Daniel Ciarlini lança livro no 16º Salão do Livro do Piauí.

 

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O parnaibano Daniel C. B. Ciarlini lança no sábado (2) de junho, durante a realização do 16° Salão do Livro do Piauí em Teresina o livro “Georgina ou os efeitos do Amor e outros escritos inéditos”, de Luíza Amélia de Queiroz Brandão, durante bate-papo literário promovido pelo Núcleo de Estudos da Literatura Piauiense.

O livro é resultado de um trabalho de pesquisa para o resgate da literatura piauiense. É uma obra conjunta com a professora Algemira de Macêdo Mendes, coordenadora de mestrado acadêmico em Letras da Universidade Estadual do Piauí.

O bate-papo seguido do lançamento será no Espaço Rosa dos Ventos às 17h. Em Parnaíba o livro “Georgina e outros escritos inéditos” será lançado dia 16 de junho no auditório do Colégio Cobrão ainda em horário a ser divulgado.

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Luíza Amélia de Queiroz Brandão, natural de Piracuruca, dá nome à cadeira 24 da Academia Parnaibana de Letras, que tem como atual ocupante o jornalista Antonio de Pádua Marques Silva.

Retratos e uma charge de Gervásio Castro

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Retratos e uma charge de Gervásio Castro

Elmar Carvalho

O presidente Nelson Nery Costa, em suas profícuas e dinâmicas gestões na Academia Piauiense de Letras (está no seu terceiro mandato), reformou o belo e velho prédio onde está sediado o sodalício. Esse sobrado tem uma bela história, talvez povoada de fantasmas e recheada de lendas, que ainda está por ser contada. Coroando essas realizações, criou uma pinacoteca e um museu, com importantes obras doadas por ele próprio e por outros acadêmicos.

E resolveu aperfeiçoar e expandir a galeria de patronos e acadêmicos, tornando-a completa e tanto quanto possível padronizada. Para isso solicitou a colaboração dos acadêmicos. Com todo esse trabalho de restauração e reforma da sede e ampliação da galeria, o meu retrato terminou não sendo encontrado, pelo que ele me pediu um outro, para que a Cremísia Alberto de Sousa o adaptasse ao padrão dos demais.

O retrato não localizado era uma fotografia artística feita pelo grande fotógrafo Gilmar Maccagnan, elaborada há, aproximadamente, vinte anos, um pouco depois de eu haver ingressado na magistratura piauiense. Ao contar que eu tinha uma outra desse grande mestre da arte fotográfica, nos moldes da extraviada, a Cremísia me esclareceu que ela não se adequava à galeria, pois, além de ser colorida, era, em suas palavras, “muito fashion”, com o que concordei.

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Era, no entanto, uma bela fotografia, não resta dúvida. Fazia parte de um “pacote”, integrado por um álbum e por um grande quadro com uma excelente “fototela”, de fundo esfumaçado, difuso, em que ele, ao que parece, acrescentava efeitos com o uso de lentes, de modo a imitar os retratos clássicos, feitos por grandes artistas da pintura universal. Na grande tela do retrato fotográfico, que orna a nossa sala, estamos eu, a Fátima, a Elmara e o João Miguel. Todas as fotos eram, digamos, analógicas (alguns tolos diriam anacrônicas), sem o uso do famigerado fotoshop, com a consequente maquiagem e rejuvenescimento eletrônico.

Não existindo o elixir da juventude e não podendo eu voltar no tempo, lembrei-me de um pôster, em que eu estava no auge de minha maturidade, ou melhor, no seu início. O retrato era frontal e eu estava de terno. Rosto sério, sem “os risos fáceis da alegria”, eu aparentemente não fazia pose. Seu autor é o falecido jornalista, historiador e fotógrafo Dinavan Fernandes, membro do cerimonial do TJ-PI. A Cremísia, que é também uma exímia fotógrafa, fez a redução necessária e o transformou em um belo preto e branco; e lhe colocou a legenda de praxe: “Elmar Carvalho – Cadeira 10”.

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Essa cadeira 10, aproveito para informar, vem sendo uma cadeira de poetas, pois poeta foi o seu patrono Licurgo de Paiva, também jornalista, falecido em circunstâncias um tanto trágicas. O seu primeiro ocupante foi o barrense Celso Pinheiro, um dos maiores poetas simbolistas do Brasil, morto no mesmo dia em que também faleceu o grande Da Costa e Silva – 29 de junho de 1950. Foi sucedido pelo monsenhor Antônio Monteiro de Sampaio, meu mestre no curso de Administração de Empresas (UFPI – Parnaíba), compositor, notável orador sacro e poeta. Veio a seguir H. Dobal (Hindemburgo Dobal Teixeira), um dos grandes poetas brasileiros, que foi sucedido por este “poeta menor, perdoai!”, para usar uma expressão do poeta maior Manuel Bandeira.

Mas voltando à fotografia, a Cremísia me deu uma cópia virtual de sua reprodução.  Mandei imprimi-la em papel fotográfico, e a emoldurei, para afixá-la em minha biblioteca. Agora, quando eu vejo esse retrato, e vejo o brilho de minhas pupilas, que então ostentava, recordo o rapaz que eu fui, cheio de sonhos e alegria, apesar do semblante algo circunspecto. Mandei lhe fosse posta a mesma legenda acima transcrita. Mas o rapaz, talvez por ser também flamenguista, fez as letras em vermelho, a fazer contraste com a própria foto.

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Para aproveitar a viagem e o tempo, reproduzi no mesmo estúdio, no mesmo tipo de papel, uma charge elaborada pelo Gervásio Castro, em seu estilo inconfundível um dos maiores chargistas do Brasil, datada de 19 de maio de 2010. Nela o Gervásio me retratou como juiz, flamenguista, leitor, blogueiro e literato, porquanto envergo uma toga, empunho um martelo (não o de Thor, claro está), e puxo um carrinho no qual estão livros, um computador e uma pena de escrever. Debaixo da veste negra, talar, feita por minha saudosa mãe, visto uma gloriosa camisa do Flamengo.

Entreguei na sede da Academia, já devidamente emoldurada, a charge, para que seja afixada em nosso museu, já que se trata de uma obra de arte, feita com esmero por um dos melhores chargistas nacionais, o caro amigo Gervásio Castro, cujo irmão, Fernando di Castro, pode com ele ser ombreado. Ambos são parnaibanos, porém o Gervásio se radicou no Rio de Janeiro, embora passe temporadas em Parnaíba, ao menos uma vez por ano.

