Couro grosso. 

 

carnaubais

 

*Pádua Marques

 

Sebastião Faustino, se não fosse a cachaça, havera de ser um dos homens mais ricos da Parnaíba. Coisa de ter conta no Banco do Brasil na praça da Graça, andar de automóvel pra cima e pra baixo igual seu Roland Jacob, conhecer deputado, prefeito e governador, dar esmola e ser padrinho de casamento e de batizado de muita gente na Ilha Grande de Santa Isabel, desde o Alto do Batista até o Labino. Mas não. O vício pela bebida e as mulheres da vida dos Tucuns não deixaram.

Tanto fez e deixou de fazer que estava ali agora na maior miséria, numa cama da Santa Casa de Misericórdia, junto da mulher Judite e dos dois filhos, João e Raimundo, pedindo por Deus a caridade de doutor Cândido Ataíde pra que não lhe cortasse o pé, atingido o calcanhar por uma mordida de piranha numa pescaria sem motivo nas lagoas do Labino. De madrugada, sozinho, vindo da farra na Parnaíba e que lhe tinha tirado a saúde e o sossego da família desde o final de junho, quando as águas baixaram.

Foi coisa de ir pra Parnaíba fechar uns negócios com palha e depois se enfiar nos cabarés do Cheira Mijo gastando o apurado, pagando cigarro, vinho e conhaque pras putas, dando gorjeta pra dono de boteco, menino pidão, engraxate da praça da Graça, algum esmoler que lhe pedisse um tostão e tudo o mais e se esquecendo de voltar pra casa onde havera de ter deixado mulher e menino esperando!

A última notícia que se teve de Sebastião Faustino foi de que foi visto saindo da Casa Inglesa e na companhia de um conhecido, de nome Bernardo.  Coisa de cair da tarde, indo direto pra o rumo da Igreja do Rosário. Rezar não deve ter ido. Sebastião Faustino nunca foi de pisar dentro de igreja pra assistir uma missa que fosse! Pra dizer que não foi, foi no batizado do primeiro filho, João, menino hoje chegando aos dezesseis anos e que ajudava já no corte de palha.

O outro menino, Raimundo, de uns doze anos, foi dado de criação pra os avós na Ilha das Batatas. Foi quando a mãe não aguentando as bebedeiras do marido livrou o filho das incomodações.  Mas agora ela e os filhos estavam ali ao lado da cama do pai doente. Sebastião Faustino às vezes chorava muito pelo medo de ter o pé cortado. Pensava que nunca mais seria homem de sair de casa, fazer pescaria, nadar e tomar banho nas lagoas de águas frescas do Labino. Talvez nunca mais fosse homem de caçar passarinhos, xexéus e periquitos, aqueles mesmos que faziam seus ninhos nas carnaubeiras.

A carnaúba era assim na Parnaíba. Dava com uma mão e tirava com a outra. Pra quem não tinha ambição, vivesse direitinho e sem esbanjamento e não soubesse trabalhar com ela, o destino era a pobreza. Servia sim, pra enricar gente da Casa Inglesa e outras famílias de pente de ouro. Gente que tinha casa boa e até palacete na rua Grande e praça de Santo Antonio. Gente que tinha automóvel, fazenda de gado no Macacal e Ilha das Batatas, nas Canárias, no Buriti dos Lopes. Mas pra gente que bastava pegar em dinheiro, feito Sebastião Faustino, que não media distância com gastar o dinheiro na rua, era depois só dor de cabeça.

Saía de madrugada, ainda tudo turvo, todo pronto, como quem ia votar em dia de eleição ou se consultar na Santa Casa de Misericórdia com doutor Mirócles. Vez por outra levava um animal, tomado emprestado do vizinho, o negro Timóteo. Vendia a cera de carnaúba ainda na palha. Sebastião era bom de conta. Quando faltava o combinado com a Casa Inglesa ou outro comprador menor, comprava de algum vizinho.

A mulher em casa já ficava com a mão na cabeça, carregada de preocupações. Coisa de correr no oratório dentro da camarinha e pedir a Nossa Senhora da Conceição e São Francisco das Chagas que o trouxesse de volta são e salvo. Mas os pedidos de Judite não eram suficientes! Sebastião Faustino era homem de pouco juízo naquela cabeça grande.

