seu brinquedo. Eponina ainda foi perto da gaiola e deu duas bananas pra ele comer no caminho. Damião pra ela sua mãe, ia ganhar seu lugar de volta naquela casa.

*Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras. 

 

 

NO REINO DO SOBRENATURAL

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Batista Rios (centro) e família, vendo-se: Eduarda (filha); Vera Lúcia (esposa); Batista Filho e Saulus (filhos), e em primeiro plano (sentado) seu pai, o saudoso vicentino Nestor Rios

NO REINO DO SOBRENATURAL

Elmar Carvalho

Fui à casa de meu colega e amigo João Batista Rios. Pedi-lhe que me contasse uma história que ele me havia contado há mais de seis anos, quando ele era juiz de  Bertolínia, e eu, de Ribeiro Gonçalves. Muitas vezes viajamos, à noite, no mesmo velho e desconfortável ônibus, para as nossas longínquas Comarcas. De madrugada ele descia na sua cidade e eu continuava em minha desgastante odisséia madrugada friorenta a dentro.

Repetiu a história da mesma forma como eu a guardara em minha memória. Certo dia do início da década de 1990, quando ele era servidor federal da Previdência Social e advogado, por volta de 13:30 horas, estacionou seu carro na frente do Colégio das Irmãs, onde deixou sua filha, e seguiu a pé em direção a seu escritório, situado no Palácio do Comércio. Na calçada da antiga Escola Técnica Federal, na frente da EMBRATEL, avistou o padre Geraldo Vale, que fora capelão da Polícia Militar do Piauí e fora seu diretor espiritual no grupo da Renovação Carismática da Escola Dom Barreto.

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Quando o padre o avistou, em gesto largo e de muita expansividade, abriu os braços, como se estivesse se preparando para um grande abraço, e sorrindo o chamou de “meu advogado Dr. Batista Rios”, como costumava saudá-lo. Conversaram no máximo dois minutos. Despediram-se e Batista seguiu para o seu escritório.

Um pouco adiante, voltou-se e viu o padre afastar-se no ensolarado início de tarde teresinense. O meu colega admirava esse capelão, pelo que ele tinha de ungido, de santidade, de homem efetivamente de Deus. Fazia tempos que não o via, mas sempre pensava nele, sempre desejando revê-lo, uma vez que passara a integrar o grupo da Renovação Carismática do Cristo Rei, deixando o que era dirigido pelo padre Geraldo.

No caminho, foi pensando em como o achara rejuvenescido, quase transfigurado em sua expressão de alegria, de paz, de beatitude, com feição e expressões angelicais. De tarde, ao deixar o seu escritório, foi pegar uma revista na banca do Solon, na praça Pedro II. Nessa banca, encontrou Célia, que fora sua colega do antigo INAMPS e do grupo carismático do Dom Barreto.

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Batista Rios, ladeado por Ivanildo de Deus e Elmar Carvalho, no oratório de sua casa

Com muita alegria lhe informou que havia encontrado, antes das duas horas da tarde, o padre Geraldo. Célia, incrédula e sorrindo, disse-lhe que ele estava a fazer mais uma de suas brincadeiras,  pois tal fato jamais poderia ter acontecido, posto que o capelão havia falecido há mais de um ano. Batista retrucou-lhe que ela é quem estava a fazer gracejo, e foi embora.

No dia seguinte, quando o magistrado Batista Rios, como costumeiramente fazia, foi assistir a uma missa na igreja de São Benedito, encontrou, logo na entrada do templo, a senhora Ivani, pessoa de muita devoção e de sua estima. Disse-lhe da alegria de haver encontrado, no dia anterior, o padre Geraldo Vale.

Dona Ivani, algo perplexa, com as pupilas um tanto dilatadas, respondeu-lhe:

– Meu filho, padre Geraldo já faleceu, faz mais de ano…

Batista Rios, católico da mais lídima devoção, homem íntegro, magistrado honrado, não sabe a explicação definitiva para o fato, mas somente que ele aconteceu, da maneira que me narrou.

