Cemitério campestre

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Cemitério campestre

Elmar Carvalho

Nesta segunda-feira, de manhã cedo, quando eu vinha de Teresina para Regeneração, resolvi, mais uma vez, dar uma olhada no cemitério campestre, que fica na beira da rodovia, um pouco antes da cidade de Angical. Três ou mais galpões, cobertos de telha, protegem os mortos desse bucólico cemitério.

Dá a impressão de que parentes e amigos, zelosos, cuidadosos, desejavam proteger seus mortos da chuva e do sol. No adro de um desses telheiros, o cruzeiro estendia seus braços bem abertos, como se quisesse abraçá-los. Recordei-me de que, muitos anos atrás, quando eu estava na flor de minha adolescência emotiva e sentimental, fiz esse mesmo percurso, em ônibus da empresa Jurandi, que parava em quase todas as cidades do itinerário, em companhia de meu amigo Otaviano Furtado do Vale, que morara em Regeneração.

Íamos, ali, passar um final de semana.  Fomos antecedidos por uma carta dele, comunicando nossa viagem, e naturalmente solicitando hospedagem aos anfitriões. A missiva tinha uma propaganda enganosa a meu respeito, pois dizia, para a destinatária, filha dos donos da casa, que eu era parecido com famoso galã das telenovelas de então.

De qualquer modo, cumprimos a nossa missão, pois tomamos umas boas talagadas de calibrina, dançamos no clube da cidade, onde hoje está instalada a Câmara Municipal, e terminei conseguindo uma namorada, que a névoa do tempo já esfumaça em minha memória. Nessa viagem, chamou-me a atenção um outro campo santo campesino, com túmulos em ruínas, cruzes decepadas, anjos de asas partidas…

Ao retornar, fiz um poema que falava de um agre e agressivo agreste, de um cemitério abandonado, e da paisagem dos cerrados da Chapada Grande, de beleza ímpar, mas tão diferente dos planos tabuleiros de minha terra natal, respingados de corcovas de cupins e pontilhados de carnaubeiras, sobretudo no inverno, em que a terra se estende como um tapete de gramíneas e babugens.

23 de fevereiro de 2010

DOM CLIDENOR E DOM QUIXOTE DE LA MANCHA

Fonte: Google

DOM CLIDENOR E DOM QUIXOTE DE LA MANCHA

Elmar Carvalho

            Na reunião da APL, deste sábado, o acadêmico Humberto Guimarães, que é médico psiquiatra, ao usar da palavra, informou que em breves dias o sanatório Meduna será desativado. Lamentou profundamente o fato. A memória de seu criador, o médico e acadêmico, já falecido, Clidenor Freitas Santos, foi festejada vivamente na sessão. Consta que quando ele retornou, formado, a Teresina, libertou os loucos das correntes e de outros tratamentos desumanos. As correntes estariam enferrujando no fundo do Parnaíba.

            O nome Meduna foi dado em homenagem a um grande psiquiatra francês. O sanatório é uma bela construção, com seus pavilhões brancos, seus alpendres, seus corredores. Fica no centro de um aprazível bosque. Até parece uma aldeia, onde ainda alvejam a casa senhoril e a capelinha branca, sobre suave colina, que compõem o aspecto bucólico do conjunto. Foi uma obra audaciosa para a época, e mesmo nos dias de hoje ainda seria.

            Clidenor, quando o conheci, era um velho de boa estatura, ereto, empinado, elegante, inclusive no modo como se vestia. Usava uma velha Mercedes, em perfeito estado, tão elegante quanto ele. Admirava música erudita, sobretudo Mozart, Bach e Beethoven. Fez seus filhos ouvirem esses grandes compositores, para lhes incutir, desde cedo, o gosto por essa divina arte.

            Tornou-se empresário do ramo da agroindústria, especialmente de álcool combustível. Admirador entusiástico de Cervantes, mormente de sua criatura, o fidalgo, cavaleiro e idealista Dom Quixote de la Mancha. Possuía vários exemplares do livro que narrava suas aventuras, e presenteava amigos com exemplares dessa obra por ele considerada genial. Diria que o Dr. Clidenor era também uma espécie de Quixote, tanto na política como nos seus empreendimentos empresariais, pelo seu idealismo e certo romantismo de sua postura.