Passava boa parte do tempo no carnaubal ou nas pescarias de lagoas de água doce nos Morros da Mariana. O dinheiro era pouco. Mal dava pra comprar aqui e ali algum mercado de querosene pras lamparinas, açúcar, sal, café, quando muito arroz, rede pra quem estivesse com mais necessidade, um vestido de chita pra Judite, sabão pra lavar roupas e os trens de cozinha, cordas, fios pra punho de rede, linha pra tarrafa, chumbo e anzol. Mas às vezes essas mercadorias eram trocadas na Casa Inglesa pela cera trazida em cima de jumento e depois pelas canoas até chegarem na Parnaíba.

Quando estava bom e longe da bebida e estava no carnaubal, Sebastião Faustino às vezes se punha a olhar a vasta mata de palmeiras altas e que o vento acabava fazendo um barulho nas palhas, coisa de meter medo se estivesse sozinho naquele terror de sol do meio da tarde. Ficava ali horas e horas olhando pra copa delas, umas mais baixas, outras mais altas e mais velhas. Aquela mata de carnaubeiras novas era de onde sustentava e levava alguma coisa pra dentro de casa.

E pensava como é que podia toda aquela cera, que ele mesmo achava que não tinha serventia, valor de nada, aquele pó que, se pegasse nos olhos era capaz de cegar um cristão, estava rendendo muito dinheiro na praça comercial de Parnaíba e fazendo fortuna na Casa Inglesa e nos escritórios de seu Roland Jacob? Agora se lembrava de que tinha visto uma novidade na loja de seu Pedro Machado, ou do Franklin Veras, não sabia ao certo. Uma lanterna. Haveria de tão logo o dinheiro chegasse, iria comprar uma lanterna. Seria melhor pra fazer as pescarias à noite no caminho das lagoas. Melhor do que as lamparinas de Judite!

Mas depois daquele dia de negócios e de volta pra casa no meio da noite, na escuridão de meter dedo no olho entre o cais do outro lado do porto Salgado até chegar ao Labino, ouvindo o roçar do vento nas carnaubeiras, Sebastião Faustino vinha muito embriagado. Das compras, a dona do cabaré, por precaução pediu pra guardar, entregando tudo em segurança quando ele na semana voltasse na Parnaíba. Deixou que levasse apenas a faca de cintura e a dita lanterna.

Sebastião Faustino disse se gabando e onde estava, que não tinha medo de nada, tinha o couro grosso, só temia os castigos de Deus! Couro grosso e torrado de sol a sol naquela ilha ingrata, cheia de donos e que ninguém sabia ao certo de quem era. Mas era ilha de caboclos machos, muita água, fartura de peixes, muricis, cajus, de um tudo. Empanturrava tudo quanto era mercado de Parnaíba!

No meio do caminho, naquela vastidão de terra coberta de dunas ao longe e cercada de carnaubeiras silenciosas e aqui e outro ali, um pé de cajueiro, Sebastião Faustino acendeu a lanterna e achou uma lagoa de bom tamanho. Aí veio a tentação de nela tomar um banho. Foi se aproximando e logo foi tirando a roupa. Ligou e enfiou a lanterna na areia fofa até a metade com a luz voltada no rumo da água onde pudesse ver por estava indo. Nada e ninguém por perto.

Nu do jeito que sua mãe colocou ele no mundo, Sebastião Faustino, no calor daquele final de noite pra o início da madrugada entrou na lagoa até quando deu na altura das coxas. Nadou por uns poucos minutos. A água fresca da lagoa deu alma nova depois daquele dia de bebedeira no Cheira Mijo, na Parnaíba. Passados uns minutos e já imaginando dar um mergulho, sentiu uma fisgada pequena no calcanhar. Vai ver que fosse alguma piaba. Logo uma fisgada mais forte e outras seguidas. Se apavorou e quando se deu conta já era tarde. Piranhas!

*Conto de Pádua Marques, cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras. 

