Garis: os garimpadores de lixo – aplausos para eles!

       * Por Wilton Porto

         Minha esposa costuma dizer-me que já fiz “homenagem para todo o mundo menos para os garis”. É que estamos sempre vendo esses grandes profissionais pelas ruas, portas de casas, pegando fedorentos lixos, além do lixo que levam na cara, enquanto estão em cima do carro, já que devido à pressa não dá para fechar o depósito.

         Os garis, pelo menos em Parnaíba, não têm horário para o trabalho: os vemos de manhã, tarde e noite na labuta. O pior, é que muitos moradores, fazem não sei quantos tipos de pequenos sacos, em vez de colocarem em só. Facilitaria por demais o trabalho deles.

         gariInteressante! Eu não consigo perceber um dono de casa oferecendo um copo de suco com um pãozinho amanteigado para eles! Isso seria um sucesso! Eles agradeceriam por toda a eternidade! O certo, é que não lhes garantem nem um copo d’água. Posso culpar os donos das residências?! Sim e não! Não, porque eles andam tão apressados! Os que andam com aquele carro pra cima e para baixo. Os varredores de rua têm tempo para parar e almoçar ou jantar. Na época em que aquele mundaréu de homens ficava abrindo buracos nas ruas para saneamento básico, que não sei se em algum lugar desta cidade está em funcionamento, minha esposa dava merenda para os que foram à nossa rua e proximidade. Admiro-a por isso.

         Hoje, eu acordei pensando nos garis. Minha inspiração saltitou em perguntas: – E se os garis fizessem greve de um mês, como seria? – Ah, meu Deus interno, iríamos nos atolar não só em lixo, contudo em mosquitos, moscas, urubus e o diabo aquático cor-de-rosa! E pense na quantidade de doenças! Já não bastam os agrotóxicos, que nos geram de quando em vez uma virose… Que ou “bichinha” para nos arranjar problemas! Vômitos, diarreias, hospitalização (muitas vezes) e, durma com um barulho deste: um bom gasto na primeira farmácia que se encontrar.

         E tem muita gente boa derramando solicitudes para presidente (seja lá do que for); empresários; artistas (de televisão, principalmente); jogador de futebol… E os garis necas! Necas, sim, pois até o salário – podem ir atrás – é minguado. E nem estou falando da rinite alérgica, sinusite e outras “ites” que lhes tomam o restante do salário. A gente poderia colocar frente a frente os dois profissionais: gari e professor da minha época e analisar quem mais tem problema ligado ao nariz. Iiiiiiiiiii! Daria uma greve daquelas! No entanto, nem sei se os garis têm um sindicato. Os professores têm uma casa com o nome Sinte. E só. Digo isso, porque não vejo greve de professor dar resultados! Bancário rapidinho o aumento vem.

         Meu amor! Você não me pediu para eu escrever sobre os garis?! Pois aproveite e mande um abraço para eles! Digamos-lhes: grato por não só existirem jogador de futebol e belas atrizes! Por existirem, acima de tudo, profissionais tão humildes! Tão profissionais! Tão necessários! Tão educados! Que o Cristo, que tudo percebe detalhadamente, derrame em vocês os mais aguçados louvores, e que os homens possam compreender um dia que, o lixo que vocês tiram das ruas, nos traz um grande benefício. E garante o alimento para muitos. Muitos que não têm emprego. Não os têm, porque os tecnocratas estão mais preocupados com os seus próprios umbigos.

        Em nossa casa, vocês encontrarão compreensão, respeito e, admiração. E, acreditem, acaso precisem de água e pão, numa dessas passadas pela nossa porta, não lhes negaremos, se os tivermos. Entretanto, sabemos nós – eu e minha esposa Eliana –, vocês ficarão felizes em saber que escrevemos essa crônica para vocês. Obrigado!

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO ESTAMOS ESTAMOS OLHANDO…

Sobre o que acontece quando não estamos olhando…

o que qcontece

Por Antônio de Pádua Marques – ocupante da cadeira nº 24 da Academia Parnaibana de Letras 

No ano passado, dia 09 de julho, a convite de meu amigo Arlindo Leão estive na Fundação Raul Bacelar para ser o apresentador de um livro que estava sendo lançado pelo historiador e escritor Agostinho Torres e que teve uma cobertura muito generosa da TV Costa Norte. Familiares, amigos, representantes de entidades culturais estiveram presentes. E naquela ocasião eu fiz a apresentação do O que acontece quando não estamos olhando, que reproduzo a seguir:

               Certa vez eu tive necessidade dos serviços de um ourives. Em lá chegando fiquei, antes de pedir o conserto da joia, olhando como é importante, cauteloso e cheio de silêncios uma are que atravessa a vida dos homens e enobrece o pescoço, os braços e os dedos das mulheres. Ele tomou nas mãos o pequeno anel que eu trouxera embrulhado num papel ordinário.