O Osvaldo Assunção, no sábado, disse-me que ia esperar a chegada de mais uns quadros para providenciar sua “entronização” na parede. Pensando na alta qualidade dessa obra e no espaço ainda disponível, pedi-lhe: “Mas, por favor, não demore muito, para que esse quadro tenha um bom lugar”. O Osvaldo sorriu, e balançou a cabeça em assentimento. Talvez eu tenha sido egocêntrico, mas o Gervásio e a charge bem merecem o que solicitei.

Saco de carvão. * Pádua Marques.

 

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Outro dia uma de minhas irmãs achou de, depois de uma latumia danada do vendedor na nossa porta, comprar um saco de carvão. Fazia tempos que aqui na nossa casa de Parnaíba eu não encontrava uma mercadoria dessas. Veio à lembrança quando morávamos no bairro de Fátima e ainda minha mãe estava longe de ter na cozinha um fogão a gás, um luxo pra poucos naquela época.

Meu pai, homem de pouco dinheiro na burra, tinha das suas de vez em quando e numa dessas, pra encurtar caminho e se livrar dos atravessadores, meteu naquela cabeça branca de comprar carvão, vindo no trem da tarde. Esse carvão, assim como galinhas poedeiras ou prontas pra ir à panela, franguinhas de primeira pena, melancias, maxixes, quiabos, tapiocas, beijus e leitões cevados, tudo descia na Esplanada da Estação.

Também vinha muita gente feia e triste, vinda de Marruás, Vidéo, Bom Princípio, Cocal e até da muito longe Piracuruca. Toda essa gente e coisas vinham direto´pra estação ali no bairro de Fátima. Papai comprou vários sacos de carvão. Antes, pediu a um amigo seu jumento pra depois do negócio levar a carga pra nossa casa. Ora, aquele carvão todo daria pra consumo de vários dias e até meses.

Eu e meu irmão ficamos encantados com aquela aventura de ir da estação de trem até nossa casa tangendo o jumento carregado de carvão, que depois de chegado e descarregado e medido numa lata de querosene, foi colocado nos fundos da cozinha à espera de sua utilidade.

O tempo passou, vieram outros e um dia, quando as coisas melhoraram em casa, minha mãe escasquetou e acabou comprando um fogão a gás marca Jangada. Não sei ao certo se na Rosemary ou no Décio Lobão. Como diria minha mãe, outra realidade! O carvão passou a ser mercadoria pra se comprar de vez em quando. Já ninguém olhava pro monte que se formava no canto da cozinha. Servia quando muito pra queimar no ferro de gomar.

O monte de carvão servia agora pra ser lugar e ninho de galinha com choco e que dentro de poucos dias sairia de porta pra fora com uma dúzia de pintos procurando o que comer. O saco de carvão foi perdendo importância. Ora vejam só! Mas de vez em quando entrava em cena no fogareiro que por precaução minha mãe conservou num canto em caso de emergência.

Olhando pra fora, o tempo e as coisas foram melhorando na Parnaíba. De uns tempos pra cá não se encontra mais na rua ao sol das oito horas os carvoeiros gritando a mercadoria enquanto estalavam o relho no lombo dos jumentos querendo pressa.

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Mas todo esse rodeio que eu fiz teve e tem um propósito de chegada. Pra os políticos, os carreiristas de palanques, os demagogos de toda sorte, o povo é feito aquele saco de carvão. De quatro em quatro anos eles estão na sua porta vendendo uma mercadoria  que não tem estoque, exceto aos domingos quando alguém resolve fazer um churrasco. O saco de carvão, que é o povo, fica esquecido, dormente, aguentando tudo. Os meninos de casa nunca passam perto. O carvão se livrou de ser queimado dentro de um ferro de gomar porque hoje o que não falta é ferro elétrico de todo tipo, tamanho e marca. Carvão suja as mãos e quando aceso enche a cozinha de fumaça.

E se serve de ninho pra galinha choca, acaba empestando a cozinha e a despensa de piungas. As eleições estão chegando. A campanha pesada vai ser depois da Copa da Rússia. Será um refrigério. Se esquecem de tudo em quanto: preço da gasolina, quebra-quebra, carnê do Paraíba, prestação da casa própria, reforma da Previdência, Lava Jato, o Lula. Quando a gente se espantar é a campanha e a propaganda na televisão e nos outdoors.

Os políticos vão entrar em sua casa com a maior cara limpa. Se deixarem, eles são capazes de ir até a cozinha. Se descuidar eles são capazes de abrir a panela. São capazes de beijar e colocar nos braços crianças catarrentas e dar abraços em velhas vestidas de chambres e com a baba da noite nos cantos da boca. Carvão é coisa pra se comprar baratinho hoje em dia. Tem nos supermercados, postos de gasolina, nalguma padaria ou vendinha de subúrbio.

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Povo, gente, gente pobre e ignorante é feito saco de carvão. O político compra o voto dessa gente prometendo saúde, educação e segurança. Só promete mais hospitais, médicos a rodo e a toda hora. Político compra voto dessa gente com uma cédula de cinquenta contos, pagamento de uma prestação da Macavi ou do Armazém Paraíba, uma bolsa de estudos pra um sobrinho e por aí vai. Depois que está eleito e feito na vida se esquece do povo, que vira saco de carvão. *Pádua Marques é jornalista e escritor, membro da Academia Parnaibana de Letras.

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JORNAL INOVAÇÃO E A QUEIMA DOS TAPUMES

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JORNAL INOVAÇÃO E A QUEIMA DOS TAPUMES

Elmar Carvalho

Fui hoje com o Canindé Correia à praia de Macapá, visitar o amigo comum Franzé Ribeiro. Para a nossa surpresa e satisfação, a sua mulher Clarice estava de aniversário. Tivemos uma palestra muito agradável com o Fabrício, filho dos anfitriões, Carol Porto e com o Érico Vinícius, que demonstraram ser jovens inteligentes, atualizados, de boa cultura e interessados em arte.

O nome do último foi uma homenagem prestada pelo seu falecido pai ao grande romancista gaúcho e ao famoso poetinha, na verdade um grande poeta, pelo que a palavra deveria ser usada no aumentativo e jamais no diminutivo. Já havíamos estado nessa casa algumas vezes, e sempre nos sentimos à vontade, quase como se estivéssemos em nossa própria residência.