 

 

 

 

 

SESC E APAL APOIAM INICIATIVAS QUE FORTALECEM A CULTURA PARNAIBANA

O projeto de reativação da ferrovia entre Parnaíba e Luis Correia idealizado pelo empresário parnaibano  e presidente da Federação do Comércio do Piauí – FECOMÉRCIO -PI, Valdeci Cavalcante,  começa a se concretizar.
Segundo informação dada por Valdeci Cavalcante  ao presidente da Academia Parnaibana de Letras, escritor José Luis de Carvalho, até o próximo dia  11 de janeiro estará chegando em Parnaíba uma composição ferroviária composta de três locomotivas e nove vagões.  Um deles  será um vagão biblioteca que deverá ser fixado no estacionamento do Castelo, em frente à Praça Mandu Ladino, cujo local já está  pronto. Segundo ainda Valdeci Cavalcante, que também  é membro da Academia Parnaibana de Letras,   isto será  uma atração à parte, destinada especialmente para as crianças,  e para a efetivação desse objetivo  a Academia Paranaibana de Letras – APAL formalizará com o Serviço Social do Comércio – SESC,  uma parceria no sentido de colocar o mais breve possível,  esta biblioteca em funcionamento.
Além de  livros  de autoria dos acadêmicos parnaibanos que comporão o acervo da biblioteca,   membros da APAL deverão, periodicamente ministrar palestras sobre os diversos aspectos da literatura, da história,  e da cultura parnaibana, como também visitarem o local e  conversarem com os  leitores e frequentadores do vagão biblioteca,   orientando, esclarecendo,tirando dúvidas etc…
Sem sombra de dúvidas,  o Vagão Biblioteca que funcionará em um local bastante frequentado pela população parnaibana – a Praça Mandu Ladino,  é mais uma iniciativa louvável em favor da cultura local, fruto da brilhante e fértil ideia  deste parnaibano empreendedor, advogado, escritor, presidente da FECOMÉRCIO -PI e vice-presidente nacional da instituição.
Vagão Biblioteca – Parceria  SESC/APAL   Texto: Antonio Gallas

Diego Mendes toma posse na Academia de Letras de Parnaíba dia 24 de janeiro.

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O poeta e advogado Diego Mendes Sousa toma posse na cadeira 11 da Academia Parnaibana de Letras dia 24 de janeiro, às 20h no auditório da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Parnaíba.

Mendes assume a cadeira número 11, ocupada antes pelo economista e escritor João Paulo dos Reis Velloso, que morreu em fevereiro deste ano de 2019, e que tem como patrono o educador Tomaz Catunda.

Diego Mendes Sousa nasceu em 15 de julho de 1989 é escritor, jornalista,
advogado, indigenista, ambientalista e ativista cultural. Membro do PEN Clube do Brasil e detentor do Prêmio Castro Alves da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro 2013, pelo conjunto da obra.

Publicou 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, Edições Galo Branco, 2010, dentre outros títulos. Seus poemas foram traduzidos para o inglês, o espanhol, o francês e o grego. Fonte: APM Notícias. Foto: Web.

 

Cabeça de cera.

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Pompílio se agachou e se pôs a coçar os pés que ardiam como em brasas depois de ter passado por cima de um formigueiro naquela vastidão de carnaubeiras na parte mais deserta da Ilha Grande de Santa Isabel. Um sol de rachar os miolos. E suando muito não tirou dele a ambição de olhar pra aquelas palmeiras naquele meio de dia e pensar que, se tudo desse certo conforme prometido a Gastão Carneiro, haveria de em pouco ter dado um salto e tanto na vida. Não havia nascido pra viver e um dia morrer pobre.

A mulher Nonata havia ficado em casa com os três filhos. Rosinha, a mais velha, menina de uns doze anos e já furando os bicos dos peitos, Teresa, a do meio, de dez anos e o mais novo, Gerônimo, de sete pra oito anos. Este, desde que nasceu que se tinha por muito doente. Coisa de pele. Umas feridas que davam pra coçar e tomando o corpo, só livrando mesmo a cabeça. Em tudo quanto foi médico na Parnaíba ele foi consultado, mas nenhum deu resposta do que se tratava a doença. O alívio era os três banhos por dia com raspa de casca de cajueiro, dados pela avó, dona Maria Tilim, metida a ler mãos pra adivinhar a sorte.

Havia quem dissesse que aquelas coceiras de Gerônimo eram coisa de sua mãe ter sangue ruim e que o menino tinha tudo pra depois de grande virar lobisomem. Nonata sofria muito pela pobreza, a doença do filho e com o que diziam sobre quando crescesse. Se crescesse. O marido Pompílio não era de reclamar da vida, mas era ambicioso e inquieto. Tinha na cabeça que um dia ainda haveria de sair daquele padecer com a família e até dar, se possível, escola pra os filhos que viviam correndo pra cima e pra baixo entre a casa de taipa dentro do carnaubal e a casa da outra avó, Mariana, a dona Véia, viúva de Raimundo Pereira, o Mundico da Arraia.