            Segundo dizem aqueles que a conheceram, a sua biblioteca seria, talvez, a maior biblioteca particular do Piauí, não só em quantidade de livros, mas também pela excelência e raridade de muitas obras. Era uma figura carismática, a pregar o belo e o bem, com entusiasmo e convicção.

            Ele, que foi quixotesco no bom sentido da palavra, ergueu uma belíssima estátua do “cavaleiro da triste figura” nos portais de sua realização máxima, o sanatório Meduna, que, agora, lamentavelmente será desativado. Mas Dom Quixote, a cavalgar o Rocinante, com a sua lança e o seu escudo, talvez consiga defender essa obra meritória, que relevantes serviços prestou ao estado.

22 de fevereiro de 2010

Cabra-cega.

 

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 * Pádua Marques.

Tinha uma brincadeira no meu tempo de menino que ainda me lembro como se fosse hoje, a cabra-cega. Nunca esteve tão próxima e servindo de exemplo pra o que está acontecendo na política. Quem está acima dos 60 anos há de se lembrar que naquele tempo não existia televisão na Parnaíba e à noite as crianças ficavam brincando umas com as outras na porta da rua.

Cabra-cega era brincadeira de meninos e meninas. Começava com uns poucos, mas depois ninguém dava conta. Uma das meninas corria lá dentro de casa procurando um pedaço de pano, uma fralda, um pedaço de saia que fosse e na volta era escolhido aquele que daria a saída. O chefe da brincadeira dava umas rodadas pra ele ficar zonzo, tonto de onde estava. Fosse menino ou menina. Não tinha esse negócio não.

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Cabra-cega. Não sei até hoje quem inventou, mas era brincadeira boa dos tempos dos meninos e meninas de meu tempo. Quem brincou nunca há de esquecer. E vinham mais depois outros e mais outros meninos das outras ruas. Vinham atraídos pelos gritos e risadas. Vinham suados, de calção e sem camisas, brigões, meninos feios, fogoiós e até os com cara de china. Vinham das redondezas, de outras brincadeiras de cowboys, de manchas, de pegar no rabo da raposa, do jogo de bola de meia.

E a gente ficava até a hora de se recolher pra dentro de casa nessas brincadeiras de pegar e soltar uns aos outros. Não havia saliência. Os meninos e meninas menores sempre eram os mais fáceis de serem capturados. Caiam na vez de sofrerem por um bom tempo até que passavam pra outros. Na escola era a mesma coisa. Brincadeiras de mancha. Esta agora sem os olhos cobertos por um pano. Valia a resistência.

Era brincadeira de astúcia. Consistia em descobrir e pegar o colega escondido.  Sendo apanhado, era a hora de começar tudo, fazer tudo, usar de todas as formas pra sair do castigo. Outras brincadeiras do meu tempo de criança tinham as mesmas ou quase o mesmo jeito. Eram pra fazer a gente se sair, tentar passar essa dificuldade pro outro. Como é na política.

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E a gente no final da noite antes de pegar o rumo de casa, havia mostrado o quanto era esperto e rápido em se livrar de armadilhas. Porque todas aquelas brincadeiras, fosse no meio da rua ou na escola à hora do recreio, tinham essa coisa de nos testar. Essa mesma agilidade que deve ser testada agora nessas eleições pra presidente. Estamos no meio de uma grande brincadeira de cabra-cega.

Só que desta vez são dois homens com panos nos olhos tentando nos pegar. Jair Bolsonaro e Fernando Haddad são as duas cabras-cegas.  E os meninos e meninas se pondo a correr e se esconder pelos cantos e em cima dos muros e das cercas, por detrás dos carros estacionados na rua, na casa dos vizinhos e atrás uns dos outros. Ou somos nós as cabras-cegas?

*Pádua Marques é ocupante da cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras.

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A história do Caçador Místico.

 

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 *Pedro Holandês.

Havia no delta do Parnaíba um famoso caçador chamado Pedro. Este caçador era um dos melhores em sua arte. Pegava tatu pelo rabo e vivia se questionando se em vereda de paca tatu caminhava dentro. Anos mais tarde depois de observá-lo de perto em suas andanças, caçadas e pescarias, descobri que Pedro além de exímio caçador era também um homem místico, supersticioso e medroso.