Franzé e o Reginaldo Costa foram os fundadores do jornal Inovação, de cujo grupo fizemos parte este escriba, o Canindé Correia, Vicente de Paula (Potência), Flamarion Mesquita, Jonas Carvalho, João Maria Madeira Basto, Mário Carvalho, Jonas Carvalho, Porfírio Carvalho, Neco Carvalho, Ednólia Fontenele, Bartolomeu Martins, Danilo Melo e vários colaboradores, como Alcenor Candeira Filho, Karleno, Diderot Mavignier, Jorge Carvalho, Israel Correia e vários outros poetas e escritores.       Esse jornal circulou do final da década de setenta até o começo dos anos noventa, em periodicidade mais ou menos mensal. Tinha suplemento cultural. Fazia entrevista. Entre outros, foram entrevistados Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, Assis Brasil, Ladislau João da Silva, Alcenor Candeira Filho e uma prostituta. Fez pesquisa social, com metodologia científica, vez que os questionários eram elaborados pelo estatístico João Batista Teles.

Inicialmente, foi impresso em mimeógrafo, no formato apostila, tamanho A4. Foi o primeiro jornal parnaibano a ser impresso em off-set. O periódico pertencia ao Movimento Social e Cultural Inovação, que manteve uma biblioteca, durante muito anos, e promoveu palestras e debates. Graças a sua influência, surgiram vários outros jornais alternativos. Foi um jornal bravo e independente, que combatia a administração pública municipal, estadual e federal, ainda na época da ditadura militar.

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Quando o prefeito João Batista Ferreira da Silva destruiu a bela e velha Praça da Graça, para construir uma modernosa, o jornal combateu ferozmente essa decisão, ainda mais porque o início da construção demorou. A campanha do jornal, numa época em que a radiodifusão e o jornalismo eram bastante atrasados, e em que a internet não existia, foi muito forte, e terminou movendo a opinião pública contra a atitude do prefeito, até que populares, revoltados com a situação, derrubaram os tapumes que escondiam os escombros da praça, empilharam-nos e os queimaram. Foi uma verdadeira festa popular, pois, no dia seguinte, houve uma espécie de carnaval, com vários carros desfilando em torno dos destroços da praça.

O Inovação era informativo, formativo e cultural, e vários importantes escritores, poetas e artistas plásticos publicaram suas produções nele. Foi, pelo menos durante alguns anos, o jornal mais lido e comentado de Parnaíba. Ainda hoje sinto uma nostalgia muito grande da falta desse jornal, e ter feito parte do grupo do Inovação é um de meus maiores orgulhos, e tem mais valor para mim do que certas honrarias.

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AS CHARGES DE GERVÁSIO CASTRO

De manhã cedo, estive na casa da mãe do Gervásio Castro, que está passando uma temporada em Parnaíba, sua terra natal. Radicou-se no Rio de Janeiro há várias décadas, e assimilou a parte boa do espírito carioca, sobretudo a maneira mais suave de encarar a vida e uma gostosa pitada de senso de humor. Foi ele que ilustrou os meus PoeMitos da Parnaíba, que publiquei em livro, a ser lançado brevemente em Parnaíba, em data a ser marcada pelo presidente da Academia Parnaibana, Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos.

Não nos conhecíamos pessoalmente, mas apenas através de e-mails e de telefonemas, embora tenhamos vários amigos comuns. Posso dizer que o Gervásio captou o que eu quis transmitir através dos PoeMitos de um modo tão perfeito, como eu jamais poderia imaginar. Soube retratar a parte satírica e erótica com muita criatividade, de modo sutil, elegante, delicado mesmo, que não agride a sensibilidade de ninguém, dando ao personagem graça, leveza, com certeira dose de humor, que disfarça a parte mais crua da nudez e de eventual escatologia de alguns dos poemas.

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Suas charges são coloridas, mas com cores que se harmonizam entre si e com o desenho ou retrato. Tentou extrair das personalidades o que elas tinham de mais belo ou de mais pungente. Seus traços são perfeitos, mesmo quando se avizinham da caricatura e sempre parecem respeitar as leis da perspectiva e da proporcionalidade, mesmo quando têm como objeto alguma deformação física. Por isso mesmo, mereceu o elogio do prefaciador, o mestre e doutor em Literatura Brasileira, Cunha e Silva Filho, crítico abalizado, ensaísta da melhor estirpe e cronista de mérito.

Seu irmão, Fernando Castro, é outro monstro sagrado e consagrado da charge e da caricatura. O Gervásio está levando a cabo a missão difícil de ilustrar o poema épico moderno A Zona Planetária, de minha autoria, que pretendo transformar em livro, com o acréscimo de um ensaio sobre os velhos cabarés. Sem dúvida a cumprirá com brilhantismo, pois suas charges, em muitos momentos, têm rasgo de verdadeira genialidade.  Será prefaciado pela Teresinha Queiroz, uma de nossas maiores escritoras e historiadoras, membro da APL, com vários livros importantes publicados.

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NOTA DE PESAR

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Imagem Proparnaiba.com

 

                        A Academia Parnaibana de Letras – APAL e Associação dos Comunicadores de Parnaíba – ASCOMPAR , com profundo sentimento de pesar comunicam o falecimento do acadêmico escritor e jornalista Herculano Moraes, ocorrido em 17.05.18 em Teresina.

                        Herculano Moraes foi presidente da Academia Piauiense de Letras, vereador de Teresina, secretário estadual de comunicação, diretor do Theatro 4 de Setembro, Casa Anísio Brito e do Museu Histórico do Piauí. O escritor que morreu aos 73 anos de idade, também teve citações em inúmeras coletâneas nacionais.

                        A morte de Herculano Moraes representa uma grande perda para a cultura piauiense, tanto para a literatura como para o jornalismo.

A APAL e a ASCOMPAR consternadas com o seu falecimento solidarizam-se com familiares e amigos que o escritor deixa nesta vida terrena e comunicam que mandarão celebrar missa em ação de graças em data e local que serão divulgadas oportunamente.

