Espelho de olhos mansos
Espelho de olhos vítreos
Espelho meu
Espelho meu
Espelha a face bela
Da formosa Vênus
Espelhado
Espelhando
Esperançoso
Espelhançoso
Imagem que não pensa
Imagem que na fuga
Imita minha partida
Esperei teu afago
Mas obtive teu escárnio
Espelho
Espelho meu
Há nesse reino homem mais
Fantasioso do que eu?
Narciso e Dorian Gray
Mergulham em fantasia e fuga
Os dedos inutilizados de Schumann
Os ouvidos derrotados de Beethoven
Espelho meu
Espelho meu
Ando a imaginar teus cacos
Estilhaços de mim
Espelhar é roubar
Espelhar é poetizar
Eu fico no espelho em troca da beleza
E o homem do espelho sairá
Caminhará entre os homens
Gustave Courbet descabelado
Portinari intoxicado pelas próprias tintas
A orelha decepada de Van Gogh
Nietzsche assinando Dionísio
Dionísio assinando Nietzsche
Eu me vestindo de Van Helsing
O vampiro não reflete
Não tem o correspondente no espelho
Espelho é feitiço
Feitiço a galope
Galope rasante de Ramalho
Galope cortante
Eis-me através do espelho
Eis-me no espelho através
Eu sou ele e ele sou eu
Não tenho alternativa
Resta-me o outro lado
Olhepse
Palavra que liberta a imaginação
No instante em que aprisiona minha figura
Um verme em fuga alcança a fantasia
É o sonho tremendo ao vento
É o caos vendendo bugigangas
“É pau, é pedra…”
É o vagabundo oferecendo poesia
Enquanto o homem sério conta o vil metal
É a mão calculando a felicidade
A esperança espelhada
A espera é ânsia
A ânsia é fome
Fugacidade
Fuja da cidade enquanto pode
Fuga da cidade não é fantasia
Tenha a ferocidade da onça
Seja raposa e leão
Não te afogues na água cristalina
Não te cortes com o vidro amolado
Nem proves do reflexo tentador da faca
Espelho meu
Espelho meu
O que devo fazer com teus cacos?
Extirpar de mim o pedaço dolorido?
Mutilar meus sonhos?
Em mil pedaços admirar meu rosto
E decidir qual deles eu sou?
*Carvalho Filho: assinatura literária de Francisco das Chagas Souza Carvalho Filho. Poeta e contista, colaborador do Jornal O Piagüi Culturalista. Conta com artigos publicados na revista Desenredos e poemas na revista Mallarmargens. Participou das coletâneas Tratado Oculto do Horror (coletânea de contos), em 2016, e Carnavalhame (coletânea de crônicas e poemas) em formato e-book, 2017 e Versania (coletânea poética), 2017, já na segunda edição em 2018.
E-mail: francisco.carvalho88@hotmail.com
Poema rico, sensacional! Há uma coisa de enigma que permeia o sonho tecido no poema; sonho que se confunde com o próprio reflexo em um espelho e no qual o reflexo é de muita poesia.
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Admirável assinatura poética.
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