PROFESSOR FREITAS E O GIGANTE ADAMASTOR

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PROFESSOR FREITAS E O GIGANTE ADAMASTOR

Elmar Carvalho

Ontem à tarde estive no apartamento do professor José de Ribamar Freitas. Muitas vezes o tenho visitado, seja para conversarmos, seja para receber alguma orientação sua, mormente na área de literatura. Ele é um homem sério, para alguns circunspecto, mas para mim foi sempre uma pessoa de fácil convívio e de bom-humor. Admiro a sua avantajada e bela biblioteca.

Muitos de seus livros são, hoje, obras raras, e muitos já não são reeditados há muitos anos. A maioria é composta de clássicos da literatura universal. Ribamar Freitas é, ele próprio, um clássico, e eu o chamo de o último dos helenos. Tem considerável conhecimento de grego e de latim. Lê, no original, os poetas do classicismo greco-romano. É um erudito e grande orador. Está, no momento, às voltas com um livro de ficção, que está preparando para publicar, já tendo escrito vários de seus contos.

Fui seu aluno de Direito Penal, na Universidade Federal do Piauí, na primeira metade da década de 80. Recordo que no primeiro dia de aula cheguei um pouquinho atrasado. Ele estava dizendo que já ninguém lia os clássicos, que ninguém queria mais saber desses grandes mestres do classicismo. Para provar o que dizia, perguntou se alguém já ouvira falar em Adamastor, exatamente no momento em que eu me sentava numa das cadeiras.

Devo dizer que o silêncio foi sepulcral. Então, levantei o braço, e disse que Adamastor era o gigante de Os Lusíadas, de Camões, que ameaçou de males formidáveis os navegadores portugueses, ao dizer que lançaria maldições de toda sorte, e que o menor mal seria a morte. O mestre ficou perplexo, e levemente contrafeito, porque eu quebrara o mote e o fundamento de sua peroração.

Duas décadas depois, encontrei na apresentação ao livro Reflexões sobre a Vaidade dos Homens e Carta sobre a Fortuna, de Mathias Aires, uma passagem que me fez recordar o episódio, algo anedótico, que contei. Consta que Ariano Suassuna, ao ministrar aula em São Paulo, dissera que as universidades brasileiras ensinam de costas para o país. Para provar o que afirmava perguntou se alguns dos alunos já ouvira falar em Kant. Todos levantaram a mão, afirmativamente.

Em seguida, perguntou se eles já tinham ouvido falar em Mathias Aires. Ninguém levantou a mão, exceto um único aluno. Suassuna perguntou a esse aluno se ele já lera esse clássico de nossa literatura, ao que ele respondeu que não. Disse que só conhecia o nome do grande escritor e pensador porque, por coincidência, morava numa rua que tinha o seu nome.

Contudo, se fosse nos dias de hoje, à pergunta de mestre Ribamar Freitas, todas as mãos levantar-se-iam e todas as vozes responderiam sim, em uníssono. Sucede que hoje é sobejamente conhecido o palhaço televisivo Adamastor Pitaco.

28 de fevereiro de 2010

Escritores, editores e livreiros se unem em campanhas em defesa do livro.

 

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Com o mercado editorial ameaçado pela crise econômica, profissionais têm o objetivo de convencer o brasileiro a dar livros de presente neste Natal.

 

“Presentear com livros hoje representa não só a valorização de um instrumento fundamental da sociedade para lutar por um mundo mais justo como a sobrevivência de um pequeno editor ou o emprego de um bom funcionário em uma editora de porte maior; representa uma grande ajuda à continuidade de muitas livrarias e um pequeno ato de amor a quem tanto nos deu, desde cedo: o livro.”

 

Essas palavras de Luiz Schwarcz, presidente da Companhia das Letras, encerram sua Carta de Amor aos Livros, publicada no blog da empresa. Ele relata as dificuldades do mercado editoral neste momento de crise, em que as duas maiores redes de livrarias do país – Saraiva e Cultura – solicitaram recuperação judicial.

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Diante desse impasse, editoras, livrarias, profissionais do setor e escritores se mobilizam em campanhas com o objetivo de convencer o brasileiro a dar livros de presente neste Natal.

 

“A venda cresceu em 2018, mas o prejuízo em anos anteriores deixou algumas livrarias endividadas. O panorama prejudica as editoras, principais credoras das grandes lojas, que deixam de receber boa parte de seu faturamento”, explica Marcus Teles, presidente da rede mineira Leitura. A empresa apoia a campanha #VemPraLivraria, que mobiliza lojas e a Associação Nacional de Livrarias (ANL). Nas unidades da Leitura dos shoppings Cidade e Boulevard, o cliente é convidado a declarar seu amor pelos livros em um painel de post-its. No Facebook, é possível aplicar a hashtag na foto de perfil.

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Por sua vez, a campanha #LivroDePresente ganhou o apoio de vários escritores. Já a #LivroÉNaLivraria quer atrair leitores para as lojas físicas, diante da concorrência on-line. “Ir à livraria é um ato de lazer, um momento prazeroso para o público infantil. Com frequência, vemos crianças puxando os pais para dentro das lojas”, diz Marcus Teles, da rede Leitura.