Talvez o seu desejo em rever o sacerdote tenha sido tão forte, que materializou a imagem dele, que estava incrustada indelevelmente em sua mente; talvez o padre tenha obtido permissão para lhe aparecer uma última vez, para que Batista pudesse dar o seu testemunho de que há mais coisas no céu do que apenas aviões de carreira, como asseverou célebre ironista.

11 de abril    de 2010

DE DOIS

DE DOIS

De dois a metade de um Rim
livra-os, Senhor!
dos gritos de dor abafados
liberta-os, Pai Celeste!
Do cansaço e peso nas pernas
consola-os, Força Superior!
Da certeza de que não está fazendo fita,
alerta-os, Deus dos Exércitos!
Que as lágrimas silentes rolam
dize-os verdadeiras, Deus de Abraão!
Que às vezes a vida já não tem sentido
revela-os, creador do Bem!
Que faz dos pedaços de si
uma rocha impenetrável,
mostra-os, Deus do Amor
da Misericórdia!
Wilton Porto

TEMPO

TEMPO
Wilton Porto.

O tempo é ouro enfincado
debaixo de morro escuro.
Nem sempre ele é achado,
sem que se dê muito duro.

Seja esperta, prudente,
cuide-se bem, para bem cuidar.
Em todo lugar há serpente,
com o bote para lançar.

Olho aberto, boca fechada,
Ouvido de mercador,
evita flecha lançada,
desarmonia e dor.

Se sabe que tem tendência,
para facilmente dispersar,
Tome, então, consciência,
que depressa há de mudar.

Não basta ter conhecimento,
precisa saber navegar,
Em calçada, em cimento,
nas bravias ondas do mar.

Se se sente desleixada,
mente que se perde na amplidão,
aprenda a ser concentrada,
a vida não é ilusão.

Sucesso não vem sem luta.
nem sempre, temos padrinho.
se deseja ter um ninho,
que ao seu desejo se ajuste,
não desperdice carinho,
deixe para lá, pobre disputa.

A vida sempre vale a pena,
quando vivida com sabedoria.
Perder-se em cantilena,
pode ser, entrar numa fria,
se de um teatro não é uma cena,
se do amor não é plena poesia.

Resumo a mensagem:
cuide da autoimagem!

Claucio Ciarlini agora é imortal da Academia Parnaibana de Letras.

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A forte chuva que caiu na noite do sábado, dia 11, não apagou o brilho da festa de posse de Claucio Ciarlini  na Academia Parnaibana de Letras, solenidade realizada no auditório da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, com a presença de acadêmicos, convidados, familiares e amigos do novo imortal. O discurso de recepção foi feito pelo escritor Renato Arariboia de Brito Bacellar.

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O presidente José Luiz de Carvalho, aberta a solenidade, nomeou uma comissão, formada pelos escritores Alcenor Candeira Filho, Antonio de Pádua Marques Silva e Roberto Cajubá da Costa Britto para introduzirem o novo acadêmico no salão. Em seguida o secretário Antonio Gallas Pimentel prosseguiu com os trabalhos dando vez à escritora Christina Moraes Souza Oliveira, segunda secretária da APAL, para que fizesse a entrega do diploma a Claucio Ciarlini. A aposição do manto foi feita por Ana Roberta.

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No seu discurso de entrada, Ciarlini agradeceu o apoio recebido pela eleição, fez um relato de sua trajetória cultural como professor, incentivador de movimentos, a formação e o agradecimento especial à família, a mulher Ana Roberta e às filhas Ingrid e Carolina e à mãe Rosângela. Ressaltou que chega à entidade com o objetivo de muito trabalho e abrindo espaço cada vez mais para as novas gerações.

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Estiveram presentes à cerimônia de posse de Claucio Ciarlini, além de familiares, amigos e os membros da Academia Parnaibana de Letras, colegas professores, colaboradores e seus companheiros do movimento cultural Versania, Marcello Silva, o casal Francisco e Ana Carvalho, a escritora e poetisa Edinólia Fontenele, Jaílson Júnior e Morgana Sales, Benedito Lima, Airton Porto, Daltro Paiva, Carlos Pontes e a professora Rossana Silva. Fonte: APAL. Fotos: APAL. Edição: APM Notícias.