 

José Luiz de Carvalho                                                             Antonio Gallas Pimentel

Presidente APAL e ASCOMPAR                                            Secretário Geral APAL

 

                       

                       

 

                       

                       

Viagem a Manaus

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Viagem a Manaus

Elmar Carvalho

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Com a finalidade de visitar nosso filho João Miguel, que reside em Manaus, no domingo, dia 29 de abril, fomos a essa capital amazônica. Ao chegarmos ao aeroporto de Brasília, para a conexão, à boquinha da noite, mal me levantei da poltrona, fui abordado por uma senhora, que me fez uma pergunta casual, sobre o nosso destino ou sobre a conexão, não me lembro ao certo. Respondi-lhe que ia a Manaus, em visita a um filho; ela, então, me disse que seu pai, um português, fora dono de seringal no Amazonas.

Disse-lhe que, no auge da exploração da borracha, vários nordestinos, inclusive piauienses, foram para a Amazônia. Nosso rápido e circunstancial diálogo terminou aí. Depois, na continuação da viagem, lembrei-me de Humberto de Campos, que tentara melhor sorte na região amazônica. Humberto, embora maranhense de Miritiba, que hoje tem o seu nome, após o falecimento de seu pai, passou grande parte da infância em Parnaíba (PI), de onde saiu aos 13 anos de idade, com destino a São Luís.

No meu retorno a Teresina consultei o importante livro Humberto de Campos: evocações de uma vida, da autoria da amiga e confreira na Academia Parnaibana de Letras Amparo Coêlho, para refrescar-me a memória, e nele encontrei a informação de que esse escritor, memorialista e poeta foi capataz de um seringal, onde foi acometido de uma febre palustre, que lhe fez retornar a Belém. Chegou a redator-chefe do jornal A Província do Pará, cujo proprietário era Antônio Lemos, que foi eleito prefeito dessa capital. Foi designado secretário da Prefeitura. Com a deposição do alcaide, foi perseguido por causa de sua atuação jornalística, e teve que fugir para o Rio de Janeiro, a bordo de um navio da Lloyd.

O rápido diálogo, a que me referi, me fez lembrar que os avós maternos do poeta e escritor Alberto da Costa e Silva, filho de dona Creusa e de Antônio Francisco, o poeta maior do Piauí, de nome literário Da Costa e Silva, também moraram em Manaus. Soube disso através dos livros O espelho do Príncipe e Invenção do Desenho, da lavra de Alberto, ambos com o subtítulo “ficções da memória”, que nem por isso deixam de ser duas excelentes obras memorialísticas, que li com muito agrado, quase de um gole, como se costuma dizer. Fiz a leitura através de e-book, em meu aparelho Kindle.

Do cotejo deles, fiquei sabendo que seu avô materno possuíra cabedais na região amazônica, entre os quais fazenda e seringal, além de duas amantes, que, com sua morte, se apropriaram de quase tudo. Sua avó, Maria Adélia Fontenelle de Vasconcellos, conhecida como Aroca, ficou viúva com menos de quarenta anos de idade, e teve que retornar ao Ceará, sua terra natal. Fixou residência em Fortaleza e passou a usar luto fechado pelo resto da vida, conquanto não tenha se tornado uma pessoa melancólica, amarga ou depressiva. Ao contrário, tinha ânimo forte e positivo. Pertencia a importantes estirpes de Viçosa e Sobral. Recomendei-lhes a leitura ao historiador Vicente Miranda, que escreveu a mais importante obra sobre a genealogia e história da Ibiapaba e adjacências, inclusive Piauí, no intuito de lhe possibilitar eventuais enriquecimentos e acréscimos quando de uma anunciada segunda edição.

Feito esse parêntese, que achei pertinente, retomo o tema central. Chegamos a Manaus por volta de meia noite, ou 23 horas no horário local. Após os abraços e cumprimentos de praxe, João Miguel nos levou ao seu apartamento, situado perto da avenida das torres. Torres de transmissão elétrica, esclareço. No dia seguinte, pude constatar que da varanda, para qualquer lado que pudesse alcançar, eu via, por entre ruas e casas, boas porções de florestas. Ao amanhecer, ouvi o canto alegre de aves. À noite, ouvi, muitas vezes, o canto rascante de cigarras e a sinfonia álacre dos batráquios.

Também, margeando algumas avenidas, víamos, amiúde ou quase sempre, generosas nesgas florestais, que adornavam a paisagem urbana. No meio de árvores imponentes e copadas, vi pequenas plantas e arbustos, de um verde vivo, luxuriante e diversificado, em que muitas vezes parecia haver esmeraldas esmaltadas, tal o brilho das cores da folhagem. O formato e o tamanho das folhas eram muito variados. Em caprichado paisagismo natural, digno talvez dos arranjos de um Burle Marx, víamos trepadeiras a se enroscar em suntuosas árvores.

Em dois shoppings, vi, através de paredes envidraçadas, verdadeiros parques florestais, que lhe ficavam contíguos, talvez como áreas de preservação ambiental. Dessa espécie de mirante ou posto de observação, vi plantas imensas, de enormes frondes. Algumas, suponho, eram mais altas do que um prédio de cinco ou seis andares. Fiz esse cálculo tomando por base o andar de onde eu as observava.

Mais uma vez verifiquei a diversidade de tamanho, formato, textura e flexibilidades dos arbustos e árvores. Fiquei a imaginar que algumas poderiam ter vários séculos, podendo remontar à descoberta do Brasil pelos portugueses, senão ainda anteriores. Havia ainda enormes e variadas palmeiras, que vi de perto e do alto, através das vidraças do centro comercial.

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 Ao conversar com João Miguel sobre o Teatro do Amazonas, que conheci em viagem anterior, disse-lhe que essa deslumbrante e faustosa casa de espetáculo fora concluída pelo governador Fileto Pires Ferreira, nascido no Piauí. Como ele tenha se admirado dessa informação, acrescentei que outro piauiense também governara o Amazonas: Gregório Thaumaturgo de Azevedo, que também foi o primeiro governador republicano de seu estado natal. Ambos são filhos de Barras, justamente cognominada Terra dos Governadores.