Tudo gente vinda do Maranhão e muito pobre. Nos tempos de cheia das lagoas se danavam a pescar de rede ou de tarrafas e o pouco conseguido levavam pra Parnaíba, onde iria ser vendido nas ruas próximas da igreja de Nossa Senhora da Graça. Na época de trabalhar na derrubada da palha de carnaúba, até que entrava algum vintém, que ia logo pagar o fornecimento pela compra de querosene, açúcar, azeite, uma louça, algum metro de pano pra roupa de Nonata e das crianças. E nisso seu Gastão Carneiro corria a mão na caneta ou do lápis na gaveta pra saldar no caderno o que vendia fiado pra Pompílio, filho de Mariana, a dona Véia, dos Morros.

Gastão Carneiro era dono de um dos armazéns onde se vendia de um tudo na rua Grande, onde estava todo o movimento de comércio na Parnaíba naquele início de século XX. Magro, rosto fino e bigode mais ainda, idade de uns cinquenta anos mais pra cima, rapaz velho, vivia sempre com os olhos voltados pra beira do rio pondo sentido em quem vinha subindo o barranco. Bem que podia ser gente rica, vindo da Tutoia ou até mesmo de São Luiz em algum vapor, em ponto de fazer grandes compras ou fechar sociedade. Mas se contentava em dia de movimento fraco a mexer nas prateleiras anotando e alterando os preços das mercadorias.

Tinha por único empregado, o Damião, um negro lá de seus quarenta anos, sempre pronto a obedecer aos mandos do patrão ao menor sinal. Quando não havia freguês se punha a fazer contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir num papel de embrulho no final do balcão. Foi indicação do pai, Afonso Carneiro, quando lhe passou o destino e o futuro do estabelecimento. Que pegasse um negro que fosse esperto, o ensinasse a ler e a contar e que sendo bem de feição e obediente, sem vício de bebida e de engraçamento com mulheres da vida dos Tucuns ou da Coroa, colocasse no armazém pra lhe ajudar. De certo que depois de desarnado e com pouco de tempo e paciência podia passar pra o balcão.

Negociava com pó de carnaúba e entre seus fregueses estava o inglês Wallace Groover, homem de uns quarenta e poucos anos, cabelos acobreados e já ficando brancos, dentes amarelos, roupas encardidas, suado e sempre fumando um cachimbo feito de sabugo de milho. Metido a jogar galanteios e pilhérias pras mulheres. Por esses e outros hábitos não era bem quisto pelas famílias de comerciantes da rua Grande, oficiais da justiça, padres e outras autoridades. Mas Mister Groover ou seu Groover, como era mais conhecido pelo pessoal da rua e do porto Salgado, se sabia que era tido e havido nas casas de gente rica e negociantes de pó de cera de carnaúba, os ingleses e franceses.

No final da tarde, já o sol se ponto por trás dos carnaubais da Ilha Grande de Santa Isabel, vinha ele se sentar, saído da pensão Bauss, de Eponina Bauss, em alguma porta de armazém a convite de seu dono e naquele estado se punha a se pabular da vida de inglês e vez por outra até criticava os costumes da gente do Brasil e da Parnaíba. Um ou outro ia puxando a conversa. E nesse tempo em que o porto ia se acomodando e ganhando o silêncio e a escuridão da noite, Groover voltava pra pensão ou quando estava mais afoito pela bebida de conhaque, se danava no rumo dos Tucuns à procura de mulheres da vida.

Chegavam notícias vindas da Tutoia de que a cera de carnaúba estava ganhando preço na Europa e nos Estados Unidos da América. E Groover foi um dos que mais bateu palmas na rua Grande com esta notícia. Consultou Gastão Carneiro sobre como estava a produção de pó de cera na Parnaíba e quem poderia fornecer este produto sem o risco de agiotagem. Pagamento em libras esterlinas, a moeda mais alta em todo o mundo, se gabava. Falou e falou muito e bonito. Disse até que falaria em breve com o cônsul inglês sobre a possibilidade de sua majestade o rei da Inglaterra, terra onde dizia que o sol nunca se põe, comprar um pedaço da Ilha Grande de Santa Isabel!

