DIÁRIO DE MARIA BEATRIZ

DIÁRIO DE MARIA BEATRIZ

Wilton Porto

Da Academia Parnaibana de Letras

 

Na ternura da minha sensibilidade, no enlevo dos meus sentimentos, o nó não queria dissolver-se em minha garganta. Todo o meu ser vibrava uma solidão inafugentável. As pálpebras desafiavam o meu comando. E como alguém que há muito represara todas as angústias do planeta, eu me vi dianse de redemoinho de emoções, e terminei vendo algumas gotas rolando dos meus olhos: eu acabara de ler o romance de Jeanete de Moraes Souza: “DIÁRIO DE MARIA BEATRIZ”.

 

Quanta poesia encerra esse romance! Quanta renúncia dessa jovem em nome de um trato familiar! De uma realidade histórica de uma época! De um pedantismo levado pelo orgulho de uma sociedade que se pensa superior, só porque possui, no cabide, algumas roupas mais refinadas, um sobrenome em melhor evidência!

 

Jeanete aproveita o talento que carrega na fronte, como poetisa arrebatada para, em forma de diário, desenrolar os acontecimentos do início do Século Vinte. E como a escritora era inclinada às mensagens cristãs, diferentemente de Camilo Castelo Branco que, empurrando o catolicismo para cima de um burro, com o intuito de enviá-lo para algum píncaro de Portugal, ela levanta um altar iluminado e nos convence a fazer o mesmo em nossos lares.

 

“Não haveria discordância no concerto universal, se todos os seres criados estivessem sempre submissos a tão sábia direção. Há os desassossegos, as desordens, as guerras, porque os homens se esquecem de consultar Tua Vontade e agem a seu bel-prazer, tangidos por suas paixões e cobiça, esquecidos de que, longe de Ti , só existem o infortúnio e a morte nesta vida e, na eternidade, o desespero sem fim”.

 

O mexeriquismo social, as traições dos maridos, o interesse em casar os filhos com um partido alto, a imposição dos pais aos filhos, a falta de espírito humanitário, com a elite esbanjando egoísmo e orgulho, eis uma tônica presente naquele período e retratado com maestria por Jeanete.

 

Naquela época, os filhos se ajoelhavam perante a esperteza dos pais, e se deixavam imolar, sacrificar, jogar por terra os mais sagrados anseios, para não ferir os que lhe botavam à luz da terra. E os pais não mediam esforços e astúcias para satisfazer suas vontades.

A mãe de Beatriz usou dessa artimanha e da enfermidade, com o interesse de que a filha não seguisse o caminho traçado de felicidade ao lado do homem que escolhera – por amor expressivo -, devido à condição social e financeira dele.

 

“Então? O que há de vir de bom do sertão, além de legumes? Com certeza que este rapaz é filho de algum vaqueiro, lenhador ou qualquer coisa semelhante…”

 

A mãe de Beatriz não lhe colocava um cadeado na parte genital, contudo a vigiava, fazia jogo psicológico. Um dia, ela exigiu: “Seja obediente! Não lhe dê esperanças… Mande-o embora! Promete-me?” E a filha, num esforço inigualável, respondeu: “Prometo”!

 

“No peitoril da janela, molhada de lágrimas, deixei a saudade emurchecida”, disse Beatriz.

 

“Saudade emurchecida” era o jasmim que Luciano exigira que ela botasse na janela. Caso a resposta para o noivado fosse negativa, Luciano queria jasmim roxo e roxo lá estava.

 

As tias de Beatriz tentaram jogar os filhos para um casamento com a sobrinha. Entretanto, qualquer pretendente era descartado: se Luciano não podia fazer parte do caminhar dela, viveria só, com suas dores.

 

Em todo o livro impera o lirismo. A realidade do Brasil como um todo, em todos os seus aspectos, contada em forma de romance, porém pura poesia. Escrito por uma mulher que soube perceber o tempo em que viveu e, com sapiência, transferir para o papel cada movimento, todo anseio, os descalabros dos semelhantes.

