
NO REINO DO SOBRENATURAL
Elmar Carvalho
Fui à casa de meu colega e amigo João Batista Rios. Pedi-lhe que me contasse uma história que ele me havia contado há mais de seis anos, quando ele era juiz de Bertolínia, e eu, de Ribeiro Gonçalves. Muitas vezes viajamos, à noite, no mesmo velho e desconfortável ônibus, para as nossas longínquas Comarcas. De madrugada ele descia na sua cidade e eu continuava em minha desgastante odisséia madrugada friorenta a dentro.
Repetiu a história da mesma forma como eu a guardara em minha memória. Certo dia do início da década de 1990, quando ele era servidor federal da Previdência Social e advogado, por volta de 13:30 horas, estacionou seu carro na frente do Colégio das Irmãs, onde deixou sua filha, e seguiu a pé em direção a seu escritório, situado no Palácio do Comércio. Na calçada da antiga Escola Técnica Federal, na frente da EMBRATEL, avistou o padre Geraldo Vale, que fora capelão da Polícia Militar do Piauí e fora seu diretor espiritual no grupo da Renovação Carismática da Escola Dom Barreto.
Quando o padre o avistou, em gesto largo e de muita expansividade, abriu os braços, como se estivesse se preparando para um grande abraço, e sorrindo o chamou de “meu advogado Dr. Batista Rios”, como costumava saudá-lo. Conversaram no máximo dois minutos. Despediram-se e Batista seguiu para o seu escritório.
Um pouco adiante, voltou-se e viu o padre afastar-se no ensolarado início de tarde teresinense. O meu colega admirava esse capelão, pelo que ele tinha de ungido, de santidade, de homem efetivamente de Deus. Fazia tempos que não o via, mas sempre pensava nele, sempre desejando revê-lo, uma vez que passara a integrar o grupo da Renovação Carismática do Cristo Rei, deixando o que era dirigido pelo padre Geraldo.
No caminho, foi pensando em como o achara rejuvenescido, quase transfigurado em sua expressão de alegria, de paz, de beatitude, com feição e expressões angelicais. De tarde, ao deixar o seu escritório, foi pegar uma revista na banca do Solon, na praça Pedro II. Nessa banca, encontrou Célia, que fora sua colega do antigo INAMPS e do grupo carismático do Dom Barreto.

Com muita alegria lhe informou que havia encontrado, antes das duas horas da tarde, o padre Geraldo. Célia, incrédula e sorrindo, disse-lhe que ele estava a fazer mais uma de suas brincadeiras, pois tal fato jamais poderia ter acontecido, posto que o capelão havia falecido há mais de um ano. Batista retrucou-lhe que ela é quem estava a fazer gracejo, e foi embora.
No dia seguinte, quando o magistrado Batista Rios, como costumeiramente fazia, foi assistir a uma missa na igreja de São Benedito, encontrou, logo na entrada do templo, a senhora Ivani, pessoa de muita devoção e de sua estima. Disse-lhe da alegria de haver encontrado, no dia anterior, o padre Geraldo Vale.
Dona Ivani, algo perplexa, com as pupilas um tanto dilatadas, respondeu-lhe:
– Meu filho, padre Geraldo já faleceu, faz mais de ano…
Batista Rios, católico da mais lídima devoção, homem íntegro, magistrado honrado, não sabe a explicação definitiva para o fato, mas somente que ele aconteceu, da maneira que me narrou.
Talvez o seu desejo em rever o sacerdote tenha sido tão forte, que materializou a imagem dele, que estava incrustada indelevelmente em sua mente; talvez o padre tenha obtido permissão para lhe aparecer uma última vez, para que Batista pudesse dar o seu testemunho de que há mais coisas no céu do que apenas aviões de carreira, como asseverou célebre ironista.
11 de abril de 2010