Os embarcadiços, negros estivadores, vagabundos, bêbados e até os faltos de juízo de toda sorte vieram ouvir o inglês com aquela gabolice toda. Batiam palmas, davam gargalhadas, contavam piadas indecentes, tentavam falar alguma palavra da língua inglesa, dançavam uns com os outros. Groover agora rasgava elogios ao Brasil, sua gente, as mulheres, principalmente as negras, a aguardente, as frutas. E aquela conversa tomava o rumo direto da noite e das casas baixas e imundas do Cheira Mijo e da Coroa.

 

Lá no meio daquela imensa mata de carnaubeiras, Pompílio estava com a mão na cabeça e era assunto de seu ofício. Era de como iria dizer pra mulher Nonata que o dinheiro apurado com a venda da palha naquele ano mal dava pra tapar uns buracos na dívida com Gastão Carneiro, tão logo pendesse pra Parnaíba naquele meado de agosto. Olhava os imensos campos cobertos de mata-pasto e salsa subindo as dunas no rumo da Pedra do Sal, os alagados cheios de peixes ruins, os ninhos de xexéus e de periquitos tomando as carnaubeiras.

Carnaúba já não tinha mais valor de venda. Imaginava vender tudo, pouco mais de duas léguas. Tudo pra tirar umas poucas arrobas de pó de cera, o cansaço dele e dos animais puxando a carga, o pagamento de algum ajudante, a canoa no Igaraçu. Depois ter que aguentar conversa de Gastão Carneiro e de outros. Mas foi o que recebeu de Deus e presente de Deus ninguém renega. Recebeu aquela ponta de carnaubeiras do seu pai, Mundico Arraia, marido de Mariana, a dona Véia. Foi dada como herança pra iniciar a vida depois de se juntar com Nonata.

Pó de cera era tudo o que dava aquele tipo de negócio. Tinha tempo que dava dinheiro, no que dava pra apagar alguma dívida na praça da Parnaíba. A vida era assim, ordinária e sem muita graça pra pobre e ainda mais sem instrução. Soubesse ler e contar talvez ninguém lhe passasse a perna.  Chegava com a carga de pó de cera e o comerciante ficava conversando com o comprador naquela língua que ele Pompílio não tinha entendimento. O mundo era assim. Uns sabiam falar, comer na mesa, fazer discurso, se vestirem bem e melhor. Ele não. Era só pra passar vergonha porque não sabia de nada. Tinha mal o nome.

E aqueles campos todos cobertos de carnaubeiras. Que custavam tanto e tantos anos pra dar palha em condições de corte. Iam cobrindo até a beira do rio, tomando os alagados, ainda eram de onde tirava alguma coisa pra sua família ter em casa. Queria uma roupa boa, um calçado, uma faca com bainha de couro cravejado de pedras, daquelas que um dia viu e se admirou num armazém na rua Grande. Vestido pras filhas e pra Nonata e algum agrado pra Gerônimo. Esse filho que lhe causava desgosto por causa da doença que doutor nenhum na Parnaíba disse o que era.

Mas bem que podia vender. Não tudo, mas umas braças de terra e com o dinheiro apurado ir pra São Luiz, no Maranhão, correr atrás de saber que diabo era aquilo no menino. Coisa mais feia. Chegou em casa e foi direto pra camarinha. Largou a pensar e lembrou que ainda havia pó de cera, mais de dez arrobas. Foi e fez o cálculo. Dava pra tirar algum vintém. No outro dia iria de cretado na Parnaíba negociar com Gastão Carneiro aquela mercadoria. Nem tratou com a mulher. Era coisa que não queria criar encrenca dentro de casa.

Gastão Carneiro estava naquela manhã interessado em receber uns negociantes de São Luiz que vieram até Parnaíba oferecer sociedade num negócio de máquinas de costura. Pompílio chegou e tratou de chamar Damião a um canto. Ofereceu o negócio da carga de pó de cera de carnaúba. O ajudante de balcão foi tratar com seu patrão e logo mais veio dizer que a pessoa mais acertada era Wallace Groover, um inglês que morava na pensão de Eponina Bauss. Era ficar esperando até à tarde quando ele viesse ter no porto com alguns donos de armazéns. Era mais que certo. Damião falou e falou bem do inglês, assim como o conhecesse. E tanto falou que acabou impressionando Pompílio. Voltou pra Ilha Grande de Santa Isabel pronto pra organizar a carga e dentro de mais uns dois dias voltasse pra fechar negócio.