No texto Piauienses viraram ficção na Amazônia, de Dílson Lages Monteiro, colho o seguinte comentário: “Um é descrito como ‘magro, ágil, elétrico, homem de fino trato, olhar inteligente, meio romântico, ousado, impetuoso, um tanto ingênuo, elegante de espírito (…) bem-nascido, família abastada, dona do Norte do Piauí, a terra do gado’. O outro, como um combativo homem público de ampla atuação, a seu tempo, no Norte do País. Fileto Pires Ferreira e Thaumaturgo de Azevedo, piauienses que governaram o Amazonas, respectivamente, entre 1896-1898 e 1891-1892, são personagens do romance ‘Teatro do Amazonas’, de autoria do amazonense Rogel Samuel.”

A família Pires Ferreira exerceu o protagonismo político no Piauí durante vastos anos, sobretudo sob a liderança dos barrenses Firmino Pires Ferreira (25-09-1848 – 21-07-1930) e Joaquim Pires Ferreira (15-07-1868 – 23-12-1958). O primeiro participou da Guerra do Paraguai, como voluntário, e se tornou herói em várias batalhas; era marechal do Exército nacional, e foi senador por mais de trinta anos; o segundo era advogado, foi deputado federal e senador da República por várias décadas e é epônimo de uma cidade piauiense.

Gregório Taumaturgo de Azevedo, filho de Manoel de Azevedo Moreira de Carvalho e Angélica Florinda Moreira de Carvalho, nasceu em Barras (PI), em 17-11-1853, e faleceu no Rio de Janeiro, em 29-08-1921. Fundou a cidade de Cruzeiro do Sul (Acre) e a Cruz Vermelha Brasileira, da qual foi presidente. Segundo o escritor e romancista Rogel Samuel, foi ele quem traçou o plano da cidade de Manaus. Encerrou sua carreira profissional como marechal do Exército Brasileiro.

Fileto Pires Ferreira, filho de Raimundo Carvalho Pires Ferreira e Lídia Santana, nasceu em Barras, em 16-03-1866, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em 11-08-1917, tendo alcançado o posto de general. Esforçou-se em concluir as obras iniciadas por antecessores, inclusive o famoso Teatro do Amazonas. Embora considerado um grande governador, encontra-se imerso em injusto esquecimento. Ao se ausentar do estado, para tratamento de saúde na Europa, foi vítima de uma “armação” política de seus inimigos, que forjaram um falso pedido de renúncia, com a falsificação de sua assinatura, e lhe destituíram de seu cargo. Embora em vão, teve a hombridade de tentar reconquistar seu cargo de governador fraudulentamente usurpado.

Nas vezes em que percorri as ruas e avenidas manauaras, em automóvel conduzido por João Miguel, sem querer laborar em estereótipos e maniqueísmos, que sempre distorcem ou exageram a verdade, notei que os demais motoristas não eram excessivamente apressados, e cediam a preferência em cruzamentos e conversão de faixas, de sorte que não presenciei nenhum acidente de trânsito, como com frequência observo em Teresina, apesar de Manaus ter mais do dobro da população desta.

Quando pedi alguma informação, notei que a pessoa parava, fixava a atenção em mim, e com urbanidade e respeito dava a sua resposta. Mera coincidência ou não, só vi no noticiário local um crime de alta repercussão: o assassinato do advogado criminalista e ex-deputado estadual Armando Freitas. Ou os homicídios não ocorrem com tanta frequência ou não lhe atribuem a importância sensacionalista que lhe dão em outras paragens.

No domingo, 6 de maio, fomos conhecer o calçadão e praia de Ponta Negra. É um local de muita magia e beleza, com muita água espraiada e a presença aprazível de algumas nesgas de florestas, que me pareceram bem preservadas. A impressão geral que tive, embora possa estar enganado, é de que a cidade não entrou em processo de excessiva verticalização. O rio Negro parece formar nesse local uma espécie de baía ou de grande remanso. Em dia anterior, fomos conhecer a Praia do Japonês, que não se encontrava aberta. Mas o passeio não foi em vão, pois nos serviu para termos uma ideia do que seja a floresta amazônica, apesar de que não estávamos em mata fechada.

Fomos, em seguida, a um restaurante flutuante, onde nos encontramos com Higino Freitas, sobrinho da Fátima, e com o tenente Fernando Alves, paraibano, amigo e colega de meu filho. Nesse local, vimos a pujança e a beleza da floresta e do grande rio, perante o qual, sem ironia e sem menoscabo, o nosso Rio Grande do Tapuia, o nosso querido Parnaíba ou Velho Monge, como nos versos de Da Costa e Silva, torna-se quase um igarapé. Mas o Parnaíba, apesar das maldades que lhe fazem e da incúria dos governantes, é um rio forte e bravo; e resistente, insiste em não morrer.

O Gino e o João Miguel comemoravam seus aniversários, ocorridos, respectivamente, nos dias 4 e 5 de maio. O primeiro ficou muito emocionado com um vídeo que lhe foi enviado por seu irmão Nonato (Natim) Freitas, em que este proferiu belas palavras afetivas e fraternas. O Gino, entre outras iguarias, pediu o peixe jaraqui, por não ser conhecido no Piauí; para não sair da rima, repetiu o bordão: “Quem come jaraqui, não sai daqui”. E eu, fingindo um equívoco, continuei no mesmo refrão: “E quem come do jaracá, não sai de cá”. Com isso brindamos e encerramos essa tarde de encantamento, confraternização e beleza.

E, arrematando, para os estilistas esqueléticos, de pretensiosa contenção e rigor, que se autoproclamam avessos ao uso de adjetivos, direi: ao se falar de uma amazônica beleza, de amazônicos rios e florestas, não se pode deixar de usar muitos adjetivos. E aproveito para perguntar: se os adjetivos não devem ser usados, por que diabos teriam sido inventados?

(*) Vários dados históricos desta crônica foram extraídos do referido texto de Dílson Lages Monteiro, de uma entrevista concedida por Rogel Samuel ao portal Entretextos, do blogdorocha e do Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado, da autoria do barrense Wilson Carvalho Gonçalves.

RETRATO DE MINHA MÃE (*)

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RETRATO DE MINHA MÃE (*)

Elmar Carvalho

Fernando Pessoa, em versos, disse que após sua morte, se quisessem escrever sua biografia, não haveria nada mais simples, porquanto tinha apenas duas datas: a de sua nascença e a de sua morte. Minha mãe nasceu no dia 20/11/1933 e faleceu na sexta-feira passada, 26/04/2013. Era de poucas letras, embora tivesse enorme sabedoria de vida, e tinha o que hoje chamam de inteligência emocional. Com efeito, em sua modéstia e simplicidade, era uma mulher muito inteligente e perspicaz. Se eu quisesse resumir este perfil, que tento fazer de minha mãe, diria que o texto insuperável de Don Ramon Angel Jara, bispo de La Serena – Chile, a ela se aplica com exatidão, como se aplica a todas as verdadeiras mães.