 

Mais de cem anos já passaram, no entanto, muito do que está nesse livro, continua rondando em nossas portas. Ainda somos “animais num corpo de homem”, como dissera um mestre da espiritualidade.

 

Não queremos uma Beatriz nos moldes (sacrificadora) do romance. Mas uma Beatriz com esse amor (verdadeiro), cheio de enlevo, que o sabe sagrado, indivisível. São tantos correndo aloucados atrás da matéria dissolúvel. Beatriz queria apenas os braços mornos daquele a quem amava; pouco preocupada se era ou não filho de um “vaqueiro” ou “lenhador”.

 

O Amor, acreditem, é o maior dos tesouros. Quem o tem – no seu verdadeiro sentindo – não necessita de mais nada. Pelo contrário, reservas as possuem para oferecer.

Eu pergunto ao homem mais rico do mundo, no tocante ao dinheiro, riquezas materiais: você pode comprar alegria com o dinheiro que compra palacetes, carros importados?

 

“Ah, o valor das palavras! Como podem mudar o destino!… Que força que têm! Se pudesse apagá-las ou jamais usar proferi-las impensadamente… Quanto tempo, meu Deus, levarei ainda nesta angústia que é ansiedade, é sacrifício e heroísmo… E julgo que também é amor!”  Estas foram as última palavras de Beatriz. Felizmente, nos dias de hoje, os pais não impõem – aos filhos – esse tipo de sacrifício. Todos nascemos para o amor. Os pais são intermediários entre o mundo invisível e o visível. Têm também o papel de educar os filhos para a missão a desempenharem aqui na terra. Chegará um dia em que os nossos rebentos terão que voar. Em vez de quebrarmos as suas asas, teremos que fortalecê-las – a fim de que eles possam ser agentes transformadores dos mais conceituados.

 

 

 

 

 

 

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E EDUCAÇÃO LIBERTADORA

*Por Pe.Vicente Gregório

A Teologia e a Pedagogia surgiram juntas na América Latina. Faço alusão à Teologia da Libertação e à Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, posto que ambas emergiram no início da década de 70. Antes de qualquer coisa é importante lembrar a confissão católica e seu contexto libertador da década de 70 em diante, no qual Paulo Freire se encontra. Paulo Freire assume a religião de sua mãe e em um dado momento dela se afasta por perceber o descompromisso com a realidade, mas no período de opressão e ditadura ressignifica sua própria fé ao vislumbrar uma Igreja próxima e comprometida com o povo, em suas lutas e conquistas. Muito embora alguns teólogos critiquem as concepções antropológicas e teológicas de Freire, é mister afirmar que não sendo um teólogo profissional, o mesmo estaria preocupado não tanto com questões especulativas, mas sobretudo com o compromisso da Igreja e da Teologia com a Educação libertadora, sendo que a Libertação do ser humano também está imbuída de uma fé num Deus libertador que confia às pessoas a tarefa de organizar-se na reflexão e na ação para transformar o mundo e a sociedade, sem que uma visão de Fé puramente passiva pudesse obstruir o processo de libertação. Afirmações do tipo “Deus quer assim, vamos nos conformar com tal realidade”, jamais se conciliariam com o pensamento freireano.

Como assíduo leitor dos pensadores marxistas, Freire tem como base a compreensão de que a conscientização, a passagem de uma consciência intransitiva para uma consciência transitiva não ocorre de forma isolada, no individualismo, mas antes na convivência grupal, nos espaços de construção coletiva e dialética da reflexão e da ação. De igual modo, Paulo Freire, rejeita a visão da religião como dimensão intimista e espiritualista da vivência da fé. Para ele, fé é ação e se lança para transformação da história e da sociedade, posto que fé é compromisso social. Desta forma, o que ele pretende é que as Igrejas assumam seu grito profético na sociedade capitalista e desigual.