Aquele terror de sol queimando o couro da cabeça, o suor escorrendo pelo queixo de barba mal feita, fez Pompílio juntar os quatro jumentos com a carga de pó de carnaúba e atravessar a região mais deserta de Ilha Grande de Santa Isabel no rumo do porto Salgado. Damião, o negro do armazém não jurou que o inglês Groover vinha toda tarde conversar com Gastão Carneiro? E essa era a vez de chegar com a carga de pó de cera de carnaúba e oferecer negócio. Quem sabe que daquele primeiro negócio não viessem outras encomendas!

Pensava alto. Na mulher mais bem cuidada, nas meninas estudando numa escola boa na Parnaíba, um colégio de freiras, talvez. A troca da mobília de casa, uns animais pra ajudar na cata da palha, uma tarrafa nova pra o tempo da pescaria.  Pensava até de falar da doença de Gerônimo. E assim foi chegando entre veredas e várzeas no porto Salgado. Descarregou os jumentos e contratou com o pouco dinheiro que ainda tinha o serviço de uma canoa grande. Os sacos foram sendo empilhados e Pompílio junto dentro de pouco tempo estava atracando no porto Salgado.

Nem descarregou o pó de cera de carnaúba. Subiu correndo o barranco e foi dar na porta de Gastão Carneiro. Pelo que havia falado o negro Damião, o inglês Groover estava metendo a cara pra mais um final de tarde de conversa. Era a hora de a onça beber água! Ia chegar oferecendo o pó de cera e a um preço convidativo. Não tinha como dar errado. Ficou pensando as palavras com que iria se dirigir ao inglês. Damião o viu de longe e fingiu que não o conhecia. Pompílio fez um aceno. Fez outro. Nada. O negro estava se fazendo de dono do armazém, só podia ser!

O futuro caixeiro do Armazém Carneiro veio dizer meio sem jeito que ficou sabendo pela manhã, logo no abrir as portas, que Groover havia ido embora da Parnaíba assim duma hora pra outra saindo pela Tutoia em canoa até alugada. Anoiteceu e não amanheceu! E pelo que se ficou sabendo, tudo por causa de ter mexido com mulher alheia, mulher de um dono de curtume, homem muito rico e influente. Na volta pra os Morros da Mariana, quando a canoa alcançou o meio do rio Igaraçu, Pompílio puxou a faca da cintura e foi furando um a um todos os sacos. O pó da cera de carnaúba foi se espalhando na água e sumindo na correnteza.

– Bem que haviam me avisado que não confiasse em gente do estrangeiro!

Conto de Pádua Marques. 

 

 

 

LÁGRIMAS

LÁGRIMAS.

Wilton Porto

As lágrimas que por enquanto rolam sobre tua face
Sem que entendas que é vaga-lume passante, providente.
Do medo que desanda não vês o disfarce
Que cá de fora se percebe sem ser vidente.

 

Não há dor que não tenha uma raiz de algo presente.
Maldade divina ou piedade dAquele que nos é Luz e enlace?!
No olhar amargo, corpo retorcendo, sofres o que a dor sente.
Por não te atentares que, o
Deus que há, nos quer face a face.

 

A Escada que nos leva ao Monte Mais Elevado,
muitos não A percebem repleta de Luz.
Deixam-se repetir que é um peso pesado,

 

Porém, ninguém chega aos Céus sem carregar a própria Cruz,
que é uma dádiva cristã, por sermos por Deus muito amados,
e que reconheceu a obediência despendida por Jesus.

LÁGRIMAS

Wilton Porto.

LÁGRIMAS.

As lágrimas que por enquanto rolam sobre tua face
Sem que entendas que é vaga-lume passante, providente.
Do medo que desanda não vês o disfarce
Que cá de fora se percebe sem ser vidente.

 

Não há dor que não tenha uma raiz de algo presente.
Maldade divina ou piedade dAquele que nos é Luz e enlace?!
No olhar amargo, corpo retorcendo, sofres o que a dor sente.
Por não te atentares que, o
Deus que há, nos quer face a face.

 

A Escada que nos leva ao Monte Mais Elevado,
muitos não A percebem repleta de Luz.
Deixam-se repetir que é um peso pesado,

 

Porém, ninguém chega aos Céus sem carregar a própria Cruz,
que é uma dádiva cristã, por sermos por Deus muito amados,
e que reconheceu a obediência despendida por Jesus.

Aniversário de José Luís Lira.