Então, por conta desta ultima característica passei a chamá-lo de Pedro Almeiro. Alguns certamente usariam outros adjetivos como, macumbeiro, mentiroso, mijão nas calças ou até mesmo espírita. Mas como ele acabou sendo devorado por mim decidi usar um adjetivo que fizesse jus à sua principal característica: falar com as almas daqueles que já morreram, um verdadeiro canal entre os vivos e os mortos.

Pedro Almeiro era muito supersticioso. Tinha um costume muito estranho ao acordar todos os dias de manhã. Costumava pisar subitamente em um tapete feito com pele de guaxinim, que mantinha guardado debaixo de sua cama.

Além disso usava um tipo de pulseira no pé esquerdo, feita com a calda do guaxinim, que acreditava funcionar como um ótimo repulsivo contra picada de jararaca do rabo seco, serpente muito comum na região, pertencente ao genero Bothrops, e toda sorte de cobra venenosa.

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E por mais incrível que pareça ele só usava botas por conta dos espinhos e não para se proteger das picadas das cobras. Em geral só andava descalço na mata. Tinha um respeito muito grande pela natureza e um certo temor, pois bem sabia os mistérios da floresta.

Segundo ele a mata tinha dono, assim como os animais selvagens. Jamais entraria em uma floresta de mata virgem para caçar sem levar consigo os seguintes itens; um maço de velas brancas, fumo de corda, uma caneta, um caderno de anotações e um terço de reza no pescoço.

Também costuma se banhar demorado. Além de usar sabonete passava perfume no sovaco, pois o cheiro de sua roupa molhada de suor poderia dar indicação às caças que tinha seres humanos por ali.

Ao entrar na floresta ele sempre pedia permissão, além de espalhar pedaços de fumo por algumas arvores para agradar o Caipora, fato este que lhe faria um caçador de sorte e ele certamente obtinha certas vantagens em relação aos outros caçadores. Depois acendia uma vela, rezava um Pai Nosso e seguia.

Uma voz melancólica rompeu o silencio naquela noite fria.

-Boa noite seu Pedro!

Ao ouvir aquela voz suas pernas começaram a tremer tanto que seus joelhos batiam um no outro, pois ele sabia que se tratar de uma alma. E ele com a voz trêmula, respondeu:

-Boa noite!.

Ele perguntou imediatamente:

-Em que posso ser util?

E a voz lhe respondeu:

-Preciso de sua ajuda seu Pedro!

E ele perguntou:

-Qual o motivo de sua vinda?

E a voz aproveitando a ocasião lhe pediu um pouco de água, pois segundo ela, estava vindo de um lugar muito quente. E Pedro Almeiro perguntou:

-Onde estas que é tão quente assim?

E a voz respondeu:

-Em um lugar de tormento, seu Pedro!

Neste momento ele se deu conta de que não falava com um mero mortal e sim com uma visagem.

Ele puxou lentamente seu burro preto que estava na cintura e mordeu. Pois segundo o que contam os mais antigos, quando se viaja durante a noite nas matas, é sempre importante levar consigo um facão ou faca virgem, pois serve para amenizar o medo e a dormência nas pernas causada pela presença da visagem.

A voz continuou:

-Eu vim aqui lhe pedir para que me reze um terço, acenda uma vela e mande celebrar uma missa pra mim, seu Pedro.

Seu Pedro perguntou:

-Qual é sua graça?

E a voz respondeu:

-Meu nome é Jucá Pereira dos Santos e por Deus fui batizado. Do meu fruto o veado come e minha rama serve pro gado. A casca serve pra remédio e o miolo pra cabra safado. O boi se amarra no engenho, o burro pra sete cangalhas. Quando o homem veste calça, a mulher veste saia. Mas infelizmente morri de caganeira, seu Pedro em 1845!

Pedro Almeiro naquele instante logo tomou posse de seu caderno de notas e a caneta que trazia consigo em seu bolso e anotou tudo!

