*Por Gustavo Rosal.
Uns dias passados fui ao Elizeu Martins, da Pinheiro Machado. Buscava um caixa 24h em um dos espaços do estabelecimento. O horário não era pertinente. Fins de tarde formigam em locais assim. A fila contornava uma parede de seus 3 metros de comprimento. Mas não uso de exatidões, tal ensejo me ignorara o Criador e a genética, tanto que em meus tempos de ensino médio era certa a recuperação em matemática.
Ignoremos os metros e as réguas oculares. Então nada comprometem. Contudo a fila assustava. Uma coisona horrível, os pés impacientes fincados, os olhares julgadores que fingiam dizer, “esse aí tá demorando demais”.
Escurecia lânguida a tarde. As cidades às 17h30 são catástrofes dos sentidos. Contraste mais feio não me recordo. O céu enegrece lindo e sereno enquanto tudo alardeia em movimento na terra.
Os carros zunindo na irritação dos prepotentes por poderem zunir em seus motores. Os cavalos elétricos entrecortando vias e ruas, o som agudo da forrozeira no aparelho consertado do Celta na oficina ao lado, os homens de meia idade e seus olhares eternamente bêbados. As camisas avulsas de times de futebol: Palmeiras, Ferroviário, Caiçara, Fenerbahçe…
A beleza ferida sangra até a meia-noite, quando há espaço para ser beleza na calmaria dos que contemplam. Não há pintor expressionista ou fotógrafo que resista a uma fila no Elizeu. A sobrevivência resta aos cegos tão somente. Eu também sangro como o céu que avermelha e como as cores do caixa.
Vai-se o homem de boné, a universitária de biologia (como explicita a logo da camisa), vai-se o velhinho de semblante benevolente, vai-se toda uma gama de impacientes. A fila prolonga-se às minhas costas e é metade do que era à minha frente.
Gosto de observar coisas e pessoas. Engraçado dizer, já que tantas foram as vezes em que conhecidos comentaram me encontrar de longe em lugar tal ou tal e acenar sem resposta. Chamam-me desatento. Engraçado dizer… Ao quê das pessoas e das coisas sou atencioso se não às suas identidades?
Por buscar a resposta ando com um caderninho de anotações. Nele não constam nomes. Não leio um Paulo ou Gabriela ou Ana ou Fernando em meu caderno, mas as sublinhas desses nomes, ou talvez as coisas inscritas nas coisas. Desta percepção surgem as crônicas que escrevo.
Assim, meus olhos desbotados captaram uns calçados: espantei-me no ridículo. Pobres moças e seus tamancos pretos. Que a falta de exatidão me corrija, mas poderiam ter 10 cm os tais tamancos? Todas as funcionárias do supermercado calejavam seus pés em saltos de 10 cm! Ao menos as que avistei da fila do 24h…
Abateu-me um íntimo de desconcerto e revolta para com a administração. Os superiores das moças, os que instituíram uso de tamancos com 10 cm de salto para atendentes cujo ofício se constitui em pé e em andanças diversas… Então, minha vez na fila, o procedimento mecânico e o caminho de saída. Vai-se Rosal. Ficam-se os tamancos e os calos. Existirá algum Sindicato das Atendentes de Supermercado? Por Deus ou pelo diabo, greve aos saltos de 10 cm!
*Gustavo Muniz Barros Rosal Benvindo é estudante do curso de Direito no campus da Universidade Estadual do Piauí em Parnaíba, poeta e cronista.