Não exerceu cargos e nem funções públicas. E nunca os almejou. Cristo disse que quem desejasse ser o maior, deveria ser o que mais servisse. Portanto, deveria ser o maior e o melhor dos servos. Mamãe (quase) renunciou a si mesma, para servir aos outros. Sua missão, à qual se dedicou de forma obstinada e contínua, sem tréguas, sem férias, sem feriado, sem queixas e sem lamentações ou mágoas, foi cuidar do seu marido e dos seus oito filhos. E como soube cuidar… Nisso foi inexcedível.

Desde o amanhecer até o momento em que ia dormir, não sabia ficar quieta. Sempre tinha algo a fazer. Nisso se incluíam todos os misteres domésticos. Cuidava do marido e dos filhos; limpava a casa; lavava as roupas e as louças; fazia as refeições e chegou ao ponto, durante vários anos, de confeccionar as roupas dos filhos, mormente numa época em que não era costume comprar-se roupas feitas.

Nossas roupas eram bem-feitas, tanto no corte, como na costura, e bem se ajustavam ao nosso porte. Em determinada época, apenas por passatempo, no período em que morava em Parnaíba, passou a confeccionar animais e bonecas de pano ou plástico, para presentear os filhos e alguns amigos, e também ornar sua casa. Eram trabalhos feitos com esmero, com observância de detalhes, enfeites e adereços, que lhe revelaram a sua faceta artística, a que não deu continuidade, porquanto sua vocação ou devoção era, efetivamente, ser esposa, mãe e exímia dona de casa.

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Mesmo quando passou a ter colaboradora, jamais deixou de exercitar esses trabalhos. Nunca lhe ouvimos lamúrias por causa de sua dura labuta doméstica. Sentia-se realizada em ser dona de casa e mãe de família. Parecia encarar esse labor extenuante e repetitivo como uma missão sagrada, que lhe dava íntima satisfação e à qual não desejava e nem poderia fugir, ainda que apenas aos domingos.

Das várias mensagens que os netos divulgaram através da internet (facebook) e que publiquei em meu blog, pinço trecho de duas. Este, de meu filho João Miguel, cadete da Polícia Militar do Amazonas, e que, por isso mesmo, não pôde comparecer ao enterro de sua avó: “Hoje o céu está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela para brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu rosto”. E este outro, escrito por Raquel Guedelha: “Certa vez, vovó comentou com meu irmão, que a imagem da felicidade dela era olhar para o passado e lembrar a época em que o meu avô chegava do trabalho em Campo Maior, e todos os filhos dela, que brincavam na frente da casa, saíam correndo ao encontro do pai para trazê-lo para casa”.

Tinha mamãe o espírito forte e uma grande energia vital. Mantinha sempre o ânimo alegre, sem mágoa, sem ira e sem temores. Não tinha inveja de nada e nunca se maldizia. Não gostava de fuxicos, futricas e fofocas, e, portanto, não se comprazia em falar da vida alheia. Embora não fosse de visitar amiúde as casas alheias, mesmo porque não tinha tempo para isso, tinha a amizade e a estima dos vizinhos, aos quais tinha o mesmo apreço, amizade e consideração. Creio que a sua força e vitalidade provinham de uma Fé singela, mas inabalável em Deus, que ela não alardeava, pois a conservava em seu íntimo, em recanto secreto.

Essa Fé a fez ser sempre uma mulher forte, decidida, embora de trato suave, e mesmo delicado. Cultivava discreta alegria, sem ostentação e espalhafato. Ao trabalhar, em sua faina diária e contínua, cantarolava algumas músicas de sua predileção. Não obstante essa sua postura, soube disciplinar os filhos, com a palavra, com o castigo e com os corretivos, para que fôssemos pessoas do bem e buscássemos a virtude. Nessa seara tivemos, também, o seu exemplo e o de nosso pai, que lhe sobrevive. Contudo, não fomos criados presos, amarrados à barra de seu vestido. Fomos livres e brincamos a valer.

Conquanto tivesse mamãe uma personalidade forte, e tenha enfrentado com galhardia as dificuldades e vicissitudes da vida, que se abatem sobre todas as famílias, sejam percalços financeiros ou doenças, sem nunca esmorecer ou perder a Esperança e a Fé, entretanto, quando a tragédia, pela primeira e única vez, atingiu a nossa família, eu pude imaginar o quanto ela nos amava. Foi quando minha irmã Josélia, aos quinze anos de idade, no auge de sua beleza, carisma e simpatia contagiante, linda e odorífera flor que mal desabrochara, foi colhida brutal e inesperadamente pela morte, vítima de acidente automobilístico.

Minha mãe passou vários dias imersa em imensa tristeza, prostrada em sua alcova, a derramar profusas e sentidas lágrimas; chorou sua filha, como Raquel chorou seus filhos, “sem aceitar consolação por eles, porque já não existem”. A duras penas, sabe Deus com que esforço, conseguiu sair de sua profunda prostração, para cuidar do seu marido e de seus filhos, que dela ainda muito precisavam. Aos poucos, retomou a sua rotina e voltou a tomar posse de si mesma, do modo como sempre fora.

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Tinha senso de humor, embora o usasse de forma moderada, e jamais para diminuir ou ridicularizar quem quer que fosse. Certa feita, o meu saudoso cunhado Zé Henrique disse que, quando morresse, gostaria de ser um urubu. Um pouco por influência minha, creio, ele passara a admirar essas negras aves, a sua saúde, a sua missão de limpar o mundo, a sua magnífica coreografia aérea, e até mesmo o seu gingado caminhar de malandro carioca. Minha mãe, sorridente, retrucou-lhe que preferia ser um bem-te-vi, pela sua beleza e alegria. Na tarde de sua morte, ouvi o canto alegre desse passarinho, que já não ouvia há algum tempo, e tive o lampejo de que seu espírito partia para o infinito.