*Pedro Costa Silva ou Pedro Holandês como é conhecido é guia turístico no Delta do Parnaíba, empresário e poliglota autodidata. Pesquisador da história natural e de serpentes. Está escrevendo um livro sobre as lendas do Delta do Parnaíba. Este fragmento aqui publicado faz parte da obra.pedroholandês

 

 

A história do sapo Zé

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A história do sapo Zé

Elmar Carvalho

Dias atrás veio fazer um trabalho em nossa casa o mestre Ivo Gomes, radicado em Teresina, porém natural de Miguel Alves – PI. Quando, no final do serviço, minha mulher e eu o elogiamos, reconhecendo que ele montara o painel de mosaico com perfeição, ele revelou que passara a noite anterior sem dormir direito, porque a Fátima achara que ele havia errado na ordem de colocação de algumas das peças. Isso demonstra que ele é um operário perfeccionista, meticuloso, o que se percebe ainda no cuidado como ele fez as necessárias emendas, nos locais em que não cabia uma unidade completa.

No decorrer da execução do serviço, ele tomou conhecimento de que eu escrevera alguns livros, que lhes foram mostrados, creio. Ivo, então, nos contou que o seu filho, ainda um menino, era também um escritor. Como lhe indagássemos sobre isso, ele nos contou que o garoto gostava de ler e sempre participava do Salão do Livro do Piauí – SALIPI, tendo publicado um livro infantil por ocasião de uma de suas “versões” anuais.

Falou que o garoto, além do amor aos livros, gostava de desenhar, escrever e era componente de uma banda musical. Acrescentou que o seu filho escrevia desde que tinha cinco anos de idade, sem que ninguém a esse mister o induzisse. Ele próprio fazia as ilustrações das histórias que escrevia.

Perguntei qual a sua idade atual, tendo o mestre me respondido que tinha somente 12 anos de existência. Prometi que, quando ele terminasse o serviço, mandaria uns livros de minha lavra a seu filho, tendo ele me dito que me traria, no dia seguinte, um livro da autoria do garoto. De fato, me trouxe um exemplar, ainda lacrado por invólucro plástico, e, portanto, sem autógrafo, o que parece indicar que o jovem não foi inoculado pelo veneno da vaidade de eventual mosca azul.

O pequeno volume tem o título de “O sapo Zé”, e é todo colorido, da capa à contracapa, o que é conveniente a um livro destinado a público infantil. Li-o com agrado, me recordando dos tempos de minha meninice, em que li com sofreguidão esse tipo de literatura, inclusive vários da autoria do grande Monteiro Lobato, da Condessa de Ségur, de Viriato Correia e vários outros autores, além de inúmeros gibis da marca Walt Disney.

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A obra contém belas ilustrações em policromia, que bem retratam o que é narrado, elaboradas por Ângela Rêgo, exímia artista plástica e ilustradora, que já agregou valores a vários livros publicados. Ela é também uma talentosa capista.

Na capa se encontra estampado o nome completo do autor: Railson Cauã Gomes. A pequena nota biográfica informa ainda que ele tem oito anos e que aos cinco decidiu escrever histórias, bem como é estudante de escola pública. Portanto, a história objeto do livro foi escrita, suponho, quando ele tinha apenas essa idade, contudo o livro foi publicado em 2016, conforme folha de rosto. Foi publicado pela Nova Aliança Editora, cujo proprietário é o livreiro Leonardo Dias, coordenador editorial, que relevantes e bons serviços vem prestando à literatura piauiense.

Na pequena nota, a que me referi, é noticiado que o autor “tem o sonho de ser um grande escritor lido no mundo inteiro e por isso continua escrevendo e ilustrando histórias para as crianças se divertirem”. O estilo é claro, direto, objetivo, sem nenhum tipo de rebuscamento, e bem compatível com a idade de Railson Cauã. A história é simples, porém criativa, e apropriada ao público a que é destinada. Por conseguinte, bem diferente de certas histórias infantis, que são, na verdade, uma espécie de contos de terror.

Transcrevo o seguinte trecho, que é revelador de sua inventividade: “O sapo Zé pulava no jardim e a sapa pulava no seu Joaquim.” Nota-se, nesta pequena transcrição, o espírito lúdico e brincalhão do jovem escritor. Por ela se percebe que, se Cauã tiver perseverança e não mudar de planos, continuando firme em sua vocação, em seus estudos e amor à leitura, realizará, decerto, o seu “sonho de ser um grande escritor”.

Afinal, como já dizia Charles Chaplin, “a persistência é o caminho do êxito”.