 

VIRADA

Q de sorriso não sei o q tu levas deste ano.
Sei q de ti os sorrisos mais doces
Mais brilhosos
Mais belos
Mais excitantes
Mais mais contemplei
Enamorei.
Q de sonhos te encantastes
E te atirastes
Q ainda te tiras o sono não me interessei
Quais das noites mais sublimes
Mais vorazes
Mais sem destino
Com mais sentido
Não me valerei.
Saber se doravante terei um alô
Se o abraço apertado estão nos planos
Se o eu te amo está na ponta da língua
Do zap
Do ícone cor de sangue
No badalar do Coração
No tremor das pernas
No suar do corpo
No rolar da cama sem sono
Na mente inquieta
No discar o meu número
No ouvir a minha voz
No me ver à distância
No tocar na minha mão…

Q de mim gostaria de saber
O q queres q eu saiba
Q leve
Q eu viva
Q vivamos
Pq sem ti não importa o ano
Mas está contigo
Em ti
Como se cada dia fosse o último
Cada noite o esquecer de tudo
Pq o tudo somos nós.
Parnaíba(PI), 31 de dezembro de 2019.
Wilton Porto

Padre Deusdete e o time Santos de Livramento

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Padre Deusdete e o time Santos de Livramento

Elmar Carvalho

Logo ao iniciar a caminhada, deparei-me com o colega Carlos Barbosa Dias, que vinha em sentido contrário. Fiz meia-volta e o acompanhei. Envergava ele, que é natural do interior de São Paulo, uma camisa do Santos, que voltou à moda com os seus meninos alegres, moleques e bons de bola. Perguntou-me se eu torcia pelo Santos.

Em resposta, contei-lhe o seguinte: quando eu tinha de treze para catorze anos de idade, morei na bela e bucólica cidade de José de Freitas, durante um ano. Foi um período muito feliz de minha vida. Quase todo dia, pela manhã, saía a passear, com o Carlos de dona Irá e o Itamar, e mais algum de meus irmãos ou outro garoto da vizinhança.

Às vezes, alguns de meus colegas iam pegar vim-vim, com o uso de visgo colocado em uma haste posta na gaiola do “chama”; outras vezes, íamos escalar o morro do Fidié, que na época não era conhecido por esse nome, mas simplesmente como morro, que hoje preferiria chamar de Morro do Livramento, em homenagem ao nome antigo da localidade e a sua padroeira; muitas vezes nosso destino era o açude Pitombeira, de onde pulávamos do velho trampolim.

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Também banhávamos no olho d’ água, perto do cabaré Jumento Velho, lá para as bandas do mercado público. Invariavelmente, à tarde, ia jogar futebol num campinho que havia na frente da casa do grande marceneiro Zezé Barros, que também era um peladeiro. Esse campo ficava dentro de uma quinta, tinha terreno arenoso, e era rodeado por belas e frondosas árvores, entre as quais uma imensa mangueira.

Gostava muito desse campo, pois, sendo eu goleiro, a areia macia me possibilitava enfeitar as defesas, projetando-me no espaço, quase a levitar, na construção de belas pontes, que hoje classificaria de estaiadas. Certa vez, jogando na periferia da cidade, e sendo então pequeno e franzino, alcei um verdadeiro voo, para cair com a bola encaixada em meu peito. Essa  estripulia acrobática arrancou delirantes aplausos de um torcedor, que gritava que eu parecia um “passarinzim”.

Tempos depois esse terreno onde jogávamos foi comprado pela família do Pedro e do João Rocha, e as peladas foram proibidas. Por isso, certa tarde, em que estávamos batendo bola, perto da casa da família Santana, fomos avistados pelo padre Deusdete Craveiro de Melo, que era meu professor de Português, no segundo ano ginasial, e diretor do Colégio Antônio Freitas. O padre, de dentro do seu famoso fusca, me perguntou a razão de estarmos jogando na rua. Expliquei-lhe que o nosso campo fora fechado.