Décadas atrás, minha mãe ganhou um casal de papagaios. Criou-os com muito zelo, carinho e estima. Não lhes ensinou palavrões e nem cantigas indecorosas, como as que hoje nos agridem os tímpanos e a alma em quase todo lugar. Ensinou-lhes belas e alegres canções, inclusive religiosas, conquanto não fosse carola, avessa que era a hipocrisias e falsidades farisaicas.

Graças à sua obstinada determinação nesse mister, o Louro e a Rosa aprenderam um vasto repertório de palavras, frases e cantigas. Era muito engraçado ouvir-se a algazarra festiva dos papagaios, quando eles estavam de bom-humor, pois essas aves, como os humanos, cuja voz eles imitam, parecem ter os seus caprichos, em que alternam momentos de alegre expansão com momentos de sisuda introspecção, ou mesmo de certa melancolia.

Deus concedeu a minha mãe que ela nos preparasse para a sua morte. Ela sempre disse não ter medo de morrer. Quando teve de encarar duas ou três cirurgias, resolveu enfrentá-las de imediato, sem desânimo e sem receio. Os sentimentos negativos, que deve ter tido, em sua condição de humana, guardou-os para si; parecia não desejar contaminar os outros com queixas, medos, mágoas ou desesperanças. Em virtude de sua hepatopatia, um ano atrás, começou a definhar e a apresentar alguns problemas de saúde, ela que sempre fora tão saudável e incansável.

Esses problemas começaram a amiudar, e culminaram com a necessidade de ser internada em hospital de Teresina. Poucos dias depois, com a alteração de suas taxas, como a de potássio, que se elevou muito, e a de sódio, que caiu demasiadamente, seu coração, que era forte e vigoroso, sofreu uma fibrilação atrial, tendo ela que ir para a Unidade de Tratamento Intensivo.

Disso lhe adveio outras complicações, como uma embolia, numa das pernas, tendo ela que ser submetida a pequena cirurgia para retirada do coágulo sanguíneo. Finalmente, ocorreu o seu falecimento, aos 79 anos de idade, na tarde do dia 26, às 15:45 horas. Esse lento e gradativo declínio de sua saúde, contribuiu para que meu pai, minhas duas irmãs, meus quatro irmãos e eu suportássemos a sua morte sem desespero, e com resignação. Os choros foram contidos, silenciosos, ou apenas internamente, sem convulsivos soluços e clamores.

Minha mãe, como já falei, dizia não temer a morte. Dizia isso de forma humilde, sem empáfia e sem ostentação; apenas como quem, de há muito, entendeu-a como parte integrante da vida, ou mesmo como um portal para a continuação da existência, em novo estágio ou nova dimensão do espaço-tempo. Por essa razão, numa das vezes em que a visitei na UTI, disse-lhe para ser forte, rezar e confiar em Deus. Ela, com um fio de voz, dada a sua fraqueza física, porém com firmeza e serenidade, reafirmou-me não temer a morte.

O meu irmão César Carvalho (Neném), quando contei esse diálogo, disse-me, aludindo à circunstância de ser eu poeta:

– Você é doido mesmo… Todo poeta é um pouco doido. Você foi puxar um assunto desse!?

Sou, talvez, mas quem não é? Dizem que todo mundo tem um pouco de poeta e de louco. Além do mais, quiçá, tenha contribuído para reavivar a sua coragem e Fé.

Quando se aproximava a sua viagem a Teresina, para consulta e tratamento, se fosse o caso, minha mãe deu alguns de seus vasos de plantas a uma vizinha, Lindalva, esposa do comerciante Zé Francisco, amigo nosso. Ambos são pessoas boníssimas, e Deus os está abençoando em seus filhos, que estão a concluir os cursos de Radiologia e de Medicina. Recomendou, ainda, que os seus queridos papagaios fossem entregues a um dos filhos. Provavelmente, antevia que meu pai fosse sofrer muito com a visão e as cantigas deles, a lhe provocar lancinantes evocações e saudade, o que já está acontecendo.

Tempos atrás, ela firmou contrato com a funerária Pax União, naturalmente antevendo que o termo de seus dias já se aproximava. Também preveniu a familiares que desejava ser sepultada em Campo Maior, no cemitério do bairro Cidade Nova, ao lado do sepulcro de seu irmão Antônio Horácio de Melo, que fica perto do túmulo de sua irmã Maria dos Remédios e de seu cunhado Zeca Quaresma. Ela, pessoalmente, foi escolher o local, e pediu a sua reserva e marcação. Disso podemos inferir que ela tinha a premonição de que sua hora final já se avizinhava.

Josélia, filha de minha irmã Maria José (Mazé), contou que, na tarde em que minha mãe partiu para a eternidade, sonhara que ela retornava a sua casa em Campo Maior, entrando pelo quintal, cheio das árvores que ela plantou e dos arbustos ornamentais e flores que ela cultivava. Minha sobrinha, admirada de ela haver saído do hospital, lhe perguntou:

– Vovó, a senhora está bem?

Minha mãe, então, lhe respondeu:

– Agora, estou.

Quando Josélia acordou desse sono/sonho ouviu o telefone tocar. Era o meu irmão César Carvalho que ligara para lhe dar a notícia de que mamãe acabara de falecer. Certamente está bem, no lugar de beatitude que o Pai lhe deve ter destinado.

Na manhã do dia em que mamãe morreu, os papagaios começaram a cantar uma das cantigas que ela lhes ensinou. Como uma espécie de premonição, o Louro e a Rosa cantaram o seguinte trecho de hino religioso: “Mãezinha do céu, eu não sei rezar / Eu só sei dizer quero te amar”. O Solimar, um de nossos vizinhos, acrescentou que, após o cântico católico, uma das aves teria pedido: “Vovô Miguel, traz o café”, tendo a outra acrescentado que o queria com leite. Que avezinha mais exigente!…

Pouco antes da chegada do corpo de mamãe, fato ocorrido à noite, os papagaios novamente cantaram o refrão acima transcrito, e também o seguinte trecho de melancólica marchinha carnavalesca: “Oh! jardineira por que estás tão triste / Mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia que caiu do galho / Deu dois suspiros e depois morreu”. Há quinze dias que meus pais já se encontravam ausentes, ficando eles aos cuidados da Alba, que também os ouviu cantar os versos iniciais do hino religioso. Os animais, que muitos dizem não ter raciocínio, parecem ter os seus mistérios e segredos.