Lobisomem.

 

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  *Por Pedro Holandês.

 

Depois de muitos dias de fome e caçadas mal sucedidas, um jovem lobisomem saiu pela praia procurando por carcaças de peixes ou ossos gordurosos de baleia que pudesse mastigar e repor suas energias. Viu ao longe outro lobisomem, um irmão de sina, ao lado de uma carcaça de golfinho e decidiu se aproximar para cumprimentá-lo parando para prosear um pouco.

Era noite de lua cheia e uma brisa que vinha do mar soprava levemente.

– Boa noite companheiro, disse o lobisomem mais jovem. Que sorte sua ter encontrado uns bons ossos gordurosos nesta carcaça!

E o outro replicou:

– Eu na realidade não pretendo mastigar esta carcaça. Só como carne fresca. Pode ficar para si, pois o que comi hoje me satisfará por muitos dias.

– E qual é sua especialidade, irmão de sina?

Disse isso se aproximando rapidamente da carcaça.

– Sou especialista em comer caçadores experientes, irmão de sina. Caçadores gordurosos e com costelas suculentas.

Disse isso mostrado um pedaço da costela que trazia consigo, ainda com pedaços de carne fresca.

– Este caçador aqui, por exemplo, passaram-se quase trinta anos. Percorri muitas cidades até que dei cabo dele.

– Mas eles não são perigosos? Dizem que eles só andam armados de espingardas!

– É verdade, irmão de sina. Mas o que eles não sabem é que suas espingardas não fazem nenhum efeito contra nosso couro à prova de bala. E a grande maioria deles tem medo de alma. Ou quando nos veem em estado metamórfico.

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Disse isso em virtude de alguns lobisomens poderem se transformar no animal que quiserem.

– Além disso, são poucos os que ao verem um de nós, esboçam alguma reação. A não ser por se cagarem de medo!

– Vejo que o nobre colega não tem muita experiência.  Quanto tempo faz que carrega esta sina meu caro jovem?

– Faz cinco anos, respondeu o mais jovem.

– E você irmão de sina?

– Bem, eu não sei precisar ao certo quantos anos. Por outro lado, fazem muitas luas cheias que deixei de comer carcaças, merda de galinha, filhote de cachorro e etc.

– Tudo isso é coisa de quem não tem experiência no assunto. Um dia quando você crescer e adquirir mais experiência, você vai entender que carne humana é a mais saborosa de todas! Além do mais eu prefiro caçar aqueles que caçam.

Disse isso colocando a mão no ombro do lobisomem mais novo e o fitando no fundo de seus olhos.

– E quantos homens, digo caçadores, você já devorou?

– Ah, irmão de sina, eu já comi vários e de todas as classes…

 

pedroholandês*Pedro da Costa Silva, ou Pedro Holandês, como é reconhecido e conhecido, nasceu em Parnaíba. Pesquisador independente, guia turístico e poliglota autodidata.

Seus estudos estão voltados para a história natural, ecologia e o regime alimentar de serpentes da espécie cobra veadeira  (Corallus hostullanus) no delta do rio Parnaíba. Grande parte de seus artigos estão hoje publicados em revistas internacionais dos Estados Unidos e da Europa.

Aprendeu vários idiomas em contato com turistas holandeses, ingleses e americanos, como guia turístico no Delta do Parnaíba. Este título, Lobisomem, é a introdução de um livro que está escrevendo.

LABIRINTO TINTO DE SANGUE

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LABIRINTO TINTO DE SANGUE

Elmar Carvalho

Faço um poema

com o sangue ardente

das nascentes de meus dedos:

vertentes de medos e degredos.

Os versos são fios de esperança

que saem de palpos de estranhas aranhas

construindo labirintos em arabescos

tintos de sangue nos afrescos.

Ariadne recolhe o fio

e Teseu surge intacto

com a espada embebida

do sangue do Minotauro que traz

no peito a rosa sangrenta da ferida.

Com esse fio

Penélope tece e destece

um longo manto ensopado

de pranto e quebranto

e se amortalha das dores

de amor de que padece

– amor que lhe pasta e apetece.

O que conclui desfaz peça por peça

e interminavelmente recomeça.