Paulo Freire produz sua pedagogia crítica no mesmo período e contexto em que a Teologia da libertação emerge: a pobreza, as injustiças, a invisibilidade dos fracos e posteriormente, o uso da força e das ditaduras militares. O que Freire incentiva é o diálogo como condição de aprendizado mútuo, a tríade pedagógica e teológica da fé, esperança e caridade como condições de uma relação de aproximação entre Pedagogia e Teologia a fim de que possamos acreditar no potencial do ser humano, investir na mudança social e tratar amorosamente cada ser humano como único na face da terra, seja nas igrejas, nas escolas e nos espaços informais de aprendizagem. Sendo obras inconclusas de Deus, devemos lutar constantemente e na coletividade para minimizarmos as múltiplas formas de opressão pessoal e social.

 

Se ninguém gosta de ler, imagine guardar livros

*Por Pádua Marques

       Estava aqui com meus pés fora dos chinelos de dedo observando esta medida tomada pelo governo do Piauí, mais precisamente sua Secretaria de Justiça, e que beneficia aqueles detentos que lendo terão uma redução da pena proporcional à quantidade de livros lidos. Eu não gosto de dar palpites em certas iniciativas de governos, principalmente quando são governos que não têm experiências em certos assuntos e acabam metendo os pés pelas mãos.

         Mas fugindo um pouco dessa discussão dos livros com detentos no Piauí me recordo de uma viagem pelo interior, aqui perto na região, em que numa propriedade onde estavam fazendo farinha, a mulher dona da casa me disse com certa tristeza sobre as dificuldades de guardar a mandioca fresca porque faltava espaço e além do mais, ninguém quase mais come farinha neste mundo. “Aqui, seu Padinha, muita coisa se perde porque ninguém tem mais aonde guardar”.

      Quantas e quantas toneladas de farinha branca, goma branca, farinha de puba, beijucica, grolado, tapiocas, papafina e beijus com gergelim deixam de ser produzidos porque não há mais mercado nas pequenas cidades e onde a cada dia os homens, mulheres e meninos do campo foram ficando urbanos, todos americanizados e relegando de onde vieram.

        Não comem mais macaxeira e nem bolo de milho no café. Não assam mais castanhas pra comer a paçoca porque têm medo de ficar com as roupas fedendo. Não tomam mais leite mugido porque meteram na cabeça deles que tem micróbios. Mas é assim mesmo, bocado comido é esquecido.

        Negócio deles agora é só andarem com o celular na frente dos olhos falando sabe láleitura3 com quem. Ficam parecendo bestas falando sozinhos pelo meio da rua e com as caras pra cima. E ainda tem mais esse negócio agora de redes sociais pelo meio que é pra falar com gente até do caixa-pregos. Quando não, ficam em frente da televisão só assistindo coisa que não presta.

      E transportando essa mágoa da robusta dona da casa de farinha, sobre quem não come e nem compra farinha e beijus, pra questão dos livros aos detentos do Piauí, me ocorre lembrar que o homem quando está numa situação de desespero, qualquer coisa serve pra se salvar. Até ler livros.

        Detentos leitores terão quatro dias de redução na pena depois de terem lido um livro e feito um resumo pra ser analisado por professores. Se muita gente pensava que o negócio era somente ler e ficar por isso mesmo, se enganou. A coisa não vai ser assim tão fácil não.

        Muita gente vai ficar pelo meio do caminho. Muita gente vai tentar a liberdade pelos leitura1meios tradicionais no código dos detentos, as fugas e as rebeliões. Imagine um sujeito dentro de uma prisão, sabendo que tem uns vinte e poucos anos pra cumprir pena e pelas condições oferecidas tem quatro dias de desconto, pegando pra ler uma Divina Comédia, de Dante Alighieri ou um Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes?

       E daqui desta posição em que me encontro fico observando as dificuldades de nós escritores alcançarmos público leitor. Alto custo de uma publicação, burocracia pra registrar a obra, falta de incentivos e finalmente ter mercado leitor. Mais precisamente entre essa nova geração que não gosta de ler.