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Ele, então, sugeriu que fizéssemos outro, na frente do cemitério velho, conhecido por cemitério dos ricos, como se a morte fizesse algum tipo de distinção social, e acrescentou que nos daria uma bola de couro, as traves, apito, e os tornos para marcação do campo. Liderei os garotos da vizinhança e fizemos o campo. O padre cumpriu a promessa, inclusive mandando fincar as traves e os tornos.

Diante disso, fiz uma carta ao Armazém Paraíba, narrando esses fatos, e pedi uma equipe de um time de futebol. Um ou dois meses depois, quando eu já perdia a esperança, a empresa mandou deixar a farda do Santos em minha casa. Depois, encetei uma campanha para a aquisição dos calções, o que também deu certo. Pouco depois, minha família retornou a Campo Maior, mas tenho notícia segura, através de meu amigo Francisco Costa, freitense, fiscal do Estado e radialista, de que esse campo ficou em atividade durante muitos anos.

De modo que, respondendo à pergunta do magistrado Carlos Dias, paulista e torcedor do Santos, posso dizer que sou santista desde menino, desde que joguei num time chamado Santos, que ajudei a  criar, na aprazível e querida cidade de José de Freitas, outrora Livramento.

9 de abril de 2020

Poeta Elmar Carvalho

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Os mimos do poeta Edson Guedes

O poeta intercontinental Carlos Drummond de Andrade, no poema Política Literária, dedicado ao poeta internacional Manuel Bandeira, diz que “O poeta municipal / discute com o poeta estadual / qual deles é capaz de bater o poeta federal”.

De minha parte, não sendo concorrente de ninguém e nem literato de prêmio, como na música Natureza Noturna, de Fagner, não desejo bater nenhum poeta, seja ele de que instância seja.

Contudo, para honra e gáudio meus, já por várias vezes, tenho sido contemplado com verdadeiros mimos e honrarias do poeta e contista Edson Guedes de Morais, através de impressões artesanais de antologias, cartões, marcadores de textos e placa metálica com poemas de minha autoria.

Não tenho a menor ideia de como esse grande poeta e contista tomou conhecimento das poesias deste acanhado poeta municipal, já que não nos conhecíamos e nem nos conhecemos pessoalmente. Sei que fico feliz com a sua distinção, que me vale mais que certas honrarias “cavadas” ou “sugeridas”, e certos ouropéis de latão, concedidos, às vezes, por interesses subalternos.

Só me resta agradecer: muito obrigado, caro Edson Guedes de Morais!

Estava eu passando uns dez dias em Parnaíba… Ao retornar, encontro uma linda caixa ilustrada, com vários e belos cartões em policromia, e junto a eles uma antologia de meus poemas, que segue abaixo.

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Fragmento do poema de título acima.

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Fragmento do poema de título acima.

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Fragmento do poema de título acima.

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Brinco de Ouro.

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 *Pádua Marques

A pedra comeu, correu solta naquele dia 27 de fevereiro de 1928 na região do porto Salgado na Parnaíba. Coisa de fechar o comércio, as lojas e armazéns, derrubar as barracas de frutas e verduras entre a rua dos Barqueiros, a igreja de Nossa Senhora da Graça e a igreja dos pretos, perto do Banco do Brasil. Tudo porque Raimunda Brinco de Ouro se sentiu ofendida além da conta com alguns estivadores, estudantes da Caixeiral e embarcadiços. Mas fazia tempo que aquela situação já era esperada. E o prejuízo foi grande naquele dia.

Francisca Raimunda Sotera, pelo que e até onde se sabia era do Camocim, no Ceará. Dizia ser de uma família de gente importante, que tinha deputado, senador, prefeito, médicos, juízes e tudo o mais. Veio dar com as pernas na Parnaíba a mando de seus pais pra estudar no Colégio Nossa Senhora das Graças. Menina à época de uns treze anos e já furando a blusa com o bico dos peitos. Veio pra casa de umas tias velhas nos Campos, mas acabou se perdendo na companhia de outras colegas.