EX-PRESIDENTE DA APAL PARTICIPA DE CONCURSO DE POESIAS E RECEBE MENÇÃO HONROSA

   FOTO      O  poeta e escritor  Antonio de Pádua Ribeiro dos Santos ex-presidente da Academia Parnaibana de Letras – APAL  participou recentemente do   CONCURSO DE POESIAS PRINCESA DO SERTÃO – aniversário da cidade de Feira de Santana-BA.

                        O concurso promovido pela REVISTA LITERÁRIA INVERSOS com o  tema  de Independência do Brasil e seu Hino Nacional teve concorrentes de vários estados brasileiros  e o parnaibano Dr. Antonio de Pádua concorreu com o poema “Nosso Hino – música e letras”usando o pseudônimo (normas do concurso) de Ovídio Saraiva  porque foi ele, Ovídio,  o autor da primeira letra, que, como a segunda, não vingou,  do Hino Nacional Brasileiro. Como se sabe, Ovídio Saraiva era parnaibano nascido na Vila de São João da Parnaíba e foi o primeiro piauiense a incursionar no campo da poesia brasileira.

                           Com o poema “Nosso Hino – música e letras” Dr. Antonio de Pádua obteve a sétima classificação e recebeu uma MENÇÃO HONROSA  que lhe foi outorgada pelo poeta Manoel Bispo editor chefe da Revista Inversos.

Eis o poema:

NOSSO HINO: MÚSICA E LETRAS

                                                           (Ovídio Saraiva)

O Brasil independente logo teve música ardente,

sonora , triunfante – arfante de emoção.

Ocorrendo, no entanto, que para aprimorar seu encanto

carecia entretanto de irradiante canção.

Veio de um piauiense da Vila de São João

a primeira letra do hino da incipiente nação.

Não vigorando talvez por forte e justa razão,

buscou-se uma segunda, também sem aceitação.

Com a boa versão atual o que veio como auxílio

foram  românticos versos floridos  da bela Cação do Exílio:

primeira fase do  romantismo brasileiro.

Faltou, no entanto, mais uma forte emoção:

deixaram de buscar na terceira geração

um  verso mais condoreiro.

.DR. ANTONIO DE PÁDUA

Postado por blog do Professor Gallas às 05:22 

A arte fotográfica de Valdeci Ribeiro

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Valdeci Ribeiro, médico e fotógrafo

A arte fotográfica de Valdeci Ribeiro

Elmar Carvalho

Tomei conhecimento pela TV de que Valdeci Ribeiro de Carvalho, conterrâneo e irmão maçônico, havia publicado o livro Piauí – sertão rio mar, referto de belas fotografias de paisagens de diferentes rincões piauienses, do sul ao norte. Foram exibidos alguns slides de suas páginas. Logo percebi a alta qualidade de sua programação visual, a sua bela diagramação, a rigorosa escolha das fotografias, bem como a perfeita nitidez da impressão, mercê de um excelente projeto gráfico, com a utilização, sem dúvida, de equipamentos de última geração.

Sexta-feira adquiri um exemplar, numa das livrarias de Teresina. Ante sua beleza e qualidade de seu acabamento gráfico e impressão, tomei o desiderato de emitir breves considerações sobre esse livro/álbum. Embora não seja versado em fotografia, tenho lido, ao longo dos anos, alguma coisa a respeito dessa manifestação artística.

Na parte formal e material, posso dizer que a obra apresenta capa dura e formato grande (aprox. 30cm x 30cm), e certas fotografias ocupam duas páginas, mas sem prejuízo de sua perfeita apreensão visual. O papel é de altíssima qualidade e de espessura adequada ao formato gráfico (couchê furioso 150 g/m²). Todas as fotografias são em policromia. Foi impresso em maio deste ano, em São Paulo, pela Gráfica e Editora Ipsis. Não percebi nenhuma imperfeição no serviço de impressão e diagramação. Todas as páginas se apresentam nítidas e sem manchas ou falhas. Até o processo de colagem de páginas na lombada é o que de melhor e mais consistente existe.