    Outro dia em conversa com um grande amigo, Daniel Ciarlini, falei sobre a necessidade de, antes que o mundo acabe pelo avanço da comunicação eletrônica e que seja decretado o fim dos livros de papel com essa morte lenta e certa, gostaria de fazer um documentário sobre a literatura parnaibana neste início de século XXI, com suas várias correntes. E eu não tenha que acreditar que, pra ter público leitor o homem precise perder sua liberdade e passe a viver anos e anos dentro dos presídios do Piauí.

A moça de calça legging

Texto de Antônio Gallas

         Uma moça trajando uma calça legging chamou atenção, atraiu olhares, provocou sussurros e quase acidentes, no centro de Teresina numa ensolarada manhã de setembro.

         Não porque a moça fosse bonita ou feia. O feio ou o bonito depende do olhar e da concepção de cada um. Para alguns, uma pintura surreal pode ser algo feio, horroroso, mas para outros o surreal é esplendoroso, fantástico, fascinante até…

         Assim também se parecem as pessoas vistas pelo olhar de cada um.

         Mas porque diabos essa moça do capeta chamou atenção, atraiu tantos olhares, sussurros e quase provoca acidentes no centro de Teresina?

         Postada ali no cruzamento das ruas Barroso com Eliseu Martins nas proximidades da lateral de uma banca de revistas que existe no início da rua climatizada, ela tinha certeza que era o alvo das atenções de todos quantos passavam por ali naquele momento.

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         Um idoso com mais de sessenta anos ficou tão embevecido a olhar a tal moça, que tropeçou no batente da calçada que dá acesso à rua climatizada e quase vai ao chão. Não fosse a rapidez de um jovem transeunte, o pobre velho ter-se-ia esparramado ao solo.

           Um outro, caminhando apressado e olhando para trás para ver a moça, foi de encontro à parede do prédio da esquina onde já funcionou a Câmara Municipal de Teresina e, salvo engano, nos anos 60/70 também a  agência centro do Banco do Brasil.

         Uma senhora que provavelmente ia às compras com sua filha adolescente, esconjurou e saiu às pressas puxando a garota pelo braço para que a mesma não olhasse a moça. O motorista de taxi, que parado esperava a passagem dos pedestres para o outro lado da rua, quase atropela uma pessoa, pois se descuidou um pouco da direção do veículo, só porque também estava olhando para a moça.

         Mas, voltando à pergunta: por que essa moça estava sendo o alvo das atenções de todas as pessoas que passavam no local naquele momento? Que diabos ela fez para atrair tantos olhares?

          A dita moça, simplesmente não fez nada. Apenas trajava uma calça legging cor da pele e uma blusa transparente.

         À certa distância, devido a calça ser cor da pele, tinha-se a impressão que a moça estivesse nua da cintura para baixo. A blusa transparente, por sua vez deixava bem claro que a ela não estava usando soutien ou sutiã, fato que atraía mais ainda a atenção dos homens, naturalmente.

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Imagem ilustrativa

 

          A calça legging é apropriada para uso nas academias fitness. São calças justas que vão da cintura até os tornozelos São muito usadas em práticas esportivas especialmente no tempo frio. São fabricadas a partir de uma mistura lycra, elastano, nylon, algodão, poliéster ou lã. Podem até não parecer, mas, quando vestidas, a elasticidade pode deixar tudo à mostra, como foi o caso da moça de Teresina. Por outro lado, é sabido e notório que as mulheres gostam de chamar atenção, não apenas dos homens, mas das outras mulheres também. E não é de hoje que elas procuram exibir suas formas, talvez para satisfazer seu próprio ego, levantar a auto estima ou causar inveja nas outras.

         Lembro-me perfeitamente que quando criança minha avó falava num tal de “bundex” que servia para estufar o bumbum daquelas que tinham a poupança murcha, lá dentro. Existia até um comercial que veiculava na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, se não me falha a memória, era mais ou menos assim:“Dura lex sed lex/pro bumbum use bundex”!

         O bundex ainda existe e continua tendo uma grande procura… não apenas por mulheres, mas também por alguns homens…

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Imagem ilustrativa