Somos agradecidos a todos os parentes e amigos que nos deram a sua solidariedade, pessoalmente, por telefone ou pela internet, tanto nas visitas ao hospital, como no comparecimento ao velório e ao sepultamento. Na longa noite em que mamãe foi velada, muitos ficaram até o raiar do dia, rezando e nos reconfortando com sua presença. No quintal da casa, os xarás Zé Francisco, o professor e o nosso vizinho, ficaram a noite toda conversando comigo, por mais que eu lhes tenha dito que deveriam ir repousar, pois ambos têm as suas ocupações profissionais.

Muitos choraram copiosamente, embora de forma sóbria. Outros contiveram as lágrimas. Meu pai, minhas irmãs e alguns irmãos derramaram seus prantos, em alguns momentos, mas sem lamentações e sem desespero, porque sabiam que a vida de minha mãe continua em alguma das casas do Senhor da Eternidade – “na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito”, garantiu-nos o Cristo (João, 14.2). Ao tombar do dia, mas ainda com sol, entregamos o corpo de mamãe aos cuidados da mãe terra. Sua alma, esta se encontra numa das moradas celestiais, ou “na mão de Deus, na sua mão direita”, como nos versos sublimes de Antero de Quental.

Encerrando redação sobre as mães, que valeria como prova da disciplina Educação Moral e Cívica, no antigo Ginásio Estadual, da qual era professor o impoluto juiz de Direito Dr. Hilson Bona, em que obtive nota máxima, disse, em pleno adolescer: “E agora direi, como disse Paulo Setúbal: ‘Minha mãe, Deus lhe pague!’” Repito, agora, finalizando este singelo retrato, em plena maturidade: Minha mãe, Deus lhe pague.

(*) Republicada no ensejo do Dia das Mães, ocorrido ontem, dia 13.05.2018.

 

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Sobrevivem a minha mãe, o marido, Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, e os filhos José Elmar, João José, Antônio José, Maria José, Paulo José, Joserita e Francisco José Nonato César (César), todos com o sobrenome “de Mélo Carvalho”. Minha irmã Josélia faleceu em 02/07/1978, aos 15 anos de idade. Meu pai veio a falecer em 05.11.2017.

BARRAS – HISTÓRIAS E SAUDADES

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BARRAS – HISTÓRIAS E SAUDADES

Elmar Carvalho

Vindo passar os dias de carnaval em Parnaíba, resolvi dar uma boa folheada no livro Barras – histórias e saudades, de Antenor Rêgo Filho, que já havia lido alguns meses atrás. O autor foi um dos fundadores da Academia de Letras do Vale do Longá, entidade a que tive ingresso com o apoio seu e do falecido Geraldo Majella de Carvalho, meu parente e amigo. Foi seu presidente em três mandatos, sendo que na sua última gestão o sodalício conseguiu adquirir a sua sede própria, a cuja solenidade de inauguração tive o prazer de estar presente.

O livro conta a saga da comunidade barrense, desde o seu primórdio, no século 18, quando o fazendeiro e empreendedor Miguel de Carvalho e Aguiar, filho do grande Bernardo de Carvalho e Aguiar, fundador de Campo Maior e de outras comunidades, instalou a sua fazenda e currais e possibilitou a construção da capela católica, até a década de setenta. Como se sabe, as cidades piauienses, normalmente, surgiram em derredor de currais e de templos católicos, e Barras não foi uma exceção.

A obra foi prefaciada por Ribamar Garcia e contou com os depoimentos dos escritores Carlos Nejar, Adrião Neto e Herculano Moraes. Narra os principais fatos da história política do município, citando os seus   protagonistas, mas também se refere aos costumes, folclore e cultura barrenses, em que conta episódios anedóticos e pitorescos. A urbe tem o epíteto de Terra dos Governadores, por ter dado vários governantes ao Piauí e a outras unidades federadas, mas bem poderia ser chamada, igualmente, de terra de intelectuais, uma vez que forneceu ao estado vários escritores e poetas de nomeada, entre os quais o autor da obra em comento.

O opúsculo também é enriquecido por cópias de importantes documentos e fotografias que nos levam ao passado, quando Barras era uma cidadezinha bucólica, com belas praças, quase uma ilha, através do abraço aquático do Marataoan, e dos demais rios que desembocam no Longá, formando as barras, que originaram seu nome. Lamentavelmente, muitos dos prédios, vistos nas fotografias, foram destroçados pela desídia, insensibilidade ou ganância dos homens. Meus ancestrais paternos são barrenses, e por essa razão, na minha infância bebi dessas águas, quando lá estive a passeio, e na minha adolescência banhei e mergulhei na barragem, e contemplei, embevecido, a Ilha dos Amores.

Por tudo isso, pude fazer o meu poema Barras das Sete Barras, cujo vídeo pode ser visto no excelente site cultural Entretextos do professor, poeta e romancista Dilson Lages, ilustre barrense, um dos grandes expoentes literários do Piauí. Do meu conhecimento, o livro de Antenor Rêgo Filho é o mais completo inventário histórico, folclórico, geográfico e cultural do município de Barras.

13 de fevereiro de 2010

Máscaras  

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Máscaras

 Elmar Carvalho

Era um baile de máscaras. Mas todas as máscaras eram iguais, e pelas roupas idênticas, folgadas, plissadas e talares não dava para se distinguir o sexo de quem as vestia. Apenas eu não usava nenhuma máscara, como se meu rosto fosse a minha própria máscara; ao menos era o que eu supunha. Como dono da casa, resolvi retirar todas as máscaras. Não houve oposição. Logo verifiquei que abaixo de uma havia sempre outra. Vendo que o meu esforço seria tão infindável quanto inútil, pois sempre havia uma nova (máscara) a ser retirada, encerrei esse trabalho de Tântalo.

Contudo, ao me olhar num espelho constatei que eu também usava uma máscara igual a todas as outras. Sequer tentei retirá-la. Agora já não sei se isso foi real ou se foi apenas um sonho ou pesadelo. Me restou a lição metafórica: ou todos usamos vários disfarces ou, na média, a humanidade somos todos uma só e mesma pessoa, sempre a interagirmos um com os demais, sem culpa e sem inocência; em que todos contribuem, em maior ou menor escala, para a formação de virtudes e pecados.

A máscara pode ser a nossa própria face, que, muitas vezes, é apenas um simulacro do momento.

Manaus, 04/05/2018