 

A criançada, aliás, foi importante para o faturamento em 2018. “Nas últimas duas décadas, com a ‘geração Harry Potter’, houve crescimento contínuo na formação de leitores. Antes, crianças e adolescentes liam apenas obrigados pela escola. Hoje, seguem indicações recebidas pela internet”, analisa Teles. Na seara infantojuvenil, ele destaca dois fenômenos: a série norte-americana Diário de um banana, de Jeff Kinney, e As aventuras na Netoland, do youtuber brasileiro Luccas Neto.

 

“A área que mais cresceu foi a de não ficção, enquanto os anos anteriores eram puxados pela literatura estrangeira”, observa o dono da Leitura. Poesia que transforma, de Bráulio Bessa – conhecido por suas participações no Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo – , é sucesso de vendas, observa. Publicações de autoajuda, negócios, história e biografias também tiveram destaque nos últimos meses.

 

O período eleitoral impulsionou a venda de títulos. Há procura de livros de Olavo de Carvalho, apoiador do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), autor de O imbecil coletivo (1996) e O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (2013). Filósofos também figuram entre os mais lidos do ano – Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé, entre eles. “Esses autores conseguiram expor seu pensamento com uma linguagem fácil. Foi uma surpresa que a filosofia tenha se tornado best-seller este ano”, comenta Teles.

 

DELICADO 

 

“É um momento delicado, de crise das duas maiores redes de livrarias, que representam um percentual expressivo de nossas vendas”, afirma Judith de Almeida, gerente de varejo do grupo editorial Autêntica, criado em BH. A companhia busca oferecer vantagens às lojas revendedoras, realocando parte do que era fornecido à Cultura e à Saraiva.

 

De acordo com Judith, a crise atinge determinadas empresas, mas não se configura como problema relativo à venda de livros. Do catálogo da Autêntica, ela destaca dois lançamentos que podem agradar no Natal: Um banquete para Hitler, de V. S. Alexander, e o primeiro volume da série Ousadas, que reúne perfis de mulheres revolucionárias quando ainda não se falava de feminismo.

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DISPARIDADES 

 

Pequenas livrarias foram afetadas pelos problemas das gigantes do mercado. “Grandes editoras já anunciaram que vão segurar livros com vendas mais demoradas, que não são best-sellers. Essas publicações são justamente o nosso foco”, diz Alencar Perdigão, dono da Livraria Quixote, instalada na Savassi. “É hora de as editoras enxergarem que precisam das livrarias menores, de rua. Elas não podem dar atenção apenas às grandes redes”, defende.

 

Alencar critica a “concorrência desleal” das editoras na internet, oferecendo títulos com descontos de até 40%. “É preciso respeitar a cadeia do livro, que passa por autor, editora, distribuidora e livraria até chegar ao leitor. Ao oferecer descontos em seus sites, as editoras matam esse sistema”, reclama.

 

A Quixote investe em suas próprias publicações. Em 2018, as principais apostas foram bem-sucedidas. As horas esquecidas, do jornalista mineiro Chico Mendonça, concorreu ao Jabuti. O romance Tudo é rio, de Carla Madeira, foi bem recebido, lembra Alencar.

 

Maíra Nassif, proprietária da editora mineira Relicário, ressalta a importância do livreiro, profissional negligenciado por grandes redes. “Talvez este seja o momento para uma reflexão necessária. O leitor mais exigente sempre procura por uma livraria que lhe dê maior suporte e não priorize outros produtos em detrimento do livro”, diz Maíra.

 

A dona da Relicário recomenda livros de poesia para este Natal. “É um gênero que tira a linguagem de sua função utilitária e meramente comunicativa e revela o caráter criativo. São leituras que fruem bem e nos fazem desacelerar”, defende.

 

Contos a R$ 1,99

 

De olho nos leitores acostumados ao mundo digital, a Amazon se associou às três agentes literárias mais importantes do país para criar uma coleção de contos, que serão vendidos a R$ 1,99. Lúcia Riff, Luciana Villas Boas e Mariana Teixeira Soares trabalharam como curadoras na escolha dos 30 convidados para o projeto. Os contos podem ser adquiridos individualmente ou em forma de antologia com 10 autores, a R$ 9,99.

Todos foram publicados por meio do Kindle Direct Publishing (KDP), a plataforma de autopublicação da Amazon, sob o selo da Coleção Identidade . Entre os autores, há jovens talentos – Luiza Mussnich e Giovana Madalosso – e autoras premiadas, como Vanessa Bárbara e Miriam Leitão, vencedoras do Prêmio Jabuti.

 

Meus tempos de editor na FCMC

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Meus tempos de editor na FCMC

Elmar Carvalho

Esta madrugada, sonhei com a minha gestão à frente da presidência do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, quando fui o coordenador de Editoração dessa entidade. Aproveitei para dar uma olhada em algumas das obras de que fui editor. Fui indicado pelo poeta e escritor Francisco Miguel de Moura à dona Eugênia Ferraz, que era a presidente da FCMC, acredito que por causa de minha atuação como presidente da União Brasileira de Escritores do Piau´- UBE-PI.