Em suas páginas preambulares a obra apresenta comentários de Renata Junqueira de Azevedo (Os bons ares do Piauí) e de João Cláudio Moreno (Valdeci Ribeiro e a visão concentrada do Piauí), bem como do próprio autor, em que ele consigna o seu fascínio pela beleza da paisagem piauiense, desde tenra idade:

“Nasci piauiense, numa vila chamada Passagem do Meio, interior de Campo Maior. Da casa grande do meu avô, numa pequena colina, pode-se contemplar quase toda a vila: as demais casas, a capela, o cemitério, os currais, animais pastando e todo um vale, onde passa um riacho escondido por oiticicas centenárias. Mais ao longe, a serra e o rio circundam-na como se quisessem esconder e preservar a magia daquele lugar.

Vivi naquela vila até os quatro anos de idade. Depois fui morar em Campo Maior, cidade cuja natureza é composta por campinas, extensos carnaubais, a Serra de Santo Antônio e por rios da Bacia do Longá.

O íntimo contato com a natureza, durante minha infância e adolescência, ocorreu nestes dois lugares, marcando indelevelmente minha memória afetiva e minha ligação com a mesma.”

Do seu depoimento acima, podemos depreender que essa paisagem parece ter ficado impregnada em sua alma e em sua retentiva de forma inapagável, como gravada a fogo através de pirogravura policromática. E tudo isso, mais tarde, sobretudo em sua maturidade, seria expresso em sua pintura fotográfica. Disse pintura fotográfica porque as fotografias de Valdeci Ribeiro para mim têm status de verdadeiras pinturas, conforme adiante demonstrarei.

Julgo oportuno transcrever as seguintes palavras de João Cláudio, extraídas do texto a que me referi acima:

“Mas voltemos ao exótico detalhe do médico fotógrafo que não é radiologista, mas gastroenterologista. Valdeci foi um desbravador no âmbito de sua especialidade dentro do Piauí. Talvez tenha sido um dos primeiros, se não o primeiro, a investir em alta tecnologia nos exames endogástricos. Inventou pioneiramente na sua terra a endoscopia digestiva. (…) Ele vai para as entranhas. (…) Todas as imagens remetem ao estômago: cavernas inimagináveis, surpreendentes; enormes extensões dentro de pedras; o cânion do Rio Poti com milhares, talvez milhões, de informações; o imperceptível camuflado no intestino do delta, só possível e passível de ser visto se na interioridade da complicada e labiríntica reentrância de seus igarapés; flora e fauna exuberantes no sagrado santuário escondido.”

O fotógrafo foi gestado ainda nos seus primeiros anos, ao contemplar as esplêndidas paisagens de Campo Maior, paisagens que ele, depois, exaltaria através de sua arte, e que eu também louvei em meus versos. As imagens dos exames endogástricos, que ele produzia, na condição de gastroenterologista, como insinua João Cláudio, podem ter contribuído para ele se tornar o grande fotógrafo da natureza, que ele veio a se tornar, propiciando-lhe a acuidade visual, o cuidado com os detalhes, a atenção meticulosa para com as singularidades, que fazem toda a diferença entre um Mestre e um mero mela-tintas ou um tosco borra-botas.

Sempre admirei (apesar de lhes ter certa repulsa) a paciência de um caçador, que “cochila” na mira, para a precisão do disparo; que espera toda uma noite, para conseguir o seu objetivo. Valdeci parece ter essa mesma paciência, parece possuir igual persistência. Ainda bem que a sua “arma” é apenas uma boa e inofensiva câmera fotográfica, e não uma espingarda bate-bucha ou sofisticado rifle. Aliás, diante das atuais leis ecológicas e de uma mais apurada sensibilidade ambientalista, as armas de fogo para caçadas estão sendo aposentadas ou trocadas por máquinas de “caçar” imagens da fauna e da flora. Com relação a animais silvestres, conquanto não seja a sua especialidade, creio, conseguiu um surpreendente flagrante de variadas espécies de aves a esvoaçarem, dos mais variados tamanhos e coloração. Em outro feliz momento, logrou fotografar um coreográfico voo de rubros guarás sobre um exuberante manguezal.

Valdeci se esmera em aguardar o momento mais adequado de luminosidade, em procurar o melhor ângulo, para conseguir o resultado que deseja. Em busca da angulação desejada, vira a câmera um pouco mais para a direita ou um pouco menos para esquerda; inclina-a um tanto para cima ou um pouco menos para baixo, quando não opta por um tiro certeiro frontal e “mortal”. Nesse mister, adota, sem dúvida, as mais incômodas e cansativas posições, conforme o lugar em que se encontra e a angulação desejada. Como disse, são esses pormenores, essas graduações de “tempero” que distinguem um verdadeiro artista de um simples e bisonho diletante.