 

joseluislira2

Hoje está aniversariando o nosso estimado acadêmico José Luís Lira, que engrandece nossa Academia Parnaibana de Letras dela fazendo parte da composição correspondente.

Residente em Sobral, tem expressivo número de obras publicadas. Fundador e secretário Geral da Academia Cearense de Cultura e de outras relevantes instituições culturais do Ceará.

Receba assim, caro confrade Lira, nosso abraço pelo seu dia, com votos de saúde, paz e um Ano Novo que se aproxima com muitas realizações.

 

QUATRO POETAS DO PIAUÍ – Poemas – Parte 3 (final)

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NA NOITE

 

Elmar Carvalho

 

Na noite

um sapo coaxa.

Uma puta triste

acha graça. Acha graça.

Um galo

às desoras desfere um canto

fora de hora. E chora.

Um cão ladra por nada:

nenhuma cadela no cio.

O silêncio

grita como louco

na concha acústica

dos labirintos dos ouvidos moucos

por onde um Teseu lasso caminha

em busca do Minotauro – perdido

sem o fio de Ariadne –

conduzido por outro fio

que parte / se parte e

se reparte entre o ser

e o não ser.

E os gritos de Teseu

arrancam ecos

que já ecos de si mesmos

se repetem se repetem

até a mais completa

absoluta exaustão.

 

CANÇÃO MELANCÓLICA

 

Clóvis Moura

 

Nasci coberto de luas.

Minha mãe silenciou:

vai ser poeta das ruas,

e o vaticínio acertou.

Por isto nas praças públicas

meu verso se faz fumaça,

ama o silêncio, a penumbra

que os cadáveres fabricam

ou o riso emurchecido

dos vagabundos notívagos.

Dentro da noite navego

no meu barco sem comando

enquanto o mundo transita

em um mar feito de gritos.

Solto nuvens sonolentas

com o meu verso de fumaça:

que importa se ele naufraga

se sou poeta que passa?

A Santa me olha solene:

será Saudade ou tristeza?

Fico perdido na dúvida

e me duplico: incerteza.

 

Por isto é que sou poeta

pois a mãe sentenciou:

não caminho em linha reta

e fujo do que já sou.

 

INVERNO

 

H. Dobal

 

Debaixo de chuva os campos anoitecem

preparando a sua ressurreição.

Amanhece com o dia a vida nova

na sangria dos açudes,

nas veias abertas dos riachos.

 

Chuva cantando nas folhas

água correndo,

água nova cantando no chão.

De novo o resplendor da vida restaurado

num concerto geral

que pássaro nenhum, nenhum instrumento,

nenhuma garganta de homem ou mulher

jamais pode alcançar.

 

NEL MEZZO DEL CAMIN…

 

Da Costa e Silva

 

Passou de leve a Esperança

Pelo meu coração…

Encantou-me no azul do meu sonho de criança:

Ardeu como uma estrela… E era um pobre balão!

 

Passou de leve a Alegria

Pelo meu coração…

O Amor, dentro em meu ser, como um jardim, floria…

Como é triste, meu Deus, esta recordação!

 

Passou de leve a Ventura

Pelo meu coração…

Como foi que passou, se a busco com loucura,

Sentindo-me infeliz por desejá-la em vão?

MINHA ALMA

Wilton Porto.

MINHA ALMA
Minh”alma é como a água cristalina, que vai além da água do poço de Jacó.

Sei que ainda tenho que avançar, porque, vivo no mundo do pó.
Estou aqui, exatamente, para desatar cada nó.

Se na Terra, eu não tiver quem me ajude. Nos Céus ninguém me deixará só.

Ninguém pense, que farei como a esposa de Ló.
Partindo, só olharei para frente.
Chega de poeira, de viver atolado no pó.
Eu já aprendi por demais!
Para não seguir o exemplo de Jó!

MINHA ALMA

MINHA ALMA

Wilton Porto
Minh”alma é como a água cristalina, que vai além da água do poço de Jacó.

Sei que ainda tenho que avançar, porque, vivo no mundo do pó.
Estou aqui, exatamente, para desatar cada nó.

Se na Terra, eu não tiver quem me ajude. Nos Céus ninguém me deixará só.

Ninguém pense, que farei como a esposa de Ló.
Partindo, só olharei para frente.
Chega de poeira, de viver atolado no pó.
Eu já aprendi por demais!
Para não seguir o exemplo de Jó!