               E quase sem prestar atenção para minha pessoa passou a joia da mão direita para a esquerda, olhou, olhou outra vez contra a luz, jogou em cima da bancada e até chegou a morder de leve. E eu ali atento e silencioso, com vontade de dizer alguma coisa, mas não me atrevi a quebrar aquele seu serviço. O ourives permanecia com o anel entre os dedos, esfregando na palma da mão e na camisa.

               Naqueles intermináveis minutos que mais pareceram séculos eu tive a sensação de que ele, o ourives, quando levantasse os olhos em minha direção haveria de dizer que o anel era falso. Por fim quando se dispôs a dar seu diagnóstico, tal e qual um médico na frente de um paciente ansioso, eu tive a certeza de que o anel tinha uma valia imensa.

               E eu agora me transportei para o humilde ourives na condição de ter a felicidade de avaliar e dar testemunho do alto valor da peça. Não um anel de ouro cravejado de diamantes ou de opalas de Pedro II, mas de um livro. O ourives ao me entregar o anel, que veio ficar preso no meu dedo, tinha certeza de ter cumprido seu ofício. E mais ainda, de ter ganhado minha confiança.

               A peça que chegou às mãos desse humilde ourives das letras é o livro O que acontece quando não estamos olhando, de autoria do meu amigo Agostinho Torres. Diferente dos anéis e braceletes de ouro puro, que podem com o tempo perder o valor e o brilho, trocar de dono ou serem vendidos por uma ninharia quando o dono estiver em dificuldades, este livro é uma coletânea de contos sobre o sobrenatural cotidiano.

               Há de com o tempo ganhar outros donos, influenciar atitudes, aproximar os homens e viajar pelo mundo. Uma joia impressa em papel. Agostinho Torres colocou nessa obra toda a sua inteligência e sensibilidade. Não se pense que ao ler este livro, nós aqui desta parte mais alta da coroa piauiense haveremos de encontrar referências e reverências ao passado, como é costume na nossa literatura.

               “O que acontece quando não estamos olhando” não está impregnado pela fuligem da história do Piauí, suas irremovíveis figuras da província e todos aqueles que lhes fizeram parelha. Agostinho Torres, com este livro rompe com o sistema e alça voo

próprio. Seu livro tem uma feição universal, moderna, fala de seu tempo, das suas e das nossas angústias e sonhos. Agostinho Torres passa a fazer parte do seleto grupo de escritores piauienses que falam do seu tempo e após ele. Sua cultura não se abre e nem se fecha no velho curral do regionalismo. Ele vai além da porteira, corre o mundo, renova linguagem, une seu tempo e o tempo de seus amigos de geração.

               Coloca com este livro a literatura piauiense num degrau próximo dos grandes escritores porque foi beber do mesmo vinho de Lewis Carrol e Clive Barker. Mas não deixa de fazer referências à sua Teresina, cidade onde nasceu há vinte e cinco anos. Como no conto Frei Serafim. E de Parnaíba, cidade onde passou parte da infância, traz lembranças dos amigos de férias jogando Nintendo e fazendo outras peraltices. Esse mundo dos games e da vida livre.

               Agostinho Torres traz para esta obra e para as outras já publicadas. A diferença entre o escritor Agostinho Torres e os escritores da antiga geração, da qual eu ainda faço parte, é a audácia de sair pelo mundo além dos muros da terra piauiense. “O que acontece quando não estamos olhando” tanto pode ser lido por jovens universitários de Amsterdam, Toronto quanto de Picos.

                E como um escritor audacioso certamente Agostinho Torres, que gosta de testar nossa coragem com o sobrenatural, não deve ter nos planos pertencer a uma academia de letras. Sua geração reclama mais liberdade para criar e se lançar no mundo porque é uma geração que criou e usa à exaustão ferramentas poderosas de compartilhamento.

               Assim, Agostinho Torres chega ao mundo das letras. Mas como é inquieto demais e novo demais, não deve ficar encastelado numa entidade. Creio ter cumprido meu ofício, de ourives. A joia está lançada. Que a sensibilidade dos leitores possa trazer a partir desta noite, aqui na calorosa Fundação Raul Bacelar, o reconhecimento a essa obra, porque é assim que acontece quando não estamos olhando.o que acon

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Agostinho Torres – autor do livro “O que acontece quando não estamos olhando”