Acentuo que ele, além de ser exímio fotógrafo de abertos e dilatados panoramas de serras, campinas e florestas, também se esmera nas fotografias de detalhes, seja de uma gruta, de um cânion, ou de um paredão rochoso. Nisso aguarda a iluminação adequada e procura a coloração, a distância, a angulação e textura que lhe convém. Com isso, com esses cuidados e arranjos metódicos conseguiu produzir fotografias, que na verdade podem ser consideradas verdadeiras pinturas abstratas e geométricas, ou mesmo uma mistura de ambas.

Pelo modo como captou as figuras rupestres, as imagens ganham foro de uma (quase) pintura primitivista, tal o contorno, textura e volume obtidos. Uma de suas fotos, por efeito do ângulo utilizado, me fez lembrar uma gárgula ou mesmo uma carranca de barco fenício. Outras, parecem retratar lindas e criativas esculturas modernas e até mesmo figurativas. Em escassas palavras, posso dizer que ele teve olhos que souberam enxergar o que muitos olhares desatentos nunca viram.

Para fazer todas as suas imagens, o autor gastou vários anos e empreendeu várias expedições fotográficas aos locais escolhidos, alguns inóspitos e de dificílimo ou penoso acesso. Assim, percorreu o Piauí do extremo sul ao Delta do Parnaíba, na extremidade norte. Foram cenário para suas lentes as fascinantes paisagens do Parque Nacional de Serra da Capivara, Serra Vermelha, Cânion do Rio Poti, Delta do Rio Parnaíba, Parque Nacional de Serra das Confusões e Parque Nacional de Sete Cidades. Podemos, dessa forma dizer, devassou e desvendou boqueirões, trilhas, socavões, cânion e grutas; destrinçou o rendilhado das ilhas e igarapés do Delta do Parnaíba, elucidou as confusões da serra de igual nome e desencantou a misteriosa Sete Cidades, “para novos e mais / deslumbrantes encantos”, como disse num de meus poemas.

Foi graças a todas essas peripécias e “arte-manhas” manhosas que ele conseguiu dar um quê de diferente a algumas paisagens, que se tornaram uma espécie de “clichê” ou “lugar-comum” dos cartões postais e cartazes. Como exemplo, refiro uma fotografia que ele tirou da famosa “Pedra Furada” (Serra da Capivara), que ficou bastante “revitalizada” com um céu nublado, revolto, tempo (como falamos) bonito para chover, em que as nuvens parecem estar preparando em seu laboratório as “chuvas amorosas”, como no dizer de H. Dobal. O furo da pedra parece o visor de uma caldeira em ebulição.

Pelo que pude observar o autor não interfere em suas fotos com efeitos ou lentes especiais. Seus “efeitos” são naturais, na forma como descrevi. A não ser em duas ou três delas, utilizou recursos artificiais, apenas para lhes retirar um excesso de luminosidade, ou para lhes dar um pequeno acréscimo de brilho. Numa delas utilizou uma lanterna, por tê-la produzido à noite; o jato de luz foca apenas uma cachoeira, mas deixa ao fundo a beleza noturna de um céu resplandecente de estrelas. Em síntese, cada fotografia é uma tela, digna de ser ostentada em excelente moldura. Nesse sentido, poderia afirmar que essa obra é uma legítima pinacoteca encadernada.

Recomendo esse fotolivro, um dos melhores no gênero, pela beleza de suas imagens e por sua qualidade gráfica. Talvez algum leitor venha a achar que me excedi no uso de adjetivos. Respondo que não; apenas os usei na medida exata do que entendi caber a seu mérito. Folheá-lo lentamente correspondeu a uma verdadeira expedição turística, que fiz, sem sair de minha casa. Ademais, não é só um livro de arte fotográfica, mas é, em si mesmo, uma obra de arte, que poderá ornar a sala de uma casa ou o hall de uma clínica, de um hotel ou de qualquer comércio ou repartição pública.

No meu caso, ocupará o pódio de minha biblioteca, ao lado de outros livros de arte.