Ouves?

 

”Fecho os olhos

E encosto a concha do búzio

Na concha de minha orelha”

conchas1

No sono antes infringido

Dormi um instante o ouvido

Aos búzios de Elmar Carvalho

E que dizem os búzios?

Invisíveis moluscos deste litoral

Veladas areias de Fortaleza

Eu estivera fosco ao que dizem

Tosco ao sonoro

Ás auréolas imemoriais dos búzios

E tão pouco os escutei

Fragmentos de signos antigos

Celulares micro búzios do esquecimento

Acordei sobressaltado

Ao sol da cidade

E não havia búzios que falam

Aos ouvidos de homens surdos

Que disseram teus búzios

poeta Elmar Carvalho?

conchas2

Que mais diriam

Se eu os escutasse plenamente?

Arranho rastros no sopro das dunas

E no vapor da ausência

Evanesce o som que perscruto

Que disseram teus búzios?

Que diz o gris

Das espumas de Iracema?

Que diz o concreto da elegância

Nos edifícios do Meireles?

ganso4

Que disseram teus búzios?

Que diz o emaranhado de pelos

Nos braços vermelhos de meu pai

Em que cada enrolar-se

É senão um verso?

Que diz o cheiro adocicado

De cebola e almoço

Nas mãos de Mundica às 11 horas?

Questiono ao mundo

Que disseram os búzios?

Que dizem os coisificados

E as coisas simples

Na placidez de suas iconografias?

Que dizem as moças

Que transitam esquisitas

E seus olhos de esfinge

Por serem moças ainda?

E em sua esfinge superior

Que diz a mulher madura?

Que diz a balzaquiana?

O acadêmico absoluto

Suas referências frígidas

Entretanto intocáveis

De paráfrase e citações

dsc00522

Que diz sua voz?

Sabe ainda o acadêmico

Que tem voz?

O olhar materno

Para o velho retrato

Do filho perdido

Em termos confusos

Que diz o silêncio

De um morto

À sua mãe?

O feto do mar abissal

Que um escafandrista gerou

Sozinho e em sonho

conchas3

Nada diz?

A quem sussurrara

O primeiro isolar-se

Na claustrofobia das tintas

Dos depósitos e salas e cozinhas

E organizadíssimas camas

Das casas brancas de família?

Que dizem os fantasmas

Nos tetos destas casas?

Que dizem os analistas

Dos testes psicométricos

De concursos públicos e colégios?

Aos que praticam Cooper

E às marcas dos sadomasoquistas

conchas4

Que dizem as passarelas de asfalto

Os instrumentos fálicos

Chicotes e tênis gastos?

Que diz o couro e o látex

Nos preservativos e bustos?

Questiono ao mundo

E o mundo diz o mínimo:

Tampouco sei

conchas5

Poeta Elmar Carvalho

Que disseram os búzios?

A lâmpada queimada de instante

no quarto imensamente noturno

Do menino que é o único

E da septuagenária viúva

Que diz o escuro ao escuro?

E que diz o escuro do útero

Ao íntimo óvulo?

Finda a guerra

Que diz o nascituro

Ao gêmeo natimorto

No escuro do útero?

Que diz a fibra grotesca

Dos nervos encrespados

Do gato que nunca morre

O gato que permanece gerúndio

Morrendo infinitamente

Na mais fina ironia dos posfácios?

buriti

Que diz a insistência

Do mal poeta noviço?

E o gênio que nada escreve

Quanto diz seu vazio?

Habitariam o não dito

Os poemas serenizados

Na perfeição da semântica

Submersa a toda linguagem?

Calariam a falha inescusável

Das palavras de Heidegger

Os poemas não escritos?

Que disse Rimbaud

Aos anos não escritos?

canal2

Porquanto observo

Todo luxo obscuro

Me é dado ouvir

Os ruídos mínimos

Do tampouco do mundo

Me é dado o nunca olvido

Ao muito intangível

O predestino de ser capaz

Do amor oblíquo

Como a Vinícius

Fora dado o predestino

E a prerrogativa de ofício

De ouvir o que diz

Aquilo que nada diz

E o que diz o silêncio

Dos poemas não escritos

Dormentes nos búzios

Rosal. Gustavo Muniz Barros Rosal Benvindo é estudante do curso de Direito no Campus da Universidade Estadual do Piauí em Parnaíba.