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Mas já ficando ainda mais mocinha, muito falante e jeitosa, achou a forma do pé quando um caixeiro que se dizia da Casa Inglesa se engraçou dela. Francisca Raimunda Sotera fugia da casa das tias de tarde, quando voltava do Colégio Nossa Senhora das Graças, pra se encontrar com as colegas e os namorados. Iam todos atravessando de canoa, direto passear no outro lado da Ilha Grande de Santa Isabel, entre as carnaubeiras, e na volta ficavam olhando o rio Igaraçu e as embarcações que chegavam e as que saíam pra Tutoia no Maranhão.

O namoro foi engrossando, engrossando, ficando sério e quando Francisca Raimunda Sotera se deu conta já estava perdida. O caixeiro lhe prometeu casamento, roupas boas, casa com mobília e até uma criada, nos Campos, viagem pra o estrangeiro e tudo o mais. E ela acreditando. Mas quando ela cobrou quando seria esse casamento, ele fez troça. Ela perguntava, cobrava e ele se fazia de mouco. A mocinha de família importante de Camocim acabou ficando fraca dos nervos. As tias jogaram ela fora de casa e deram ciência aos pais em Camocim. Eles nem quiseram mais saber e jogaram os pés.

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Mas Francisca Raimunda Sotera não saiu dessa enrascada em que se meteu com o caixeiro, de mãos abanando. O caixeiro lhe deu um par de brincos, dizendo que eram de ouro maciço e que eram a prova de que iriam se casar um dia. Aquilo era apenas o começo. O certo é que a moça acabou caindo no mundo e o cais do porto Salgado e a rua Grande na Parnaíba se tornaram seu ponto e meio de vida. E de tanto falar desse presente acabou ficando loura à força e conhecida de todo mundo como Raimunda Brinco de Ouro, ou simplesmente a Brinco de Ouro!

Agora dava pra andar pra cima e pra baixo com um monte de papeis amassados debaixo do braço, uma bolsa a tiracolo feito mulher da alta sociedade, toda pintada, entrando de armazém em armazém, olhando peças de pano e calçados, se dizendo rica e que era empregada de confiança dos Franklin Veras na rua Grande e coisa e tal. Que se quisesse comprava toda a loja somente com o dinheiro apurado com a venda dos brincos. Os donos das lojas de início achavam graça, desconversavam. Mas Francisca Raimunda Sotera a cada dia ia ficando mais pior do juízo e mais inconveniente. Ao ponto de ficar levantando a saia na frente de todo mundo!

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E os estivadores, desocupados, embarcadiços, bêbados de pé de balcão, caixeiros, vendedores de passagens pra o Maranhão, até donos de armazéns, toda aquela gente que passava o dia inteiro perambulando ou fazendo alguma coisa no porto e nas redondezas e outros mais, ficavam mangando dela, jogando pilhérias. Ela passava a xingar, rogar pragas, jogar pedras e o que fosse encontrando pela frente. Vez por outra alguma vendedora de verduras e frutas de Ilha Grande se condoía e retirava Brinco de Ouro pra um lugar mais seguro, longe das incomodações daquela gente rude.

E toda aquela situação foi ficando desagradável pra os comerciantes daquela Parnaíba, com suas lojas de tecidos e aviamentos finos, seus armazéns de secos e molhados, a representação do consulado da Inglaterra e outras tantas repartições do governo. Os comerciantes já colocavam na ponta do lápis os prejuízos por conta das estripulias de Brinco de Ouro, fustigada por um bando de desordeiros e desocupados. Foi quando as autoridades acharam que ela estava indo longe de mais e doente e precisava ser internada.

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Foi por esse tempo que havia sido criada pelo doutor Mirócles de Campos Veras a Fundação São Lázaro, com dez contos de réis, dinheiro saído da burra de José Narciso, Josias Correia e da firma James Clark, a Casa Inglesa. O leprosário levou muita gente doente e que perambulava pelas ruas pra o distante hospital, no meio do mato.  Francisca Raimunda Sotera acabou indo ser internada a pulso, assim como tantos outros doentes ou suspeitos de terem lepra. Dela nunca mais se teve notícia, se morreu, se foi curada, se fugiu igual tantos e tantos leprosos que ali foram internados.

*Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras. Fotos Parnaíba das Antigas.