Para escrever esta nota, não fui atrás de datas na Fundação, de modo que não serei preciso quanto a isso. Assumi as funções editoriais no ano de 1994, quando o prefeito era o professor Wall Ferraz, e as deixei no final de 1997, quando tomei posse de minhas funções magistraturais perante o Tribunal de Justiça do Piauí. Com a morte de Wall Ferraz, assumiu o cargo de prefeito Francisco Gerardo, que foi sucedido por Firmino Filho.

No primeiro mandato deste, presidiu a FCMC a professora Cecília Mendes, a cuja administração servi durante quase um ano. Tive a sorte de exercer minhas funções durante um período em que a editoração foi prioridade no órgão municipal de cultura. Para administrar com impessoalidade, logo que assumi a presidência do Conselho elaborei os regulamentos de editoração e do Conselho Editorial, que foram aprovados por este e pela presidente da Fundação, que assinou as portarias respectivas, e também passei a fazer a distribuição de obras para análise dos conselheiros através de rodízio, fazendo constar em ata tanto a distribuição como a aprovação ou rejeição.

Foi, na época a que me refiro, sem a menor sombra de dúvida, o mais importante e arrojado plano editorial do Estado do Piauí, bastando que se diga que a cada quatro meses, regularmente, eram publicados a revista Cadernos de Teresina e mais quatro a seis livros. Por isso, posso afirmar que durante o meu período foram publicadas aproximadamente 60 (sessenta) obras.

Foram gestoras da FCMC, como já disse, as senhoras Eugênia Ferraz e Cecília Mendes, das quais tive total apoio, sem nenhuma interferência autoritária no Conselho, uma vez que ambas acatavam as decisões do colegiado. Devo acrescentar que a FCMC tinha uma equipe “enxuta”, mas dedicada, motivada, e que realmente vestia a camisa da cultura. Tive um bom relacionamento com todos, e de todos guardo boas lembranças.

Fora as cerca de quinze revistas Cadernos de Teresina, editadas no período em debate, foram publicados, aproximadamente, 45 livros, todos aprovados pelo Conselho, e muitos deles da mais alta significação para a cultura e a literatura do Piauí. De cabeça, sem consulta a anotações ou registros burocráticos, cito alguns, como uma pálida demonstração do que afirmo:

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Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, de Cláudio Bastos, Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz, Literatura Piauiense – escorço histórico, de João Pinheiro, com posfácio de atualização de Francisco Miguel de Moura, A Harpa do Caçador, de Teodoro Castelo Branco, Crônicas de Sempre, org. de Adrião Neto, A Poesia Piauiense no Século XX, em parceria com a Imago, org. de Assis Brasil, várias obras de Mons. Chaves, Escravos do Sertão, de Miridan Brito Knox Falci, O Ofício da Palavra, de Elizabeth Oliveira, Mulheres Plurais, de Pedro Vilarinho Castelo Branco, Balaios e Bem-te-vis – a guerrilha sertaneja, de Claudete Maria Miranda Dias, Anos 70: Por que essa Lâmina nas Palavras?, de José Pereira Bezerra etc. Na revista, foram publicadas memoráveis entrevistas, como as em que foram entrevistados Mons. Chaves, Alcenor Candeira Filho, Cineas Santos, Assis Brasil, Celso Barros Coelho, Raimundo Nonato Monteiro de Santana e Pe. Raimundo José Airemoraes, cujos entrevistadores éramos eu e o jornalista Domingos Bezerra Filho, além de textos de contistas, cronistas, poetas e historiadores.

Além disso, foram editadas obras vencedoras de concursos literários, inclusive volume de textos de literatura de cordel. Com o impacto da morte de Wall Ferraz, que comoveu a população teresinense, idealizei o livro Wall Ferraz – o homem e o estadista (coletânea de crônicas e artigos), que também foi editado. Após esse infausto acontecimento, o Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí, que havia sido acolhido com entusiasmo pelo falecido prefeito, recebeu o Prêmio Clio, concedido pela Academia Paulistana de História, que fui receber na Paulicéia, por designação de dona Eugênia Ferraz.

Na minha gestão, foram conselheiros Francisco Hardi Filho, João Bosco da Silva, José Airton Ferreira de Sousa, Marcelino Leal Barroso de Carvalho, Silvana Maria Santana de Oliveira, Rubervam Maciel do Nascimento e Francisco Miguel de Moura. Sugeri muitas capas ao artista plástico Radamés, enquanto outras foram concepções de Áureo Tupinambá Júnior e Gabriel Arcanjo, além de outros artistas.

Nas solenidades de lançamento da revista e dos livros, usávamos da palavra o prefeito, um representante dos autores e eu, representando a FCMC, em que comentava e analisava as obras. Aproveitando o apoio da administração superior da Fundação, envidei todos os meus esforços para que o plano editorial fosse bem-sucedido, e, sem cabotinismo, devo admitir que assim foi.

26 de fevereiro de 2010